sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Poesia exploratória a você


Quem alisa meus cabelos?
Quem me tira o paletó?
Quem, à noite, antes do sono,
acarinha meu corpo cansado?
Quem cuida da minha roupa?
Quem me vê sempre nos sonhos?
Quem pensa que sou o rei desta pobre criação?
Quem nunca se aborrece de ouvir minha voz?
Quem paga meu cinema, seja de dia ou de noite?
Quem calça meus sapatos e acha meus pés tão lindos?
Eu mesmo.

Fonte: Pensador.info, Textos de Millôr Fernandes

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Poesia Matemática


Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.

Fonte: Pensador.info, Textos de Millôr Fernandes

sábado, 22 de dezembro de 2012

DA MINHA CASA VEJO SEMPRE O MAR


Eu Português me confesso,
Onde me possa encontrar,
Onde a Língua que professo,
Língua de comunicar
Dinamiza o meu progresso,
Constância de muito amar.
Da minha Casa vejo sempre o mar!
E meus olhos vassouraram
O inϐinito do azul,
Logo encontram continentes,
À partida para o sul.
Onde vivem outras gentes,
Que pusemos a falar
Língua de comunicar.
Das suas “casas” viram sempre o mar.
O mar que fora o caminho,
Inϐinito a descobrir,
Os continentes do mundo,
Que não eram conhecidos
E que ϐicaram providos
De um saber bem mais profundo.
O novo mar fora abrir,
Com a língua a alavancar
“Casas do mundo” dispersas,
Donde se vê sempre o mar,
Nas condições mais adversas,
Dominando os mares oceanos,
Com a língua portuguesa
A ser traço de união,
A “creolar”, em beleza,
Uma nova erudição.
Passaram centenas de anos,
Mas a raiz persistiu -
Oceanos baptizados,
Continentes descobertos,
Céus com mais estrelas, abertos,
E tudo o mais que se viu.
Tantos caminhos andados,
Porque a Língua o permitiu.
No construir, no gerar
Das minhas “casas de então”
Das de agora, por que não?
Donde se vê sempre o Mar,
Que não se pode olvidar,
Por que traço de união.

23.11.2012
Fonte: Boletim Informativo - Sociedade Histórica da Independência de Portugal, nº. 312 
Ano XXVIII Novembro 2012

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A Terra Prometida


Poder dormir
Poder morar
Poder sair
Poder chegar
Poder viver
Bem devagar
E depois de partir poder voltar
E dizer: este aqui é o meu lugar
E poder assistir ao entardecer
E saber que vai ver o sol raiar
E ter amor e dar amor
E receber amor até não poder mais
E sem querer nenhum poder
Poder viver feliz pra se morrer em paz.

Fonte: Blogue "Sedimentos...", post de 01Dez2012

sábado, 15 de dezembro de 2012

Serra dos Macópios

Serra dos Macópios,
Colina por mim chamada
Mistério no miradouro ao alto
Caminho ou descaminho
De pedras de granito ponteagudas
Com lagartos barulhentos
Mexidos e amedrontadores
De pescoços cheios e vermelhos
A gritarem zangados

Ao cimo uns pilares caiados de branca cal
Talvez uma coberta em esqueleto
Ar abandonado e só
Mistério na fundação

Ali fui em brincadeira
Várias vezes
Era uma aventura
Aqueles lagartos feios e barulhentos
Aqueles barulhos de mato…
Que apareciam de todos os cantos
Aqueles pedregulhos cinzentos
E, em volta, ninguém
Mato, uma sanzala do outro lado.

Ao nascente
Era a avenida das laranjeiras
A casa do velho Primo
Por trás da escola, o comboio
Que passa devagar
O jardim, o parque
Com as árvores grandes
Com o tanque da horta
Onde furtivamente se tomava banho

Mais além a mulola
De ruído tão forte
Que mais parecia uma tempestade
Que trazia do alto paredão da Chela
Pedregulhos, calhaus
E outros perigos imaginados.

Poema realizado às 11h00 no cadeirão preto localizado no hall de entrada para o grande auditório da Culturgest em Lisboa.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Por tantas vezes ter ido à "Severa"


Por tantas vezes ter ido à "Severa"
Eu, que era simplesmente um locutor
Sinto-me agora, embora muito bera,
Do fado, um terrível cantador.

E quando p'ra cova fôr por destino,
Em "squife" bizarro vou nesse dia,
Irei num caixão super-heterodino
Do feito duma telefonia.

À cabeceira a servir d' almofada
Levarei um transmissor d'onda curta!
Co'á voz feita em pó, cinza, terra e nada
Ninguém a ouvir-me, creio, se furta.

E então, lá de longínquas paragens
Eu vos falarei nas noites de inverno
Fazendo divertidas reportagens...
Só não sei se do Céu... se do Inferno!

