quarta-feira, 30 de junho de 2010

Macte Animo


via Gago Coutinho by costapinto on 6/30/10

terça-feira, 29 de junho de 2010

Tempo

tempo

via Escute um pouco mais... by Kátia Bernardes on 6/25/10

quanto mais o tempo passa
menos tempo resta-me
cada segundo parece hora
e cada hora parece segundo

dar-te-ei tempo, se precisas
apresar-te-ei, se demoras
o tempo não espera por ti
nem acelera se desejas

tempo falta-me agora
tempo sobra entre nós
tempo rege tudo em mim
tempo corre e demora

Homenagem a Rodrigo Emílio

Na verdade, não sei onde estás.
Talvez no céu, desejo que no céu,
Longe deste País sem lei e sem paz
Onde tudo é escuro, escuro como breu.

A Pátria onde nasceste só te deu
O pão amargo da ofensa e dor.
Mas aqui ninguém nunca te esqueceu
E muitos sabemos teus versos de cor.

Quem sabe se Deus, quando te levou,
Quisesse livrar-te do que se passou
Depois da noite infeliz da abrilada;

E eu sinto que aí, nessas alturas
Nas quais só há pureza e não loucuras
Tu podes adivinhar a madrugada.

Francisco Ferro - (Nas vésperas do 10 de Junho de 2004)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Atiraste uma pedra

Atiraste Uma Pedra Maria Betânia Composição: Herivelto Martins / David Nasser

Atiraste uma pedra
No peito de quem
Só te fez tanto bem
E quebraste um telhado
Perdeste um abrigo
Feriste um amigo
Conseguiste magoar
Quem das mágoas te livrou
Atiraste uma pedra
Com as mãos que essa boca
Tantas vezes beijou
Quebraste um telhado
Que nas noites de frio
Te servia de abrigo
Feriste um amigo
Que os teus erros não viu
E o teu pranto enxugou
Mas acima de tudo
Atiraste uma pedra
Turvando essa água
Essa água que um dia
Por estranha ironia
Tua sede matou

Soneto agonizante de despedida

via nonas by nonas on 6/15/10

Morreu por não saber vestir a pele
De português perdido à beira-mar
Morreu! E até parece que com ele
Vai toda a poesia a enterrar

Morreu por não haver já quem anele
Os gestos de uma gesta secular
Morreu! Para que a Pátria Exausta o vele
Mais do que as rosas velhas a murchar

Assim o centenário sem proveito
Da funda e falsa fé republicana
Não lhe irá macerar o nobre peito

O seu legado é obra sobre-humana
E o nome um decassílabo perfeito:
António Manuel Couto Viana.

Bruno Oliveira Santos
(10.06.2010)
In jornal O Diabo, p. 8, 15.06.2010

Sons

via Angola: os poetas by kinaxixi on 6/27/10
a guitarra
é som antepassado.

partiram-se as cordas
esticadas pela vida.

chorei fado.

que importa hoje
se o recuso:

o ngoma é o som adivinhado!

sábado, 26 de junho de 2010

Por decoro

via POEMBLOG by JOSE ANTONIO LEAO RAMOS on 5/27/10

Quando me esperas, palpitando amores,
e os lábios grossos e úmidos me estendes,
e do teu corpo cálido desprendes
desconhecido olor de estranhas flores;

quando, toda suspiros e fervores,
nesta prisão de músculos te prendes,
e aos meus beijos de sátiro te rendes,
furtando às rosas as purpúreas cores;

os olhos teus, inexpressivamente,
entrefechados, lânguidos, tranquilos,
olham, meu doce amor, de tal maneira,

que, se olhassem assim, publicamente,
deveria, perdoa-me, cobri-los
uma discreta folha de parreira.

Artur Azevedo - (1855-1908)

Mais sobre Artur de Azevedo

Deus é capaz de trocar reinos por ti

via Meu universo de Felicidade by ...MEU UNIVERSO DE FELICIDADE on 6/24/10

Deus é capaz de trocar reinos por ti,
abrir mares pra que possas atravessar
e se preciso fosse daria novamente a vida por ti!
Deus só não é capaz,de deixar de te amar...

