quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Contratados

Ah! Caravanas que passais
De homens cansados,
Esfaimados,
Cantando vergados
Ao peso da saudade,
Bandeira branca a tremular ao vento...
Caravanas de homens de pés descalços
Sangrando por tortuosos caminhos...
Como eu vos amo a todos, todos!
Oh mulheres de ancar largas, bamboleantes,
Com filhos ranhosos e famintos
Que vindes em algazarra acenardes adeus,
E gritais, gritais, palavras, impropérios,
Cobrindo o choro dos que partem...
Oh mães velhinhas, doloridas,
Que chorais por não poderdes partir
A dizerdes adeus,
Um adeus distante
A quem não esperais tornar a ver...
Ah! As caravanas, as caravanas!
Caravanas de homens esperançosos
De corpos quebrados
Que vêm de longe e se perdem à distância...

E só o mundo irado,
A fome, o cansaço.
E lá longe, a casa, as terras, as noites luarentas,
O brilho ardente das fogueiras...
E vão nas caravanas, coração pulsando,
E a esperança, sempre a esperança,
Num sonho de riqueza.
E voltam de novo, famintos,
Das terras do fim do mundo.
Voltam à terra onde andaram em pequeninos,
Com o choro dos filhos nus
Esfaimados, a pedir pão.
Deixem, homens, deixem que o tempo
Marque o trilho das caravanas em que ides partir.
Dia a dia, hora a hora,
Ele se rasgará mais brilhante,
Sem que o bafo dum vento quente
Murche as flores da tua esperança.
Partireis, triunfantes,
À demanda, à conquista,
Des terras dum novo mundo.

A Sombra de um Salgueiro

Fugi das chaminés.
do fumo, que era um denso nevoeiro.
e procurei, na beira dum regato.
a sombra de um salgueiro.

O silêncio, era música do céu;
o ar parado, absorto,
mas na água tranquila
vogava um peixe morto.

Fernanda de Castro, «Urgente» (1989)
Fonte: Blogue Fernanda de Castro

A don Miguel de Unamuno

Este donquijotesco
don Miguel de Unamuno, fuerte vasco,
lleva el arnés grotesco
y el irrisorio casco
del buen manchego. Don Miguel camina,
jinete de quimérica montura,
metiendo espuela de oro a su locura,
sin miedo de la lengua que malsina.

A un pueblo de arrieros,
lechuzos y tahúres y logreros
dicta lecciones de Caballería.
Y el alma desalmada de su raza,
que bajo el golpe de su férrea maza
aún durme, puede que despierte un día.

Quiere enseñar el ceño de la duda,
antes de que cabalgue, el caballero;
cual nuevo Hamlet, a mirar desnuda
cerca del corazón la hoja de acero.

Tiene el aliento de una estirpe fuerte
que soñó más allá de sus hogares,
y que el oro buscó tras de los mares.
Él señala la gloria tras la muerte.
Quiere ser fundador, y dice: Creo;
Dios y adelante el ánima española...
Y es tan bueno y mejor que fue Loyola:
sabe a Jesús y escupe al fariseo.

Fonte: Poemas del Alma

domingo, 26 de outubro de 2008

Mensagem

«Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço de terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer,
ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!»

Fonte: Blogue: "Dragoscópio" - post de 05Out2008

domingo, 19 de outubro de 2008

Sossega, coração! Não desesperes!

Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.

2-8-1933

Fonte: Blogue: Lupango da Jinha - post de 24Set2008

Certeza

De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre começando...
A certeza de que precisamos continuar...
A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...

Portanto devemos:
Fazer da interrupção um caminho novo...
Da queda um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro...

Blogue Lupango da Jinha - post de 22Set2008

sábado, 18 de outubro de 2008

Buganvílias Entrelaçadas

Tenho amigos
que viajam comigo no tempo
e são uma parte de mim,
às vezes lêem o livro que leio,
cantam a música que ouço,
estão no silêncio que trago
- um silêncio em que os sinto,
gémeos neste sonho comum
de “crescermos” para este mundo,
que começa em cada um de nós…

Às vezes
transformam-se em aves
que vêm pousar a meu lado,
para eu brincar com o tempo
e fazer das distâncias um nada
e da saudade
um espaço com flores…

Depois, fica-me a sensação
de nunca estar só
neste silêncio do tempo,
que preencho com o “perfume” da vida
que existe em cada um
e com a “música” que me enche
da certeza de ESTARMOS VIVOS
Para além das palavras…

Arminda Branca M.V. Pinto - 12-04-2008
Fonte: Blogue: Brancamar - post de 20Set2008

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Claudicante

Trémulo, claudicante,
no seu fraque de bom corte,
de olho lacrimejante,
lamentando a sua sorte,
seguia o infeliz noivo
cumprindo o sacrifício
de receber na igreja,
avantajada maquia
- servida numa bandeja –
que a velha noiva trazia.