Letra de Fernando Pessa com música do Fado Marceneiro
Fonte: Fernando Pessa 1902-2002 Jornalista, Lisboa-Abril-2005.
Publicação da Câmara Municipal de Lisboa - Comissão Municipal de Toponímia.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Meu Pai

Três de Setembro de 1918
No quilómetro cento e tal
Filho terceiro de um casal pobre
Cercado de mato
Sem queixas de incomodidades
Um bébé nascia

Órfão de mãe quase à partida
Mãe Josefa
Que nunca soubemos d’ onde viera
De Pernambuco, Talvez!
D´onde se apartara
Para que não se sentisse estrangeira
Em terra própria

Órfão de pai aos onze anos
Fez-se criança de pé descalço
Cresce com mamã negra e de panos
Nos anexos da casa do pai defundo

Seu pai, um número
Na estatística de Paiva Couceiro
Fora obreiro-construtor do Caminho de Ferro de Moçâmedes

Adolescente trabalhador
Carpinteiro e barbeiro
Estudante por vontade própria
Inicia carreira de sertanejo
Com 19 anos apenas

Casa com jovem
De família importante com palmarés de mato
Cria três filhos
Paga instrução a quase dois mil quilómetros de distância
E quinze dias de viagem
Por estradas do fim-do-mundo

De tipóia, a pé, a cavalo, de bicicleta…
Percorre caminhos gentílicos e novos

Fez carreira de tarimbeiro
Por todo o mato de Angola

Tornou-se pessoa importante
Discursava em reuniões
De pretos e de brancos
Continentava a bandeira da Pátria una
Este construtor de pontes e de estradas
Este que fez de ambulância
Este que foi empreendedor para outros
Do negócio da touqueia
Este “Pai de pretos” como o tratavam

O cidadão de segunda de província distante
Fazia Império
E dava sentido de vida ás populações
Serviu a Pátria una
E a Pátria africana
Com pioneira angolanidade
Orientou a defesa
Ajudou as populações
Contra a guerra que vinha de fora

Recebido em festa
Por multidões agradecidas
Que abriam alas
Com niquiches e batucadas
Cantares e palmas

êêiaaiô, êêiaaiô
amistadôl aiêtu uápossoca uápandula

e em coro frenético e ritmado
todos cantavam

amistadôl aiêtu uápossoca uápandula
amistadôl aiêtu uápossoca uápandula

O corpo cansou-se
De anos de esforço insano
E cedo tombou

No funeral
Na secular Igreja do Carmo
Houve missa com igreja cheia

No cemitério
Milhares de pretos e brancos o acompanharam
E dezenas de mamãs negras de preto o choraram.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Prefa(s)cio-II - TERÇA-FEIRA, MARÇO 28, 2006

TERÇA-FEIRA, MARÇO 28, 2006

Rodrigo Emílio
Passam hoje dois anos sobre a morte do poeta.

Prefa(s)cio-II

De entre todos os motivos
porque sulco os loucos trilhos
de extermínio
em que me abismo,

sobressaem, sempre vivos:

os meus livros,
os meus filhos
e o fascínio
do fascismo.

Rodrigo Emílio
PUBLICADA POR RODRIGO N.P. ÀS 3/28/2006

Fonte: Blogue "Batalha Final" - post de 28Mar2006http://batalhafinal.blogspot.com/2006/03/rodrigo-emlio.html

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Mãe


Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

Miguel Torga, in 'Diário IV'

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Sorriso Audível das Folhas

A Teca, proprietária do blogue "Sedimentos", mais uma vez nos surpreende com uma harmoniosa combinação de poesia e imagem: o poema "Sorriso Audível das Folhas" de Fernando Pessoa e o campo vermelho de papoilas. 
Um dia, também eu me surpreendi com um campo vermelho de papoilas e também tirei uma fotografia; e isso foi em Vendas Novas num terreno baldio pegado a uma antiga vivenda perto da estação dos caminhos de ferro onde por décadas viveu e criou família um meu tio-avô.
Rui Moio

foto: amapolas - presente do amigo ANTONIO CAMPILLO

Não és mais que a brisa ali
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir ri.

Ri e olha de repente
Para fins de não olhar
Para onde nas folhas sente
O som do vento a passar
Tudo é vento e disfarçar.

Mas o olhar, de estar olhando 
Onde não olha, voltou 
E estamos os dois falando 
O que se não conversou 
Isto acaba ou começou? 

terça-feira, 20 de novembro de 2012

BIBALA


No sopé da serra da chela
Uma linda Vila surgiu!...
Bibala, és a mais bela,
Do Império que se partiu.

Mangueiras grandes em flor,
Fruta da mais variada.
Terra com tamanho sabor,
Só em Angola se achava.

Pertinho do céu se encontrava,
As gentes que lá vivia!...
E a linda terra que amava…

Lugar onde o Sol mais brilhava,
E com o grande calor que fazia,
A maldade lá não entrava.

Fonte: Blogue "Querer e não poder", post de 28Ago2011.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

QUIETUDE

foto: internet

E então ficamos os dois em silêncio,
tão quietos como dois pássaros na sombra,
recolhidos ao mesmo ninho,
como dois caminhos na noite,
dois caminhos que se juntam num mesmo caminho...
Já não ouso... já não coras...
E o silêncio é tão nosso,
e a quietude tamanha que qualquer palavra bateria estranha como um viajante,
altas horas...
Nada há mais a dizer,
depois que as próprias mãos silenciaram seus carinhos...
Estamos um no outro como se estivéssemos sozinhos...