Padre Fabio de Mello

Quando eu morrer ponha-me num museu

via Angola: os poetas by kinaxixi on 6/24/10

quando eu morrer ponham-me num museu
que o meu lugar é aí.
coloquem na vitrine este letreiro:

"espécie rara de tipo invertebrado
verdadeiramente fenomenal.
fez poesia.cursou a faculdade. Sofreu
entre outras coisas, ausências de dinheiro,
e, como os humanos, pensou no bem e no mal.
chegou a convencer-se que era gente.
mas morreu.
e por tudo isso que o fez diferente
dos outros invertebrados
veio à sala de um museu".

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Estertor, poema inédito de António Manuel Couto Viana

via nonas by nonas on 6/15/10
ESTERTOR

Amei o meu Portugal
Dei-lhe a minha poesia
E assisto ao seu final
Dia após dia.

Não há ninguém que lhe acuda
Com verdade combatente.
Só avisto quem o iluda
Só avisto quem lhe mente.

Pobre povo, onde, a raiz
Do que foi o "nobre povo"?
Não escutes quem te diz
Que está a erguer-te de novo.

Portugal, perdeste a estrada
Do império e do brasão.
Hoje não és nada, nada…
Nem pra quem estenda a mão.

Morreu em Évora-Monte,
E a coroa ao abandono
Serviu pra cingir a fronte
Da república no trono.

Já ninguém sabe de nós
Nem nos conforta a saudade,
Calou-se a voz dos avós:
A que me foi mocidade.

António Manuel Couto Viana
(30.04.2010)
Notas:
Poema declamado pelo actor Vítor de Sousa, após a missa de corpo presente, na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em 10 de Junho de 2010.
A fotografia é de Couto Viana com José Mendo em Tetuão, a 8 de Setembro de 1950.
Este perfeito e brilhante poema é o seu testamento poético, espiritual e político.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Em toda a noite

via POEMBLOG by JOSE ANTONIO LEAO RAMOS on 6/19/10

Em toda a noite


Em toda a noite o sono não veio. Agora
Raia do fundo
Do horizonte, encoberta e fria, a manhã.
Que faço eu no mundo?
Nada que a noite acalme ou levante a aurora,
Coisa séria ou vã.
Com olhos tontos da febre vã da vigília
Vejo com horror
O novo dia trazer-me o mesmo dia do fim
Do mundo e da dor -
Uma dia igual aos outros, da eterna família
De serem assim.

Nem o símbolo ao menos vale, a significação
Da manhã que vem
Saindo lenta da própria essência da noite que era.
Para quem,
Por tantas vezes ter sem 'sperado em vão,
Já nada 'spera.

Fernando Pessoa - (1888-1935)

Mais sobre Fernando Pessoa em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa

Cântico de alforria

via Angola: os poetas by kinaxixi on 6/22/10

vem, segura a minha mão
iniciemos um roteiro amargo de peregrinação:
pelo trilho batido do fundo da floresta
partamos até ao mar cruel
o mar sem fim, veículo da nossa servidão.

não, não feches os olhos à tragédia
olha os negreiros ancorados na baía da nossa desgraça
os nossos irmãos acorrentados
como gado sorvidos pelo negrume dos bojos insaciáveis
semelhando ventres de deuses bárbaros.
virgínia, alabama
mississípi
Sangue vermelho
Suor de negro branqueando algodão
cuba, Brasil
martinica
mais sangue vermelho
suor de negro movendo engenhos de açúcar.

eis o nosso povo sacrificado
eis a nossa gente
a nossa gente transpondo mares e mares
carne da nossa carne
sangue do nosso sangue disperso pelo mundo.

vem, segura a minha mão serena
em passo firme caminharemos até à orla do mar algoz
escutaremos as vozes perdidas na profundeza dos abismos
os ecos dos gritos abafados

congelados em pedaços de nossa carne ensanguentada
congelados em miríades de búzios abandonados ao sabor das ondas.

vem, irmão, seca as lágrimas nas pupilas
toma a minha mão amiga
percorramos o mesmo trilho batido do fundo da floresta
na jornada de regresso que nosso povo não caminhou
e à volta da árvore milenar à beira do caminho
saudemos a alforria ansiada pela nossa geração.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Trem de Alagoas


O sino bate,
o condutor apita o apito,
solta o trem de ferro um grito,
põe-se logo a caminhar...

— Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...

Mergulham mocambos
nos mangues molhados ,
moleques mulatos,
vem vê-lo passar.

— Adeus!
— Adeus!

Mangueiras, coqueiros,
cajueiros em flor,
cajueiros com frutos
já bons de chupar...

— Adeus, morena do cabelo cacheado!

— Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...

Na boca da mata
há furnas incríveis
que em coisas terríveis
nos fazem pensar:

— Ali mora o Pai-da-Mata!
— Ali é a casa das caiporas!

— Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...

Meu Deus! Já deixamos
a praia tão longe...
No entanto avistamos
bem perto outro mar...

Danou-se! Se move,
parece uma onda...
Que nada! É um partido
já bom de cortar...

— Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...

Cana-caiana
cana-roxa
cana-fita
cada qual a mais bonita,
todas boas de chupar...

— Adeus, morena do cabelo cacheado!

— Ali dorme o Pai-da-Mata!
— Ali é a casa das caiporas!

— Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...


Do livro: "Poemas de Ascenço Ferreira", Nordestal Editora, 1995, PE

Oiçam - Canção vencedora do festival da canção de 1967. Intérprete: Eduardo Nascimento


Ouçam
Ouçam
E o vento mudou
Ela não voltou
As aves partiram
As folhas caíram

Ela quis viver
E o mundo correr
Prometeu voltar
Se o vento mudar

E o vento mudou
E ela não voltou
Sei que ela mentiu
P'ra sempre fugiu
Vento por favor
Traz-me o seu amor
Vê que eu vou morrer
Sem não mais a ter

Nuvens tenham dó
Que eu estou tão só
Batam-lhe à janela
Chorem sobre ela
E as nuvens choraram
E quando voltaram
Soube que mentira
P'ra sempre fugira
Nuvens por favor
Cubram minha dor
Já que eu vou morrer
Sem não mais a ter

Ouçam Ouçam ouçam Ouçam ouçam


Música: Nuno Nazareth Fernandes

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Agora que partiste

NA MORTE DE JOSÉ SARAMAGO

via MUKANDAS do Monte Estoril by Irdea on 6/20/10

Agora que partiste

já percebeste

e viste

que o Deus que combateste

e em que não acreditaste

existe.


Que Ele quer junto de Si

tudo o que criou:

até o filho que Lhe virou as costas

e O negou.

domingo, 20 de junho de 2010

Esse homem

via Banco da Poesia by cdeassis on 6/18/10

Esse homem

Vera Lúcia Kalahari, Portugal

Queria esse homem escondido em ti mesmo,
Esse homem de que tu és apenas uma sombra…
Queria os teus silêncios e os teus sonhos
E essa melancolia que t'envolve como um véu…
Queria o gesto vago que fizeste
Como quem afugenta uma lembrança amarga…
Queria o afago indiferente dos teus dedos
Desfolhando um livro ou escrevendo um poema…
E os pensamentos que às vezes passam um instante
Nos teus olhos, fazendo-te, medroso, cerrá-los um pouco
Para que não escape nada
Queria tudo de silencioso e íntimo, de impreciso e distante
Que ocultas, avaro, em tua grave solidão,
Essa solidão que mesmo nos instantes mais livres
E mais despreocupados, é a atmosfera que respiras,
A nuvem em que t'escondes,
Tua agreste e invisa solidão.
Queria as palavras que não dizes, que não vêm aos teus lábios,
Mais do que num leve e breve sorriso meio triste…
Queria um beijo da tua boca, em tua boca.
Um beijo em que estivesses fremente e palpitante,
Com os teus anseios e os teus mistérios revelados,
E teu corpo ardente estremecendo
De amor intenso, de entrega absoluta,
Na ânsia de revelar-se, de dar-se, de doar-se completamente…
Queria esse homem escondido em ti mesmo.
____________
Ilustração: C. de A.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Sangue é vida

via Angola eu te amo by José Sousa on 6/17/10

Sangue é vida

Cada vez que me recorda
Sinto o coração a sofrer,
De uma triste história
Que nunca irei esquecer.

