[Na parede de uma ermida rústica]
Há uma paz infinita
Na solidão das herdades …
Ó alma das coisas mortas!
Eu sinto que me confortas
Nos campos, quando me invades,
Porque todo me penetras
De ignoradas sugestões,
De mistérios ignorados,
Que evocam os meus cuidados
À flor das minhas canções.
À tona das minhas queixas,
Levada de mundo em fora,
A minha amargura espanta,
Pelas tristezas que canta
E as alegrias que chora.
Surgem misérias e dores
De entre a charneca maninha,
E escuto as mágoas doridas
Que irrompem de tantas vidas,
Muito mais tristes que a minha.
São infelizes que choram
Sem terem consolação;
Criaturas desgraçadas,
Que vivem com sete espadas
Cravadas no coração;
Almas sem fé, almas cegas,
Aos tropeções pelo mundo,
Barcos sem remos nem velas,
Que açoitados das procelas
Naufragam no mar profundo.
Que é certo haver neste vale
De lágrimas muita gente
Que vai andando, sem tino,
À mercê do seu destino,
Da sua sorte inclemente,
E deixa-se ir no abandono
De forças que não reagem,
Como no inferno de Dante,
Por entre o horror palpitante
Duma trágica paisagem.
Vendo as reses tresmalhadas
Nossa Senhora da Guia
Por entre as reses caminha
Procurando, coitadinha,
Toda a noite e todo o dia
Guardá-las no santo aprisco,
Das durezas e amarguras
Do mundo vil, e as protervas
Fogem-lhe em busca das ervas
Salgadas, das pedras duras...
Também no mundo padeço;
Mas terei a recompensa
Num outro mundo melhor,
Se nunca deixar de pôr
Em Deus os olhos da crença.
E à hora da minha morte
Hei-de ver, de par em par,
Num resplendor que idealizo,
As portas do paraíso
Abertas para eu entrar.
Entretanto, irei na terra
Bebendo as santas verdades
O simples mel das colmeias,
Na doce paz das aldeias,
Na solidão das herdades...
[Obras do Conde de Monsaraz]
sábado, 1 de dezembro de 2007
ALMA RELIGIOSA
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