Fonte: Blogue "Sedimentos", post de 03Jul2012.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Daddy


You do not do, you do not do Any more, black shoe In which I have lived like a foot For thirty years, poor and white, Barely daring to breathe or Achoo. Daddy, I have had to kill you. You died before I had time-- Marble-heavy, a bag full of God, Ghastly statue with one gray toe Big as a Frisco seal And a head in the freakish Atlantic Where it pours bean green over blue In the waters off beautiful Nauset. I used to pray to recover you. Ach, du. In the German tongue, in the Polish town Scraped flat by the roller Of wars, wars, wars. But the name of the town is common. My Polack friend Says there are a dozen or two. So I never could tell where you Put your foot, your root, I never could talk to you. The tongue stuck in my jaw. It stuck in a barb wire snare. Ich, ich, ich, ich, I could hardly speak. I thought every German was you. And the language obscene An engine, an engine Chuffing me off like a Jew. A Jew to Dachau, Auschwitz, Belsen. I began to talk like a Jew. I think I may well be a Jew. The snows of the Tyrol, the clear beer of Vienna Are not very pure or true. With my gipsy ancestress and my weird luck And my Taroc pack and my Taroc pack I may be a bit of a Jew. I have always been scared of you, With your Luftwaffe, your gobbledygoo. And your neat mustache And your Aryan eye, bright blue. Panzer-man, panzer-man, O You-- Not God but a swastika So black no sky could squeak through. Every woman adores a Fascist, The boot in the face, the brute Brute heart of a brute like you. You stand at the blackboard, daddy, In the picture I have of you, A cleft in your chin instead of your foot But no less a devil for that, no not Any less the black man who Bit my pretty red heart in two. I was ten when they buried you. At twenty I tried to die And get back, back, back to you. I thought even the bones would do. But they pulled me out of the sack, And they stuck me together with glue. And then I knew what to do. I made a model of you, A man in black with a Meinkampf look And a love of the rack and the screw. And I said I do, I do. So daddy, I'm finally through. The black telephone's off at the root, The voices just can't worm through. If I've killed one man, I've killed two-- The vampire who said he was you And drank my blood for a year, Seven years, if you want to know. Daddy, you can lie back now. There's a stake in your fat black heart And the villagers never liked you. They are dancing and stamping on you. They always knew it was you. Daddy, daddy, you bastard, I'm through.
Fonte. Site "Internal.org" poets/Sylvia_Path

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

VERSOS A UMA ÁRVORE

foto: internet

Naquela árvore vejo o meu próprio destino: 
- brota da terra, cresce, reverdece e enflora! 

ontem, 

- pequeno arbusto humilde e pequenino, 
tronco a elevar-se altivo pelo espaço, - 

agora... 

Naquela árvore vejo a minha própria vida, 
veio do mesmo pó de onde todos brotamos, 
e no esforço da luta 
e na ânsia da subida 
desconjuntou seus galhos... 
retorceu seus ramos! ... 

Em mim, 
o homem rasgou minha alma 
e a encheu talvez de feridas mortais e eternas cicatrizes nela, 
- o tronco marcou, quebrou seus ramos, 
fez talhos por onde foge a seiva das raízes... 

Naquela árvore humana um destino se encerra: 
para viver: - lutou! ... para subir: - sofreu!... 
E transformou em flor e em fruto o húmus da terra, 
e indiferente, ao mundo, os ofertou como eu! 
Se se cobriu de folhas, 
de botões surgidos à flor da fronde assim como pingos de aurora, 
- por dentro, os galhos tortos, rudes, retorcidos, 
são as ânsias de dor que ninguém vê por fora... 

Por consolo, - quem sabe? 
- a Natureza deu ao peito de alguns homens coração de poeta, 
assim como as ramagens do arvoredo, 
encheu com a música das aves, gorjeante e inquieta... 

Naquela árvore, 
vejo a minha própria vida; 
no ser: - a mesma seiva bruta e dolorida; 
na face: - a fronde em flor sob a luz e os orvalhos... 
E o seu consolo e o meu, e o consolo da gente, 
são os pássaros a encher de sons alegremente as dores e as torturas íntimas dos galhos!

Fonte: Sedimentos, post de 27Jun2010

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O TEMPO PASSA? NÃO PASSA

foto: internet

O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.

O tempo nos aproxima

cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.

Não há tempo consumido

nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.

O meu tempo e o teu, amada,

transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.

São mitos de calendário

tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer a toda hora.

E nosso amor, que brotou

do tempo, não tem idade,
pois só quem ama escutou
o apelo da eternidade.


Carlos Drummond de Andrade


Fonte: Sedimentos, post de 23Jul2012.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Bandeira

Somos um povo à parte
desprezado
incompreendido
um povo que lutou e foi vencido.

por isso em meu canto de fé,
clamo e proponho, negro,
que a nossa bandeira
seja um pano negro,
negro da cor da noite sem luar...

sobre essa escuridão de luto e de pesar,
da cor da nossa cor,
escreve, irmão,
com a tua mão rude e vacilante
- mas forte
a palavra-força:

                         união!

traça depois, teimosamente
estas palavras basilares,
edificantes:

                  trabalho, instrução, educação. 


e com letras de ouro,
esplêndidas,
(a mão, mais firme já)
escreve, negro,


                          civilização, progresso, riqueza.

em caracteres róseos
esboça comovido
a palavra-chave da vida:

                                    amor!

com letras brancas
desenha com amor
a palavra sublime:

                                      paz!