Pois num certo dia estava
Brincando com meus amigos,
Lá no meio da savana
Onde havia grandes perigos.

No meio daquele ambiente
Paisagístico e humano,
Deu-me uma crise de tosse
Desmaiei se não me engano.

Logo saltou uma golfada
De sangue saindo do pulmão,
Como tinha desmaiado
Ali tombei para o chão.

No hospital da Gabela
Tentaram me socorrer,
Foi um negro que me deu sangue
Se não fosse ele eu iria morrer.

Só ele era possuidor
Do mesmo grupo do meu,
Ele me ofereceu vida
Grato te fico irmão meu.

Aquele sangue era puro
De raízes bem Angolanas,
Colei-me àquela terra
Ó coração… tanto a aclamas.

Se não fosse aquele negro
Eu teria mesmo morrido,
Por isso não me sinto branco
Sou daquele povo querido.

Portugal

via MANLIUS by José Carlos on 6/15/10

Portugal
Este mendigo, outrora, era um menino d' oiro,
Teve um Império seu, mas deixou-se roubar.
Hoje, não sabe já se é castelhano ou moiro
E vai às praias ver se ainda lhe resta o mar!
* * *
Agora, o meu país são dois palmos de chão
Para uma cova estreita e resignada.
Tem o formato exacto de um caixão.
Agora, o meu país é pó, é cinza, é nada.
Reduziram-no assim para caber na mão
Fechada!

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Escrito no Sangue

Para os meus sobrinhos Mió e Eugénio

Foste, às praias d`outrora, ver partir uma nave?
Vai vê-la regressar, fremente, aos aeroportos.
Tem, agora, o perfil triunfal de uma ave,
Mas nas entranhas traz cinco séculos mortos!

Deixou, no além-mar, um farrapo de pragas,
A memória do ódio, o turbilhão das fugas.
Traz, oculto, a sangrar por vinte e cinco chagas,
Um pavilhão de medo e envergonhadas rugas.

Esperava-a o pó, os fétidos detritos,
O crime da indiferença e a fome das crianças.
Antes tudo acabar numa explosão de gritos
Do que este tropeçar no gume das vinganças!

Foste, às praias d`outrora, ver partir um navio?
Vai vê-lo regressar, sem glória, aos aeroportos.
Antes fosse vazio e viesse vazio.
Mas nas entranhas traz cinco séculos mortos!

António Manuel Couto Viana
(21.11.1976) - In “Sou quem fui – Antologia Poética”, p. 127. Edições Ática,2000

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Oração

via Angola: os poetas by kinaxixi on 6/15/10
Senhor,
dá-nos o prometido no princípio
quando os homens errantes no deserto
receberam de ti a obrigação;
dá-nos a terra fértil dos eleitos;
a pátria para o povo de escolhidos
que ainda não têm pão.
senhor!
é a hora da estrela refulgir
guiando os passos do teu povo esparso
nas trevas desta noite de ganância
e dor
e confusão.
é a hora,
senhor!
dá-nos o prometido no princípio:
a terra da promissão.

Menina Perdida

via Fernanda de Castro by António Quadros Ferro on 6/16/10
Menina perdida
no bosque da vida.


Os olhos desertos,
os gestos errados,
os passos incertos,
os sonhos cansados.

Menina perdida,
desaparecida
nos longos caminhos
de pedras e espinhos.
Cabelos molhados,
pés nús, alma exangue,
vestidos rasgados,
mãos frias, em sangue.

Menina encontrada
na berma da estrada.
Andava perdida
mas já foi achada,
de branco vestida,
de branco calçada.

Menina perdida
no bosque da vida.

