sexta-feira, 30 de julho de 2010

Banho no Cubanguí

É Domingo
Tronco nu, toalha a tiracolo
Sabão macaco
Vão todos ao banho
Pr´á ponte do Cubanguí
Lá, onde 6 ou 7 já são multidão

É Domingo.
È festa! Há banho
Na ponte do Cubanguí

Todos espreitam para as águas mansas
Lá no fundo, só areia
Mais além, é escuridão
Esconderijo do jacaré

Quem se atreve?
O mais afoito
Da prancha da ponte
Atira-se de chapa
E chapinha furiosamente
Com medo do jacaré

Seguem-se os outros
Um a um
E chapinham furiosamente
Todos com medo do jacaré

Depois, julgando-se seguros
Alguns ensaboam-se num cantinho
outros chapinham furiosamente
Todos com medo do jacaré

É domingo, é festa
Há banho na ponte do Cubanguí

Alguns, em canoa de tronco de árvore grande
Descem o rio
Olham o fundo
Todos com medo do jacaré.

Rui Moio – 13Out2004

domingo, 25 de julho de 2010

Anúncio - Alda Lara

Anúncio - Alda Lara

via O Lupango da Jinha on 7/25/10 
Anúncio

Trago os olhos naufragados
em poentes cor de sangue...

Trago os braços embrulhados
numa palma bela e dura
e nos lábios a secura
dos anseios retalhados...

Enrolada nos quadris
cobras mansas que não mordem
tecem serenos abraços...
E nas mãos, presas com fitas
azagaias de brinquedo
vão-se fazendo em pedaços...

Só nos olhos naufragados
estes poentes de sangue...

Só na carne rija e quente,
este desejo de vida!...

Donde venho, ninguém sabe
e nem eu sei...

Para onde vou
diz a lei
tatuada no meu corpo...

E quando os pés abram sendas
e os braços se risquem cruzes,
quando nos olhos parados
que trazem naufragados
se entornarem novas luzes...

Ah! Quem souber,
há-de ver
que eu trago a lei
no meu corpo...

Alda Lara - Livro: Poemas

Mensagem do desassossego

Mensagem do desassossego

via Mundo Pessoa on 7/19/10

Ó grandes homens do Momento!
Ó grandes glórias a ferver
De quem a obscuridade foge!
Aproveitem sem pensamento!
Tratem da fama e do comer,
Que amanhã é dos loucos de hoje!

Gazetilha, Álvaro de Campos
In Da República (1910-1935), Fernando Pessoa, recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão, introdução e organização de Joel Serrão, Ática, 1978, p. 165.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Se um inglês ao passar me olhar com desdém

POIS BEM!

via A bem da Nação by Elos Clube de Tavira on 6/23/10
 
Afonso Lopes Vieira
1878-1946

Se um inglês ao passar me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: - Pois bem!
Se tens agora o mar e a tua esquadra ingente,
Fui eu que te ensinei a nadar, simplesmente.
Se nas Índias flutua essa bandeira inglesa,
Fui eu que t'as cedi num dote de princesa.
E para te ensinar a ser correcto já,
Coloquei-te na mão a xícara de chá...


E se for um francês que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: - Pois bem!
Recorda-te que eu tenho esta vaidade imensa
De ter sido cigarra antes da Provença.
Rabelais, o teu génio, aluno eu o ensinei
Antes de Montgolfier, um século! Voei
E do teu Imperador as águias vitoriosas
Fui eu que as depenei primeiro, e às gloriosas
O Encoberto as levou, enxotando-as no ar,
Por essa Espanha acima, até casa a coxear.


E se um Yankee for que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: - Pois bem!
Quando um dia arribei à orla da floresta,
Wilson estava nu e de penas na testa.
Olhava para mim o vermelho doutor,
- eu era então o João Fernandes Labrador...
E o rumo que seguiste a caminho da guerra
Fui eu que to marquei, descobrindo a tua terra.


Se for um Alemão que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: - Pois bem!
Eras ainda a horda e eu orgulho divino,
Tinha em veias azuis gentil sangue latino.
Siguefredo esse herói, afinal é um tenor...
Siguefredos hei mil, mas de real valor.
Os meus deuses do mar, que Valhala de Glória!
Os Nibelungos meus estão vivos na História.


Se for um Japonês que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: - Pois bem!
Vê no museu Guimet um painel que lá brilha!
Sou eu que num baixel levo a Europa à tua ilha!
Fui eu que te ensinei a dar tiros, ó raça
Belicosa do mundo e do futuro ameaça.
Fernão Mendes Zeimoto e outros da minha guarda
Foram-te pôr ao ombro a primeira espingarda.
Enfim, sob o desdém dos olhares, olho os céus;
Vejo no firmamento as estrelas de Deus,
E penso que não são oceanos, continentes,
As pérolas em monte e os diamantes ardentes,
Que em meu orgulho calmo e enorme estão fulgindo:
- São estrelas no céu que o meu olhar, subindo,
Extasiado fixou pela primeira vez...
Estrelas coroai meu sonho Português!