a seguir
a vermelho-vivo
a vermelho-sangue,
com tinta feita de negros corpos desfeitos,
em lutas que vamos travar,
a vermelho-vivo,
cor do nosso sangue amassado
e misturado com lágrimas de sangue,
lágrimas por escravos choradas,
escreve, negro, firme e confiante,
com letras todas maiúsculas,
a palavra suprema
(ideal eterno,
nobre ideal
da humanidade atribulada,
que por ela vem lutando
e por ela vem sofrendo)
escreve, negro,
escreve, irmão,
a palavra suprema:

                              LIBERDADE

à volta dessas palavras-alavancas
semeia estrelas às mãos cheias
todas rútilas
todas de primeira grandeza,
estrelas belas da nossa esperança
estrelas lindas da nossa fé
estrelas que serão certeza na nossa BANDEIRA.


terça-feira, 30 de outubro de 2012

Saudades de um valdevinos

Oh que saudade, Deus meu, que saudade
da minha juventude e dos amores que vivi,
que me abalam o coração se ainda penso em ti,
e em todas que amei. Deus meu, que saudade...

Que saudade dessa vida plena, alegre, e divertida,
dos Diabos do Rítmo, das serenatas, e churrascadas
em noites de luar... das capoeiras todas depenadas.
Ai que saudade, Deus meu, que belos tempos da vida...

Tempos, sem doenças, nem dores, que já vão longe,
entre parentes e malta amiga, louca e desavergonhada,
que nas ruas da Cidade mostrava uma alegria danada...

Tempos de férias de verão, sem Liceu nem Maconge,
só de suspiros e cantos d'amor até ao clarear da madrugada,
ao acordar na Praia com o calor do Sol e a pele queimada ...

NECO (Mangericão) - 
19.05.2009

Fonte: Blogue "Gente do meu tempo", post de 3/Abr/2010

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

He andado muchos caminos

He andado muchos caminos
he abierto muchas veredas;
he navegado en cien mares
y atracado en cien riberas.

En todas partes he visto
caravanas de tristeza,
soberbios y melancólicos
borrachos de sombra negra.

Y pedantones al paño
que miran, callan y piensan
que saben, porque no beben
el vino de las tabernas.

Mala gente que camina
y va apestando la tierra...

Y en todas partes he visto
gentes que danzan o juegan,
cuando pueden, y laboran
sus cuatro palmos de tierra.

Nunca, si llegan a un sitio
preguntan a donde llegan.
Cuando caminan, cabalgan
a lomos de mula vieja.

Y no conocen la prisa
ni aún en los días de fiesta.
Donde hay vino, beben vino,
donde no hay vino, agua fresca.

Son buenas gentes que viven,
laboran, pasan y sueñan,
y un día como tantos,
descansan bajo la tierra.

Fonte: Repórter das Coisas - post de29Fev2008

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Poema TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL

João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro
da Babiblónia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar  Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Fonte: Antologia Manuel Bandeira, Relóbio d'Água, Março de 2006, Pág. 114

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Canção da Primavera


Primavera, Ilustração Marie Cramer.-

Mário Quintana (Para Érico Veríssimo)
-
Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.
 -
Catavento enloqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.
 -
Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos,
Dancemos todos até
-
Não mais saber-se o motivo…
Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!
-
Em: Canções, de Mario Quintana, Rio de Janeiro, Globo: 1946
Fonte: Blogue "Peregrinacultural's Weblog", post de 07Out2012

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Minha Aldeia


Vista parcial de Ouro Preto, s/d
Mário Agostinelli (Peru 1915 – Brasil, 2000).
óleo sobre tela colada em madeira, 47 x 56 cm

Minha aldeia

Minha aldeia é todo o mundo.
Todo o mundo me pertence.
Aqui me encontro e confundo
com gente de todo o mundo
que a todo o mundo pertence.
-
Bate o sol na minha aldeia
com várias inclinações.
Ângulo novo, nova ideia;
outros graus, outras razões.
Que os homens da minha aldeia
são centenas de milhões.
-
Os homens da minha aldeia
divergem por natureza.
O mesmo sonho os separa,
a mesma fria certeza
os afasta e desempara,
rumorejante seara
onde se odeia em beleza.
-
Os homens da minha aldeia
formigam raivosamente
com os pés colados ao chão.
Nessa prisão permanente
cada qual é seu irmão.
Valências de fora e dentro
ligam tudo ao mesmo centro
numa inquebrável cadeia.
Longas raízes que imergem,
todos os homens convergem
no centro da minha aldeia.
-
Em: Poesias completas (1956-1967), coleção Poetas de hoje, Lisboa, Portugália:s/d
-
Fonte: Blogue "Peregrinacultural'S Weblog, post de 18Out2012.

domingo, 14 de outubro de 2012

Quadrinha do aluno confuso


-
Pergunta a mestra ao menino,

aluno meio confuso:
- a porca… tem masculino?
- tem, ‘fessora… o pafuso! Fonte

Fonte: Blogue "Peregrinacultural's weblog", post de 03Out2012

domingo, 7 de outubro de 2012

Balada ditirâmbica do pequeno e do grande filho-da-puta


O pequeno filho-da-puta
é sempre
um pequeno filho-da-puta;
mas não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho-da-puta.

no entanto, há
filhos-da-puta que nascem
grandes e filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho-da-puta.
de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos
palmos,diz ainda
o pequeno filho-da-puta.

o pequeno
filho-da-puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno
filho-da-puta.

no entanto,
o pequeno filho-da-puta
tem orgulho
em ser
o pequeno filho-da-puta.
todos os grandes
filhos-da-puta
são reproduções em
ponto grande
do pequeno
filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

dentro do
pequeno filho-da-puta
estão em ideia
todos os grandes filhos-da-puta,
diz o
pequeno filho-da-puta.
tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

o pequeno filho-da-puta
foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem
e semelhança,
diz o pequeno filho-da-puta.