Fernanda de Castro
Poesia I (1969) pp.163-164

quinta-feira, 10 de junho de 2010

António Manuel Couto Viana (1923-2010)

Nota
António Manuel Couto Viana, um homem que comecei a admirar pela sua poesia patriótica e nacionalista quando eu tinha apenas uns 14 ou 15 anos. Após o 25 de Abril de 1974 admirei-o ainda mais por se manter integro e coerente perante todas as campanhas que lhe moveram para o silenciarem.
Há menos de três anos tive o privilégio e a suprema honra de o conhecer pessoalmente. Então, apercebi-me da sua grande humanidade e simplicidade. De admirador, tornei-me amigo e amigo para sempre.

O que resta da nossa nação acaba de perder um dos maiores vultos nacionais de todos os tempos. A nossa Pátria está muito mais pobre com a perda deste homem de letras e de virtudes. Perdeu-se também um homem que, nestes tempos de cobardia e negação da Pátria, se manteve como um homem de "H" grande.
Obrigado meu poeta e meu mestre.
Rui Moio

via Comunidades - RTP by Irene Maria F. Blayer on 6/9/10

"O escritor António Manuel Couto Viana morreu esta tarde aos 87 anos no Hospital de Santa Maria, em Lisboa."(via Público 8-6-2010).



As nossas condolências à família de António Manuel Couto Viana.


Este é um momento de forte emoção, e em homenagem a este grande poeta, escritor, dramaturgo, ensaísta, encenador e tradutor, deixamos o leitor com estes links do Público, e da Associação Portuguesa de Poetas (http://appoetas.blogs.sapo.pt/) onde se destaca referência à sua obra.
Da sua poesia saliento e transcrevo aqui este poema que António Manuel Couto Viana dedicou ao seu querido Amigo, Eduíno de Jesus. É natural que os seus amigos se sintam com os mesmos sentimentos de quem está de luto.

Ilha de São Miguel
Para Eduíno de Jesus

António Manuel Couto Viana


Vejo os romeiros da Semana Santa
Atravessando os campos plo sol-posto:
O cajado na mão; ao ombro, a manta,
E a fé em cada rosto.

Na alba do domingo, assisto
(Ainda luzem estrelas)
À missa cantada ao Senhor Santo Cristo,
Entre a pompa dos oiros, flores e velas.

À porta do Convento da Esperança,
Rezo ao banco de Antero.
A sua alma, em paz, ali descansa,
Depois do tiro do desespero.

E a paisagem bucólica,
Com lagoas de névoas e frescuras,
Melancólica,
Escorre das alturas.

Até onde o olhar se perde,
Vacas pretas e brancas
Mancham o pasto verde,
De úberes túmidos, de pesadas ancas.

Tão alvas e tão azuis, nas bermas das estradas,
As hortenses floriram os fuzis liberais,
Por serem dessas cores as bandeiras ousadas
Que iriam invadir as areias e os cais.

Enfeitam-na, também, as rosas do Japão
(Vai-lhe bem o cetim!).
E respira da boca do extinto vulcão
Hálitos de jardim.

Nas Furnas,
Arde o coração da terra.
E, das caldeiras soturnas,
Um fumo sobe, ondula e erra.

Fui ao Nordeste, um dia,
Comer cracas, beber vinho de cheiro,
Enquanto a Ilha bebia
Nevoeiro.
E porque não beber chá
(Chá chinês da Gorreana):
O Oriente que dá
Delicadeza à flora açoriana?

Beber, na estufa, até, um sumo de ananaz,
Como um sol ruivo, acre e tropical
Que ao severo da Ilha satisfaz
a sede sensual.

No sabor das bananas, que novos exotismos!
Verdes, se verdes, depois, doiradas,
Frente a espessuras, prados, abismos,
Fontes, levadas...

Ilha a emergir da espuma,
Sê sinal de salvação:
Traz-me, perdido na bruma,
El-Rei Dom Sebastião.