P.S.
A um Espanhol, claro está, nunca direi: - Pois bem !
Não concebo sequer que me olhe com desdém.

Para meu coração basta teu peito

PARA MEU CORAÇÃO...

via Sedimentos... by teca on 7/19/10

foto: internet

Para meu coração basta teu peito
para tua liberdade bastam minhas asas.
Desde minha boca chegará até o céu
o que estava dormindo sobre tua alma.

E em ti a ilusão de cada dia.
Chegas como o sereno às corolas.
Escavas o horizonte com tua ausência
Eternamente em fuga como a onda.

Eu disse que cantavas no vento
como os pinheiros e como os hastes.
Como eles és alta e taciturna.
e entristeces prontamente, como uma viagem.

Acolhedora como um velho caminho.
Te povoa ecos e vozes nostálgicas.
eu despertei e as vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam em tua alma.
 

**************

Para mi corazón basta tu pecho,
para tu libertad bastan mis alas.
Desde mi boca llegará hasta el cielo
lo que estaba dormido sobre tu alma.

Es en ti la ilusión de cada día.
Llegas como el rocío a las corolas.
Socavas el horizonte con tu ausencia.
Eternamente en fuga como la ola.

He dicho que cantabas en el viento
como los pinos y como los mástiles.
Como ellos eres alta y taciturna.
y entristeces de pronto, como un viaje.

Acogedora como un viejo camino.
Te pueblan ecos y voces nostálgicas.
yo desperté y a veces emigran y huyen
pájaros que dormían en tu alma. 

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Kicóla!

Kicóla!

via Angola: os poetas by kinaxixi on 7/18/10

Nesta pequena cidade,
vi uma certa donzella
que muito tinha de bella,
de fada, huri e deidade –



a quem disse:- "minha q'rida,
peço um beijo por favor;
bem sabes, oh meu amor,~
q'eu por ti daria a vida!"



- nquâmi-âmi, ngua – iame
"não quero caro senhor"
disse sem mudar de cor;
- macûto, quangandall'ami.
"não creio no seu amor".
eu querendo-a convencer,
- muámôno!? – "querem ver!?"
exclamou a minha flor,
- "o que t'assombra donzella
n'esta minha confissão?"
tornei com muita paixão.



olhando sério pr'ella –
- "não é dado" – continuei –
"o que se sente dizer?!...
sem ti não posso viver;
só contigo f'liz serei."
- kiri ki amonequê,
"ninguém a verdade falla"
ósso a kua-macuto – âla!
"toda a gente falsa é!"
emé, ngana, nguixicána,
"aceitar não sou capaz"
o maca mé ma dilage,
" a sua falla que engana!"
- oh! q'rida não há motivo
para descreres de todos;
cada qual tem seus modos,
eu a enganar não vivo
- eie ngana úarimûca,
"o senhor é muito esperto"
queria dizer, decerto;
uzuêla câlá úa cûca!



"falla como homem d'edade!

domingo, 18 de julho de 2010

Sinos de Goa

Para o Adolfo Lizón

De longe, muito de longe, ao longe
Oiço tanger os sinos de Goa!
Quais sinos? De quem soam?!...
Por quem soam?!...

Chove! Chove em Goa e na Igreja do Apóstolo.
E chove pelos caminhos
Quem caminham para lá.

As palmeiras, nos palmares, dobram com a chuva.
E os rios, nos leitos, alargaram com a chuva.
E chove. Chove. Não pára de chover,
Como se a chuva fosse só prenúncio
Das lágrimas futuras…

E o sino, por quem tange?
Por quem tange?
Por quem soa?
- Ó portugueses, ó dramáticos sinos de Goa!

Goa, 11 de Julho de 1961
Fonte: livro "Não posso Dizer Adeus Às Armas", Págs. 34 e 35 de Amândio César

Ruínas

Da passada, longínqua grandeza
Resta de pé
O rendilhado, esburacado pórtico mourisco
Do Palácio da Fortaleza.

Palmeiras, longe, acenam
Aos presentes
Goa perene de tristeza…

Como a têmpera dos homens,
O palácio foi ruindo
Até que de todo ruiu:
Ficou o rendilhado do pórtico
Que ao tempo antigo fugiu.

Explendor, timbre real,
A morte tudo levou:
Ficou o desgarrado pórtico
Que doutro tempo sobrou!

E quem um dia aqui passe,
Se acaso ainda existir
Esta ruína passada,
Por certo há-de sofrer
Por certo há-de sentir
Sua boca amordaçada.

Palácio da Fortaleza!...
Reduzido
A uma porta arruinada!

Fonte: livro "Não Posso Dizer Adeus Às Armas", Págs. 32 e 33 de Amândio César

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Arco dos vice-reis

Para o Jorge Cid Proença
  
Senhor Dom Vasco da Gama!
Pelo arco de granito onde tu estás
Passei reverente e abismado
Olhando o futuro do passado!

Lembrei-me do Poeta que te adivinhou
E não te viu,
Mas que te pressentiu
Em mármore taqlhado.

Júlio Simão te desenhou
E fez.
Ontem e hoje,
Abandonado,
E triste
No descampado,
És o Arco do Triunfo português.