é o pequeno filho-da-puta
que dá ao grande
tudo aquilo de que
ele precisa
para ser o grande filho-da-puta,
diz o
pequeno filho-da-puta.
de resto,
o pequeno filho-da-puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho-da-puta:
o pequeno filho-da-puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja,
o pequeno filho-da-puta.

II
o grande filho-da-puta
também em certos casos começa
por ser
um pequeno filho-da-puta,
e não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não possa
vir a ser
um grande filho-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.

no entanto,
há filhos-da-puta
que já nascem grandes
e filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o grande filho-da-puta.

de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos
palmos, diz ainda
o grande filho-da-puta.

o grande filho-da-puta
tem uma grande
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o grande filho-da-puta.

por isso
o grande filho-da-puta
tem orgulho em ser
o grande filho-da-puta.

todos
os pequenos filhos-da-puta
são reproduções em
ponto pequeno
do grande filho-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.
dentro do
grande filho-da-puta
estão em ideia
todos os
pequenos filhos-da-puta,
diz o
grande filho-da-puta.

tudo o que é bom
para o grande
não pode
deixar de ser igualmente bom
para os pequenos filhos-da-puta,
diz
o grande filho-da-puta.

o grande filho-da-puta
foi concebido
pelo grande senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o grande filho-da-puta.

é o grande filho-da-puta
que dá ao pequeno
tudo aquilo de que ele
precisa para ser
o pequeno filho-da-puta,
diz o
grande filho-da-puta.
de resto,
o grande filho-da-puta
vê com bons olhos
a multiplicação
do pequeno filho-da-puta:
o grande filho-da-puta
o grande senhor
Santo e Senha
Símbolo Supremo
ou seja,
o grande filho-da-puta.

Alberto Pimenta


Alberto Pimenta no Jardim Zoológico de Lisboa em 1977, durante uma performance/happening intitulada Homo Sapiens
Fonte. Blogue "A Matéria do Tempo", post de 06Out2012

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

VIETNAMITAS UM POEMA PARA CONTAR

VIETNAMITAS UM POEMA PARA CONTAR:


Diz-se que recordar é viver
e é certo que assim é
Alegrias e tristezas, tudo porém trás,
quem viu e assitiu
a essa onda de gente a Macau aportar
Seu coração se oprimiu
na esperança de os ajudar!...
Foi assim, que certa manhã
um telefonema recebi,
era o Padre Nicósia a comunicar
que perto da Leprosaria de Ká Ho
pessoas estavam a desembarcar
Sóinho para lá segui
e ao ver aquela gente
meu coração chorou!...
Homens, mulheres e crianças
acabados de chegar
num barco que ao mar os deitou,
eram vietnamitas e à costa vieram dar.
Foi o começo de um longo exôdo.
Pela primeira vez vietnamitas
a Macau vieram parar
um grupo de vinte e três
antigas patentes militares e famílias
O Governo de Macau ajudou,
para outros países enviar,
dezenas, centenas e até milhares
das embarcações
que a Macau vieram aportar
Era tanta, tanta gente,
que não havia mais lugar
para as alojar.
Ilha Verde estava cheia
S. Rafael a abarrotar,
em Ká Ho barracas cheias
sem espaço para as albergar
A tudo isto a ONU e seu Alto Comissário
em Macau, Padre Lancelote
tudo fazim para ajudar
Outros locais se procuraram
para vietnamitas alojar,
mas eram tantos, tantos, tantos
que no mar, junto à ponte cais  da Taipa
tiveram que ficar!...
Foram anos de auxílio,
a esse povo carente
e Macau económicamente se resentiu
visto ter que igualmente sua população ajudar,
que pagando suportava esse povo carente
sendo um auxílio exemplar.
Mas, um dia chegou,
que o Governo decretou
Esse auxílio terminar,
foi então que recusou
vietnamitas a ficar.
Novas levas vinham chegando
para em Macau tentar ficar,
porém, agora era diferente
e toda essa pobre gente
para o alto mar teria que rumar.
Tivemos que começar
essa triste missão
rebocando os barcos para o alto mar
com tristeza no coração
Tristes porém partiam,
vedetas que os acompanhavam
água, gasóleo e comida lhes davam
e, devagar os rebocando
as serenas águas iam sulcando
até às próximidades de Hong Kong chegar.
Barcos pequenos e grandes,
sampanas e alcofas tudo servia
para do Vietname sair
A fim de a liberdade encontrar
pagavam a peso de ouro
para as autoridades subornar
No alto mar eram roubados
e de tudo despojados,
muitos haviam de morrer,
nas costas da Malásia metralhados
Para chegarem ao destino,
muito tiveram que penar,
foram centenas de milhares
que conseguiram sobreviver
e a Macau aportar
Terra Santa acolhedora
que sempre os soube ajudar
Tragédias muitas houvera,
e muito teria que contar!...
mas, um dia tudo mudou
Não mais Vietnamitas em Macau
Hong Kong passou a ser
o cento principal
e anos passaram em campos de refugiados
aguardando seu retorno, para o Vietname
No Museu Marítimo de Macau
frageis embarcações podemos visionar
e muitas delas tem a sua história para contar.