(20.2.08)

António Manuel Couto Viana "Sobre Eduíno de Jesus". Eduíno de Jesus: A ca(u)sa dos Açores em Lisboa - homenagem de amigos e admiradores. Eds. Onésimo T. Almeida e Leonor Simas-Almeida. Terceira: IAC, 2009. 32-33.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Cecília Meireles na Índia

via Lusofonia Horizontal by Lusofonia Horizontal on 6/6/10
Àquele lado do tempo
onde abre a rosa da aurora,
e onde mais do que a ventura
a dor é perfeita e pura,
chegaremos de mãos dadas.

Chegaremos de mãos dadas,
Tagore, ao divino mundo
em que o amor eterno mora
e onde a alma é o sonho profundo
da rosa dentro da aurora.

Assim foi expressa em verso a reverência de Cecília Meireles ao mestre, o poeta, pintor e educador indiano Rabindranath Tagore, falecido em 1941. Este era, para ela, "o portador do verbo novo, de um grande verbo de estímulo", que "guardava em sua palavra e em sua figura uma expressão de eternidade que o tornava como irreal, sem princípio nem fim, como uma bela aparição, um fantasma esplêndido".

Cecília Meireles, assim como os demais poetas espiritualistas da revista carioca Festa, desde cedo mergulharam nos estudos sobre as culturas asiáticas, em especial a da vasta civilização indiana. E sobre ela fizeram leituras em profundidade, assim como também o fará o poeta mexicano Octavio Paz, autor do extraordinário Vislumbres de la India. Mas a ênfase da "pastora de nuvens" será não na Índia unificada e majestosa refundada pelo nortenho Jalaluddin Akbar, a preferida de Paz, mas na religião-filosofia hinduísta e nas culturas do Sul e de Leste, de Madras a Calcutá, da velha Vijayanagar à Costa Coromandel.

Consta que os poemas de Cecília estão prenhes de metáforas, prosopopeias e outras figuras de linguagem inspiradas do Rig-Veda, além de referências constantes a rodas, giros, cirandas, mandalas e ao atman (partícula manifesta do Uno), enfim, a tudo que representa o circular, o permanente, imperecível e divino, em eterno contrate com o transitório, circunstancial, mundano e material. Um exemplo:

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

A dedicação de Cecília à filosofia e literatura hinduísta a levou a traduzir, de Tagore, o livro de poemas Puravi e a peça teatral O carteiro do rei. Além disso, escreveu Rabindranath Tagore and the East West Unity, publicação de 1961 da UNESCO, além de estudos sobre a pintura de Tagore, publicados na Índia. Também estudou o sânscrito. Em 1953, recebeu das mãos de Mahatma Gandhi o título de Doutor Honoris Causa, na Universidade de Nova Delhi.

No Brasil, a educadora Cecília Meireles teve papel protagônico na aplicação das teorias educacionais criadas pelo também educador Tagore, que por sua vez inspirou a criação de muitas universidades na Índia. Ela se sentia tão influenciada pelo eminente erudito indiano que julgava ser sua plagiadora. A verdade é que foi sua fiel aprendiz, e esta é uma relação de sublime cumplicidade que merece ser melhor conhecida. (Para mais detalhes, ver o artigo e as indicações do antropólogo Djalma Cavalcante publicado na Cult, nº 51, de 2001.)

sexta-feira, 4 de junho de 2010

FADO DO MARINHEIRO de Estêvão Amarante

via Gago Coutinho by costapinto on 5/19/10

O marujo criou fama.
Desde um tal Vasco da Gama
Que no mar foi o primeiro;
E o Pedro Álvares Cabral
Só foi grande em Portugal
Por ter sido marinheiro.
A lutar como um soldado,
Peito ao léu, rosto queimado,
Ao sol da terra africana,
Com a farda em desalinho,
(Foi às ordens de Mouzinho
Que deu caça ao Gungunhana !
Quando o mar era um segredo,
Os antigos tinham medo
De perder-se ou ir a pique;
Só zombavam das porcelas
As primeiras caravelas
Do Infante Dom Henrique!
Fartos já de andar nos mares,
Também vamos pelos ares
Sem temor, abrir caminho;
Pois bem sabe toda a gente
Que o marujo mais valente
É o avô Gago Coutinho!
Nessa Alcântara afamada,
O marujo anda à pancada
E arma sempre espalhafato;
É que guarda na memória
O banzé que houve na história
Do António Prior do Crato.
Quando vai p'rá Fonte Santa
E dá largas à garganta,
P'la guitarra acompanhado.
Até chora o mundo inteiro,
Porque a voz do marinheiro
É a voz do próprio Fado!…

