via Lusofonia Horizontal by Lusofonia Horizontal on 6/6/10
Àquele lado do tempoonde abre a rosa da aurora,
e onde mais do que a ventura
a dor é perfeita e pura,
chegaremos de mãos dadas.
Chegaremos de mãos dadas,
Tagore, ao divino mundo
em que o amor eterno mora
e onde a alma é o sonho profundo
da rosa dentro da aurora.
Assim foi expressa em verso a reverência de Cecília Meireles ao mestre, o poeta, pintor e educador indiano Rabindranath Tagore, falecido em 1941. Este era, para ela, "o portador do verbo novo, de um grande verbo de estímulo", que "guardava em sua palavra e em sua figura uma expressão de eternidade que o tornava como irreal, sem princípio nem fim, como uma bela aparição, um fantasma esplêndido".
Cecília Meireles, assim como os demais poetas espiritualistas da revista carioca Festa, desde cedo mergulharam nos estudos sobre as culturas asiáticas, em especial a da vasta civilização indiana. E sobre ela fizeram leituras em profundidade, assim como também o fará o poeta mexicano Octavio Paz, autor do extraordinário Vislumbres de la India. Mas a ênfase da "pastora de nuvens" será não na Índia unificada e majestosa refundada pelo nortenho Jalaluddin Akbar, a preferida de Paz, mas na religião-filosofia hinduísta e nas culturas do Sul e de Leste, de Madras a Calcutá, da velha Vijayanagar à Costa Coromandel.
Consta que os poemas de Cecília estão prenhes de metáforas, prosopopeias e outras figuras de linguagem inspiradas do Rig-Veda, além de referências constantes a rodas, giros, cirandas, mandalas e ao atman (partícula manifesta do Uno), enfim, a tudo que representa o circular, o permanente, imperecível e divino, em eterno contrate com o transitório, circunstancial, mundano e material. Um exemplo:
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
A dedicação de Cecília à filosofia e literatura hinduísta a levou a traduzir, de Tagore, o livro de poemas Puravi e a peça teatral O carteiro do rei. Além disso, escreveu Rabindranath Tagore and the East West Unity, publicação de 1961 da UNESCO, além de estudos sobre a pintura de Tagore, publicados na Índia. Também estudou o sânscrito. Em 1953, recebeu das mãos de Mahatma Gandhi o título de Doutor Honoris Causa, na Universidade de Nova Delhi.
No Brasil, a educadora Cecília Meireles teve papel protagônico na aplicação das teorias educacionais criadas pelo também educador Tagore, que por sua vez inspirou a criação de muitas universidades na Índia. Ela se sentia tão influenciada pelo eminente erudito indiano que julgava ser sua plagiadora. A verdade é que foi sua fiel aprendiz, e esta é uma relação de sublime cumplicidade que merece ser melhor conhecida. (Para mais detalhes, ver o artigo e as indicações do antropólogo Djalma Cavalcante publicado na Cult, nº 51, de 2001.)
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