Fonte: Blogue "O Mar do Poeta", post de 01Out2012.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Bailundos


por esses longos caminhos
os desertos povoando,
passam negras comitivas
de bailundos...

descalços como jesus,
e os seus corpos mal cobertos,
são negras sombras na sombra,
que se eleva escuramente,
sem um carinho de luz.

a noite é um borrão de tinta preta!

mas a triste comitiva
pisando bem o caminho,
- estreito por ser tão longo
como a vida dessas gentes,
vai seguindo o seu destino
cantarolando nocturnos,
de baladas inocentes.

e quando o sol acordar
em seu berço oriental
as comitivas andando,
por carpetes de capim,
que eu não sei onde vão dar,
que eu não sei se têm fim,
vencendo, altivamente, a luta forte
desta vida de ilusão
procuram inutilmente,
mais longe, sempre mais longe,
a terra da promissão.

... ó mensageiros tristes da saudade
que trago dentro de mim:
esse caminho é eterno
e a minha dor não tem fim!

haveis de caminhar, sempre caminhar
que nunca terá fim o vosso inferno!

- não existe humanidade
e o mundo foi sempre assim!

Fonte: Blogue "Angoa: os poetas", post de 07Set2012.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Saudação à Nespereira da Achada

Eu te saúdo, tecedeira de sombras,
Eu te saúdo, fazedora de caroço
De polpa pouca e casca rija
Eu te saúdo, folhagem de fuligem
Com muito nervo e nervura
Eu te saúdo espectadora
Ligeiramente curvada
Sobre as obras dos homens
E do homem que aqui nos junta
Em escuta e luta.

Eu te saúdo, corpo sem origem,
Que em sua fraca figura
Não busca aplauso na
Pausa.
Eu te saúdo, lugar de raiz,
Onde os filhos se confundem
E malham no ferro frio das manhãs
Por vezes também no corpo
Enquanto está quente.

Fonte: Casa da Achada

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Cântico a Cabo Verde


quem foi que semeou estes pedaços
de áfrica no mar?
alguém que desejou fundir áfrica e europa
no mesmo sonho, no mesmo abraço,
na mesma voz, no mesmo olhar...

cabo verde, cabo verde,
arquipelago das ilhas encantadas
no meio do mar atlântico
por mãos sagradas...
vem do fundo das ilhas esse cântico
que flui dentro de nós nas noites de luar!

são vicente, santiago,
santo antão, fogo, brava...
a velha canção escrava,
sepultada nas ilhas outrora,
ressuscita liberta nas mornas.
(saudade minha, porque te adornas
com o pranto das lendas que trago
no meu lirismo de agora?)

cabo verde, cabo verde,
terra onde o amor se perde
e se redime na paixão ardente...
- vou cantar as tuas mornas,
na saudade da gente
e de todos os seres
que vivem nas tuas ilhas,
onde em sonhos eu sou...
e quero amar em ti as formosas mulheres
nascidas do teu ventre, as tuas filhas
encantadas que só o amor desencantou.

cabo verde, cabo verde,
ilha das ilhas prenhes de beleza e de dor,
paraíso crioulo que se perde
e se redime no amor!

Fonte: Blogue "Angola: os poetas", post de 27Ago2012.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Eu queria tanto


Eu queria tanto
Que o sonho que me atormenta
Fosse real, fosse verdadeiro

Eu queria voltar
A encontrar a paz que havia
A Pátria pluriracial
Honrar os heróis verdadeiros
Que lutaram e ganharam
A guerra que nos fizeram

Eu queria tanto
Voltar e encontrar
As picadas sem morte
As sanzalas escondidas
As jangadas e pontes de madeira
Os rios pacíficos e despoluídos
As igrejas com gente a cantar

Eu queria tanto
Voltar ás baías de Moçâmedes e de Benguela
Cheirar o mar de Luanda
E as flores das chanas das Terras do Fim do Mundo

Eu queria tanto
Voltar a ser um povo unido
Sem memória
Nem desonra do abandono e da derrota
Sem lembrança
Da cobarde descolonização

Eu queria tanto
Que o meu sonho de criança
Voltasse a ser tão forte e presente

Eu queria tanto
Voltar a ser a Pátria grande
Que não se interrompesse aquele sonho de criança
A Pátria de Moçamedes e de Benguela
Do Rovuma e do Maputo
De Bonomaro, das bolanhas da Guiné
Da cidade de Pemba
Da ilha de Moçambique

Eu queria tanto
Sentir orgulho nas caravelas
E nos cantos que nos embalaram
Em séculos de encontros

Eu queria tanto
Voltar a sentir a Pátria e o Império
Como coisa nossa
Como sentia em criança

Rui Moio. 11Abr2008. 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Loucos e Santos


Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.

Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.

Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.

Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.

Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que “normalidade” é uma ilusão imbecil e estéril.

Fonte: Blogue "História Vava, post de 27Ago2012.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Passo os dias cansado


Passo os dias cansado.
Para combater o cansaço
Canso-me.

Para que não me canse
Descanso
Mas ao descansar
Canso-me.

Como uma roda
Infinita…

Se durmo canso-me.
Para não me cansar tanto
Mais durmo.
E a um mais dormir
Mais me canso.