Lá ía a filosofar:
“vou juntar aos meus trint’anos
os setenta e cinco dela.
que pouco pode durar.
E a vida há-de ser bela
com dinheiro pr’a gastar,
com todo o Mundo pr’a ver
e miúdas pr’a conquistar”.

E assim chegou à Igreja.
Postou-se junto ao altar
debaixo d'olhares d'inveja
de muitos dos circunstantes
esperando que a noiva chegasse
dentro de poucos instantes.
Esperou, esperou e desesperou
vendo os minutos passar
e da noiva nem a sombra.
Eis que da porta de entrada
vem um certo burburinho,
e a figura desesperada
de um solitário padrinho,
pois que não trazia a noiva.
O pobre vinha sozinho
trazendo a triste notícia:
“A velha noiva pisgou-se
com um moço de vinte anos”.
Por algum tempo pensou-se
que seriam grandes os danos.
com o “copo de água” pago,
com a cerveja a aquecer,
os rissóis a arrefecer,
os doces a derreter,
e os convivas esfomeados
com os dentes a ranger.

Foi então que o noivo deu
prova de sabedoria.
Erguendo os braços ao Céu,
diz: "obrigado Senhor
pela lição que me deste
não me deixando vender".
Deitou o fraque pr'o chão,
e, aliviado o coração,
abandonou a igreja
e seguido p'la comitiva.
lançou~se sobre a cerveja,
os doces e os rissóis
e comeram sem parança
os pratos de caracóis.
De todos,o mais contente
era o eis infeliz noivo
que, pobre mas conformado
fez honras ao beberete.
É, como diz o ditado:
"Pobrete, mas alegrete!"

Fonte: Blogue "Roxa Zenaider" - Post de 06Out2008

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

TEMPO PERDIDO

Sinto raiva só de pensar
Em todo esse tempo perdido,
Nesse oco, esquivo tempo,
Nesse tempo não vivido
Porque o tempo eras tu.
Tempo que nada levou
Porque nele nada valia.
Eras tu a noite e o dia
E como eras tempo te foste
Deixando só amargura.
E porque o tempo tem pó
E é vago tempo sòmente
Não me doi o ficar só.
Tenho raiva unicamente
De ter perdido esse tempo.

Fonte: Blogue "A Minha Sanzala" -post de 05Out2008

Herdei uns olhos claros, sem pecado

Herdei uns olhos claros, sem pecado,
toda uma tradição, todo um passado,
de inocência, de amor e de perdão.
Um desejo de paz, de vida calma,
uma alma capaz de só ser alma,
E um doloroso, humano coração.

Fonte: Blogue: Fernanda de Castro

Primeira Hora

"Lisboa, Cais das Colunas (1940-50)", foto de João Martins

O ano desfolhou-se, dia a dia,
como uma flor cortada, um girassol,
e dia a dia a sua voz calou-se
como velha cansada melodia
de velho rouxinol.

Ontem, à meia-noite, a minha rua
abriu de par em par as portas, as janelas,
e deitou fora o lixo, as coisas velhas:
cacos, farrapos, latas e panelas.

Era a Primeira Hora
do ano que chegava.
- E eu? - pensei - Que posso deitar fora?
Que poderemos todos deitar fora?

Ai, Senhor, tanta coisa!
Nem cacos, nem farrapos,
nem latas velhas nem trapos
mas tanta dor,
Senhor,
mal empregada!
Tantos gestos errados,
as pequenas traições,
os pequenos pecados.
As calúnias subtis,
as flores venenosas
da alma envenenada,
e a cicatriz
da culpa inconfessada,
e as palavras que ferem como gumes
de afiadas adagas.

Ressentimentos, azedumes
que Te fazem sangrar as Cinco Chagas.
As larvas dos ciúmes
e as cobras rastejantes
dos pensamentos impuros.
Egoísmos sem fim
e os altos muros
das torres de marfim.
Descrença,
indiferença,
despeitos recalcados,
amassados com ódio, com rancor,
e o amargo sabor
da solidão.

Ah, Senhor, nesta hora de perdão,
nesta Primeira Hora,
quantas coisas podemos deitar fora!