Com o russo em Berlim

via POEMBLOG by JOSE ANTONIO LEAO RAMOS on 5/7/10

Com o russo em Berlim


Esperei (tanta espera), mas agora,
nem cansaço nem dor. Estou tranquilo,
Um dia chegarei, ponta de lança,
com o russo em Berlim.

O tempo que esperei não foi em vão.
Na rua, no telhado. Espera em casa.
No curral; na oficina:um dia entrar
com o russo em Berlim.

Minha boca fechada se crispava.
Ai tempo de ódio e mãos descompassadas.
Como lutar, sem armas, penetrando
com o russo em Berlim?

Só palavras a dar, só pensamentos
ou nem isso: calados num café,
graves, lendo o jornal. Oh, tão melhor
com o russo em Berlim.


Pois também a palavra era proibida.
As bocas não diziam. Só os olhos
no retrato, no mapa. Só os olhos
com o russo em Berlim.

Eu esperei com esperança fria,
calei meu sentimento e ele ressurge
pisado de cavalos e de rádios
com o russo em Berlim.

Eu esperei na China e em todo canto,
em Paris, em Tobruc e nas Ardenas
para chegar, de um ponto em Stalingrado,
com o russo em Berlim.

Cidades que perdi, horas queimando
na pele e na visão: meus homens mortos,
colheita devastada, que ressurge
com o russo em Berlim.

O campo, o campo, sobretudo o campo
espalhado no mundo: prisioneiros
entre cordas e moscas; desfazendo-se
com o russo em Berlim.

Nas camadas marítimas, os peixes
me devorando; e a carga se perdendo,
a carga mais preciosa: para entrar
com o russo em Berlim.

Essa batalha no ar, que me traspassa
(mas estou no cinema,e tão pequeno
e volto triste à casa; por que não
com o russo em Berlim?).

Muitos de mim saíram pelo mar.
Em mim o que é melhor está lutando.
Possa também chegar, recompensado,
com o russo em Berlim.

Mas que não pare aí. Não chega o termo.
Um vento varre o mundo, varre a vida.
Este vento que passa, irretratável,
com o russo em Berlim.

Olha a esperança à frente dos exércitos,
olha a certeza. Nunca assim tão forte.
Nós que tanto esperamos, nós a temos
com o russo em Berlim.


Uma cidade existe poderosa
a conquistar. E não cairá tão cedo.
Colar de chamas forma-se a enlaçá-la,
com o russo em Berlim.

Uma cidade atroz, ventre metálico
pernas de escravos, boca de negócio,
ajuntamento estúpido, já treme
com o russo em Berlim.

Esta cidade oculta em mil cidades,
trabalhadores do mundo, reuni-vos
para esmagá-la, vós que penetrais
com o russo em Berlim.

Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)

Mais sobre Carlos Drummond de Andrade em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade

quarta-feira, 2 de junho de 2010

o que me dói

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...
São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.
São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.


terça-feira, 1 de junho de 2010

Ilha do Corvo

Serenamente declinando,a tarde.
Sentadas alguns velhos,lado a lado,
no longo banco de pedra do largo do Outeiro,
bem junto à Casa do Divino Espírito Santo.
E eu,discreto forasteiro,começo por daudá-los,
e com eles me decido a conviver um instante,
porque é bom escutar o seu falar antigo.

Ilha pequena,por certo,- digo eu -,
(de quatrocentas almas)
porém não tão pequena
que não pudesse ter um outro povoado
algures,mais ao norte da costa oriental-
E mais ainda,coisa estranha:
Por que foram ali as casas construídas naquele extremo sul,
todas tão abraçadas,
mutuamente amparadas? -
perguntoeu depois. (...)

Norberto Ávila, In: Percurso de Poeta,2000:65

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