Como uma roda quadrada
Que anda e desanda
Desanda e anda...

Durmo acordado
E acordado durmo.

A um cansaço vem o descanso
E a um descanso vem o cansaço.

E não há tempo
Senão
Pró cansaço
E pró descanço.

Rui Moio
Realizado a 23Ago2012

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Não / Não poderei fazer de ti / Um só poema

Não.
Não poderei fazer de ti
Um só poema.
Não poderei jamais cantar
Este desejo,
Este anseio que tenho por ti.
Desvendar-te tudo qu’escondo
E obter de ti,
Palavras de plenitude e d’esperança.
Porque p’ra ti,
Seria como trair um bem
Seria  matar essa imagem
Que não vive no teu corpo
Mas só no teu coração.
Seria desejar… e não amar…
Seria enganar tanta imensidão…
Seria dar corpo a uma alma
E tirar a vida à própria vida.
Ah… Como desejava que  quedasses à minha espera,
Logo, ao cair da noite,
Não com a fé de quem espera uma miragem
Mas com a ânsia férrea dum macho qu’espera a sua fêmea
Para juntos rolarem pelos espaços infinitos
Corpos unidos, lábios colados,
Na agonia lenta que explode num turbilhão d’estrelas.
Por isso, amor, não…
Não poderei escrever de ti um só poema…

Fonte: "Palavras todas as Palavras" - post de 20Jun2010

sábado, 28 de julho de 2012

Quotidianos de um diabético

Um dia
Um mês
Um ano
Administração
Administração
Continuamente Administração
Controlos

Consultas. Exames, Rotinas,
Obrigações, Registos…

Rotinas, Exames, Obrigações,
Registos, Consultas…

Continuamente…
Continuamente…

                              SÃO QUOTIDIANOS

Penosamente cumpridos

Escrever e Ler
Palestras, Ouvir, Visitar, Conhecer,
Sonhar, Dormir Sossegadamente,
Poetar, Prosar, Analisar, Pensar…

                              SÃO DESEJOS

Vontades esforçadamente realizadas

Não poucas vezes
O cansaço
E o desânimo

Como um cavalo de elite
Que corre e salta
E segue feliz
O caminho que o destino traçou!

Rui Moio – 26Julho2012, 18h30.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O "AUTO RETRATO"


No retrato que me faço 
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!

Fonte: Escritos criativos entre nós - coluna da direita

terça-feira, 24 de julho de 2012

Senti la Imperio - tradução para esperanto do poema "Sentir o Império"

Senti la Imperio
Flari la Imperio
ĉe Rossio
ĉe korto de la Palaco d' Almada (1)

Estis tiel en mia lando
Kaj en ĉiuj trans la maraj
Kie estis Portugalio

Flari la Imperio
En la centro de "Odivelas" (2)
Sur busoj, en la metroo
Vespere
Sabatoj, Dimanĉoj.
Sur iu ajn donita tago kaj horo
En la koloraj homoj
En miksitaj voĉoj
En ekzotaj vestoj

Flari la Imperio
ĉe "Restelo", ĉe "Anjos" (3)
En la nomoj de stratoj kaj placoj
En rigardante la Tajo
ĉe "Olivais"
Kaj en multaj aliaj kvartaloj

Flari la Imperio
En la verkoj por fari
Kaj en la monumentoj konstruitaj
Ekzistas multaj ŝtonoj ke informi nin pri tio
La "Jerónimos", la "Torre de Belém" (1)
Vojoj, pontoj, palacoj
La Kolonia Ĝardeno kaj multe aliaj pli

Flari la Imperio
ĉe la flughaveno
Kun ambaŭ vojaĝanto
De aliaj kontinentoj
Ke alvenante kaj forirante
ĉiutempe

Flari la Imperio
ĉe polico, armeo, mararmeo
En la sporto
En la "CP", en la aŭtoj elektraj
En la Justeco
En la Ĉambro de Lisbono

Sed,
La Imperio apartigis estas
Ne plu ekzistas
Antaŭ la nomo Portugalio
Estis ĉiuj
Nun,
En tiu malplena de malvenko
Estas specimeno
en la tuta Imperio
En eta Portugalio

Feliĉe, tia estas
Por ĉiuj
Por la lasta generacio de la Imperio
La ke ne tiom perfidis kaj estis oferita
Por la alia parto de ĝi
Kio mortigis la patrujon kaj la Nacio.

Rimarko: 

(1) - Monumentoj de Lisbono
(2) - Urbo de Portugalio
(3) - Kvartaloj de Lisbono
Rui Moio - aŭtoro de la poemo "Sentir o Império". Poemo gravedigxis en 03Maio2008.
Traduko al esperanto okazigita en 24Jul2012.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

La Reĝo D. Sebastiano - tradução para esperanto do poema El-Rei D. Sebastião

La Reĝo D. Sebastiano
Juna kaj bela
Kun lia eleganta akompanantaro
Venis al mi
En sia blanka ĉevalo
La Reĝo D. Sebastiano

Li vizitis min kiel lia sklavo
Eniris en mia malgranda angulo
Li sidis apud mi
Kaj li demandis:
Kiel estas Portugalio?

Mi ne pensis
Ke la reĝo diru min tiel.