Fernanda de Castro, In "70 anos de Poesia",
Fund. Eng. António de Almeida, 1989, p. 311/2.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Fome: Onde está a solução?

Se um grão produzisse um pão a fome estaria em extinção?
Talvez não!…
Mas, se a cada vontade se juntasse reciprocidade seria viável uma solução.
O pobre ajuda o pobre, enquanto o rico prefere dar ao mundo;
A esmola do pobre é de ouro; já a do rico sumiu-se, num saco sem fundo.
A fome já vem de longe!… velha e doente, resiste…
Gerou muitos filhos, repartiu a dor, mas o seu horror persiste.
O Homem não é inocente porque promove a guerra;
A agricultura rural recolheu-se no seio da terra;
As políticas, raramente consensuais, agravam a crise;
E o povo pacientemente espera, porque é humano e vive.
Como se tudo isto não bastasse, surgem calamidades…
Meu Deus! Como é possível sobreviver a tantas realidades?
O pobre pergunta ao nobre: “Amigo, porquê te afastaste de mim?”
Com ironia, o nobre responde: “Ignorante!… porque sempre foi assim!”
Já nos dizia Pessoa: “…e o universo reconstruiu-se-me sem ideal…”.
Assim sendo, em contextos diferentes, o modelo é sempre igual.

Fonte: Blogue "Folhas de História" - post de 29Set2008

domingo, 12 de outubro de 2008

Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.

Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.

Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alteava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio, ante meus olhos.

Fonte: Blogue "Lupango da Jinha" - post de 01Out08

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

EL EXTRANJERO

«Mirad: Un extranjero...» Yo los reconocía,
siendo niño, en las calles por su no sé que ausente.
Y era una extraña mezcla de susto y de alegría
pensar que eran distintos al resto de la gente.

Después crecí, soñando, sobre los libros viejos;
corrí, de mapa en mapa, frenéticos azares,
y al despertar, a veces, para viajar más lejos,
inventaba a mi antojo más tierras y más mares.

Entonces yo envidiaba, melancólicamente,
a aquellos que se iban de verdad, en navíos
de gordas chimeneas y casco reluciente,
no en viajes ilusorios como los viajes míos.

Y hoy, que quizás es tarde, con los cabellos grises,
emprendo, como tantos, el viaje verdadero;
y escucho que los niños de remotos países
murmuran al mirarme: «Mirad: Un extranjero...»

Fonte: BLogue "Poemas del Alma"

sábado, 4 de outubro de 2008

Los espejos

Yo que sentí el horror de los espejos
no sólo ante el cristal impenetrable
donde acaba y empieza, inhabitable,
un imposible espacio de reflejos

sino ante el agua especular que imita
el otro azul en su profundo cielo
que a veces raya el ilusorio vuelo
del ave inversa o que un temblor agita

Y ante la superficie silenciosa
del ébano sutil cuya tersura
repite como un sueño la blancura
de un vago mármol o una vaga rosa,

Hoy, al cabo de tantos y perplejos
años de errar bajo la varia luna,
me pregunto qué azar de la fortuna
hizo que yo temiera los espejos.

Espejos de metal, enmascarado
espejo de caoba que en la bruma
de su rojo crepúsculo disfuma
ese rostro que mira y es mirado,

Infinitos los veo, elementales
ejecutores de un antiguo pacto,
multiplicar el mundo como el acto
generativo, insomnes y fatales.

Prolonga este vano mundo incierto
en su vertiginosa telaraña;
a veces en la tarde los empaña
el Hálito de un hombre que no ha muerto.

Nos acecha el cristal. Si entre las cuatro
paredes de la alcoba hay un espejo,
ya no estoy solo. Hay otro. Hay el reflejo
que arma en el alba un sigiloso teatro.

Todo acontece y nada se recuerda
en esos gabinetes cristalinos
donde, como fantásticos rabinos,
leemos los libros de derecha a izquierda.

Claudio, rey de una tarde, rey soñado,
no sintió que era un sueño hasta aquel día
en que un actor mimó su felonía
con arte silencioso, en un tablado.

Que haya sueños es raro, que haya espejos,
que el usual y gastado repertorio
de cada día incluya el ilusorio
orbe profundo que urden los reflejos.

Dios (he dado en pensar) pone un empeño
en toda esa inasible arquitectura
que edifica la luz con la tersura
del cristal y la sombra con el sueño.

Dios ha creado las noches que se arman
de sueños y las formas del espejo
para que el hombre sienta que es reflejo
y vanidad. Por eso no alarman.

Fonte: Blogue "Poemas del Alma"

Related Posts with Thumbnails