Fonte: Livro “Não Posso Dizer Adeus Às Armas” de Amândio César, págs. 28 e 29.

Os mortos perguntam

via Angola: os poetas by kinaxixi on 7/13/10

Nos rumos perdidos dos ventos trocados,
todos os rumos,
nos fumos das piras dos mortos cremados,
todos os fumos,
de todas as piras...
nas iras dos mares
que beberam sangue
todas as iras...
na ânsia enlutada de todos os lares
vazios de esperança
todas as ânsias
de todos os lares...
nos sexos sangrentos das virgens violadas
os farrapos
a sangrar
de todos os sonhos que homens sonharam
e homens violaram...
em todas as dores dos vivos da terra
todas as dores dos mortos da guerra...
e os rumos perdidos
e os corpos ardidos,
e as iras inúteis,
e as ânsias caladas,
e os sonhos, sujos como vidas de virgens violadas,
e todas as dores
de todos os mortos que a guerra matou,
e todos os lutos
de todos os vivos
que a guerra enlutou,
perguntam,
perguntam,
perguntam
a todos os ventos
a todos os mares
às roupas de luto de todos os lares,
se valeu a pena...
... os mortos perguntam...
mas os ventos trocam-se,
o mar não serena,
as viúvas continuam a chorar,
e os mortos não param de perguntar
se valeu a pena...
... mas a esperança é longa
e bela de agarrar no fundo dos martírios...
os mortos perguntam,
os mortos protestam...
... irmãos, os braços são magros,
mas longos,
longos da ânsia de querer...
...a pergunta é grande e a força é pequena,
mas só nós podemos, irmãos, responder,
se valeu a pena...

És pequenina e ris... A boca breve


via Sedimentos... by teca on 7/10/10
És pequenina e ris...A boca breve
É um pequeno idílio cor-de-rosa...
Haste de lírio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!
Doce quimera que nossa alma deve
Ao céu que assim te fez tão graciosa!

Palácio do Hidalcão!

Palácio do Hidalcão!
Vazio de corpos e almas,
Os Vice-Reis já lá não estão.
Foram levados nos caixilhos dourados,
Foram dispersos nas telas restauradas,
Foram banidos, sem gala, da sala de recepção!
Palácio do Hidalcão!

As tábuas de sândalo chorarão monções
Nos maviosos móveis criminosos
Daqueles que as arrancaram,
As roubaram por despojos
Das suas ocultas ambições.
Palácio do Hidalcão!

Vazio, lúgubre e sombrio,
Testemunha de sofrimentos, choros e suores,
Talvez um dia longe, muito longe,
A luz do sol doire as entradas pobres
Por onde entrarão os teus senhores,
Palácio do Hidalcão!

Agora… o tempo que faz é outro,
E outra a vida diferente.
Fantasmas escorrem de tuas paredes
Pedindo aos céus, aos oceanos, às gaivotas,
Que levem saudades de outros tempos,
De outros senhores capitães-generais,
De outra gente…
Palácio do Hidalcão!
Chaga rasgada ao pé do coração!

Fonte: Livro "Não Posso Dizer Adeus Às Armas" de Amândio César, Págs. 81 e 82

terça-feira, 6 de julho de 2010

DEIXA ACONTECER

via Sedimentos... by teca on 7/5/10
foto: internet

Ah, não tente explicar
Nem se desculpar
Nem tente esconder
Se vem do coração
Não tem jeito, não
Deixa acontecer

O amor é essa força incontida
Desarruma a cama e a vida
Nos fere, maltrata e seduz
É feito uma estrela cadente
Que risca o caminho da gente
Nos enche de força e de luz

Vai debochar da dor
Sem nenhum pudor
Nem medo qualquer
Ah, sendo por amor
Seja como for
E o que Deus quiser

Vinícius de Morais/Toquinho

domingo, 4 de julho de 2010

No teu colo

via Escritas da Alma by Helô Strega on 7/3/10

O teu colo é o meu lugar.
É nele que a menina vira mulher,
que o riso vira suspiro,
que a brincadeira vira coisa séria,
e que as palavras se transformam em gemidos.
É nele que a linguagem
passa a se chama: tesão.

No teu colo eu aprendo
uma outra forma de comunicação.
Nele a gente inventa uma outra língua:
aprimoram-se
as formas de comunicação.

Helô na Janela

via Escritas da Alma by Helô Strega on 7/3/10

sábado, 3 de julho de 2010

Como uma onda

via Sedimentos... by teca on 7/1/10


Como Uma Onda Lulu Santos / Nelson Motta

Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa
Tudo sempre passará
A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo
No mundo
Não adianta fugir
Nem mentir
Pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar

SAUDADE...

via Sedimentos... by teca on 6/30/10

foto: internet

Saudade é um pouco como fome.
Só passa quando se come a presença.
Mas às vezes a saudade é tão profunda
que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda.
Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira
é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Houve um tempo em que minha janela se abria

via Meu universo de Felicidade by ...MEU UNIVERSO DE FELICIDADE on 6/30/10
Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

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