Rekuperis de la ŝoko
Kvietigis la serena silento
Ĉi Dio-Reĝo
Mi murmuris rubo
Pensante ke li ne scias
Kiel volas nia lando
Sed la Reĝo trankviligis min:

- Mi venis tie por diri al vi
vi ne zorgu
Se vi povas alarmi nia popolo
Diras ilin ke mi ne mortis ankoraŭ.

Rememorigi ilin pri nia historio
Diru al ili de Alcazarquiviro
Kaj havas fidon, havas esperon
Ĉar kiam la tempo venas
Mi estos kun ili.

Rui Moio - 24Jan2008. Autor do poema. Tradução para esperanto realizada a 18Jul2012..

************************************
El-Rei D. Sebastião

El-Rei D. Sebastião
Jovem e belo
Com o seu séquito luzidio
Veio a mim
Em seu cavalo branco
El-Rei D. Sebastião

Visitou-me como súbdito
Entrou no meu cantinho
Sentou-se diante de mim
E perguntou:
Como vai Portugal?

Eu não contava
Que El-Rei me falasse assim.

Refeito do choque
Aquietado pela serena quietude
Deste Rei-Deus
Balbuciei palavras sem nexo
Pensando que ele não soubesse
Como vai o nosso País.
Mas, El-Rei serenou-me:

- Eu vim aqui dizer-te
Que não te amoles
Se puderes alerta o nosso povo
De que eu ainda não morri.

Lembra-lhes a nossa História
Fala-lhes de Alcácer-Quibir
E tenham fé, tenham esperança
Porque quando o tempo chegar
Eu vou estar convosco, aí.

Rui Moio – 24Jan2008.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

SINJORO ADMINISTRATORO - tradução para esperanto do poema O SENHOR ADMINISTRADOR


Balalaiko flava kun grandaj poŝoj,
Longaj manikoj butonumita,
Mallongaj pantalonoj aŭ pantalonoj de longa kruro
ĉapo kun klaraj insinio Nacio
Zonon larĝa kaj verdo, grandan bukon.
Nigraj botoj de la trupo malnova
Ĉiam poluris
Neniu gramo de polvo aŭ koto de la pikoj.

Kiu ĉiam kunvenas peto.
Kreinto de ŝoseoj kaj lignaj pontoj
Ĉu vi estas kuracisto, flegisto,
Li estas pastro, li estas leterportisto,
Li estas profesoro de legadoj, agrikulturo,
Li juĝas "makoj" (1)
Duko, markizo de granda teritorio
Tio estas la duono de la Puto, (2)
kapo de la Patrujo-revo
Kio kunigas ĉiujn.

Kun miksaĵo de nobelaro
Kiel granda sobo (3)
En la pozo de la Imperio
Li iras ĉiuj flava
SINJORO ADMINISTRATORO.

Notas:
(1) plural de mako - confusão, conflito, termo angolano "maka"
(2) Puto - Portugal continental
(3) sobo - soba, chefe gentílico em Angola

Rui Moio, skribita en 25Fev2011
*************************************************

O SENHOR ADMINISTRADOR

Balalaika amarela com bolsos largos,
Mangas compridas abotoadas,
Calção curto ou calça de perna longa,
Boné claro com emblema da Nação,
Cinturão largo e verde, fivela grande.
Botas pretas da tropa antiga
Sempre engraxadas
Sem grama de pó ou lama das picadas.

Atende sempre quem o procura.
Fazedor de estradas e de pontes de madeira
É médico, é enfermeiro,
É sacerdote, é correio,
É professor de leituras, de agricultura,
É juiz de makas
Conde, Marquês de um território
Que é metade do Puto,
Cabeça da Pátria-Sonho
Que a todos irmana.

Com um misto de realeza
Como um soba grande
Em pose de Império
Vai todo de amarelo
O SENHOR ADMINISTRADOR.

Rui Moio, realizado a 25Fev2011

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O Topógrafo

Vida de Topógrafo é dura mesmo
Mas tem coisas bonitas para contar

São 5 da manhã!
Toca a levantar
Pega na umbrela, teodolito, tripé
Abana o porta-miras e o chofer
Vamos embora
É hora.

Chofer!... põe o jipe a trabalhar

Uns são engenheiros
Com canudo de faculdade
Outros tiram curso médio
em escola da especialidade
E um ou outro é de todo descartado

II

Para triângular
sobe ao penhasco mais alto
para escolher os pontos a levantar.
Se é preguiçoso
Escolhe os mais fáceis de alcançar.
Se gosta de trabalho bem feito
Tem muito que andar.
Se é burro
Não descobre os pontos
Para o teodotito estacionar

Mede ângulos e distâncias
E de igual jeito
Limita as terras dos quitandeiros,
faz plantas
Constrói estradas, pontes e canais.

III

Vida de Topógrafo é dura mesmo
Mas tem coisas bonitas para contar

Ah, ah, ah, ah
Se tem!!!
Ah, ah, ah,ah

Nos ermos isolados
É poço de muitas atenções:

- Bom dia senhor engenheiro
- Seja bem-vindo senhor engenheiro
- Bom trabalho senhor engenheiro
- experimente esta aguardentezinha senhor engenheiro
que é cá do nosso lugar.

- está convidado senhor engenheiro
para o churrasco do jantar

- Não posso, tenho de calcular

- Ora, ora, senhor engenheiro
- Temos lá meninas para dançar

e quantas vezes
sem querer, sem desejar
é engatado
pelas solteiras e divorciadas do lugar

25Agosto06

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