sábado, 31 de maio de 2008

Pode-se escrever

Pode-se escrever sem ortografia
Pode-se escrever sem sintaxe
Pode-se escrever sem português
Pode-se escrever numa língua sem saber essa língua
Pode-se escrever sem saber escrever
Pode-se pegar na caneta sem haver escrita
Pode-se pegar na escrita sem haver caneta
Pode-se pegar na caneta sem haver caneta
Pode-se escrever sem caneta
Pode-se sem caneta escrever caneta
Pode-se sem escrever escrever plume
Pode-se escrever sem escrever
Pode-se escrever sem sabermos nada
Pode-se escrever nada sem sabermos
Pode-se escrever sabermos sem nada
Pode-se escrever nada
Pode-se escrever com nada
Pode-se escrever sem nada
Pode-se não escrever

quarta-feira, 28 de maio de 2008

28 de Maio, Sempre

Eu não nasci para lacaio
dos papagaios da mentira.
De Maio é que já não saio.
De Maio ninguém me tira!

Fonte: Blogue "Nonas" - post de 28Mai2008

Ao 28 de Maio

Ao 28 de Maio, uma vez mais,
Não falto,
Para saudar amigos de ideais,
De braço ao alto!

Fonte: Blogue "Nonas" - post de 28Mai2008

domingo, 25 de maio de 2008

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...
Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena...

Fonte: Textos Diversos - Coletânea de textos selecionados por José Maurício Kimus Dias

sábado, 24 de maio de 2008

Portugal foi-nos roubado

Portugal foi-nos roubado
há que dize-lo a cantar
para isso nos serve o fado
para isso e para não chorar.

Cinco de Outubro de treta
o que foi isso afinal?
dona Lisboa de opereta
muito chique e por sinal.

Sou português e por tal
nunca fui republicano
o que eu quero é Portugal
para desfazer o engano.

Os heróis republicanos
banqueiros, tropa, doutores
no estado em que ainda estamos
só lhes devemos favores.

Outubro Maio e Abril
cinco dois oito dois cinco
reina a canalha mais vil
neste branco verde e tinto.

Sou português e por tal
nunca fui republicano
o que eu quero é Portugal
para desfazer o engano!

Fonte: Blogue "Portas do Cerco" - post de 24Mar2008

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Guerra

Com orgulho, um militar
regressa à pátria, mostrando
a cruz que ganhou matando
irmãos que o queriam matar
.

Se nos pudessem falar,
os que tombaram por terra
tinham que nos perguntar:
que ganhamos com a guerra?


Fonte: Blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné" - post de 23Mai2008

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Autobiografia

Entre faixas de pobreza
meu tristes pais me envolveram.
Desde então, em crua empresa,
contra mim as mãos se deram
a fortuna e a natureza.

Da terna mãe abraçado,
fui em silêncio profundo
com triste pranto banhado:
já antevia que o mundo
tinha mais um desgraçado.

Meu bom pai debalde quis
enxugar-lhe o pranto ardente.
que ela, alçando-me, me diz:
– «Vem, ó vítima inocente
dum amor casto e infeliz!

Toma os tristes cabedais
em que teu fado te lança;
toma pranto e inúteis ais;
entra na funesta herança
de teus desgraçados pais!»


Depois que plano caminho
já meu pé trilhando vai,
pobre alfaiate vizinho
de um capote de meu pai
me engendrou um capotinho.

Talhando a obra, maldiz
a empresa que lhe incumbiram;
fez nigromâncias com giz;
sete vezes lhe caíram
os óculos do nariz.

Sua obra se consagre
no portal das Barraquinhas
com grossas letras de almagre:
tapou jeiras, passou linhas:
fez um capote e um milagre.

Colchete no cabeção,
saí novo Adónis belo,
figa no cós do calção,
carrapito no cabelo
e um biscoitinho na mão.

Sobre sisudo galego,
que vara barril fiado,
já aos trabalhos me entrego:
e, em triste pranto lavado.
à porta dum mestre chego.

Debalde o bom mariola
dourava razões pequenas :
minha dor não se consola,
presságio talvez das penas
doutro tempo e doutra escola.

Entre medos e violência.
entrar no latim já passo.
e jurei obediência
a um clérigo, que era um poço
de tabaco e de ciência.

Dentre o sórdido roupão,
com a pitada entre os dedos
e o Madureira na mão,
revelava altos segredos
do advérbio e conjunção.

Era em gramática abismo;
honrava o século nosso;
porém de tal rigorismo,
que pôs na rua o seu moço,
por lhe ouvir um solecismo!

Entre o jota e o I romano
que diferença se achasse
trabalhava havia um ano;
obra que, se ele a acabasse...
... feliz do género humano!


Enquanto a minha alma emprego
nestas cansadas doutrinas,
à dourada idade chego
de ir ver as vastas campinas
que banha o claro Mondego.

Coas cabeças mal compostas,
vejo entre gostos e medos
mãe e irmãs à adufa postas;
choviam cruzes e credos
sobre as minhas bentas costas.

Já em rápidas carreiras
calcava a real estrada,
sem chapéu, sem estribeiras:
já a catana emprestada
cortava o vento e as piteiras.

Curta, embrulhada quantia.
que ao despedir me foi dada,
expirou no mesmo dia,
e fui fazendo a jornada
quase com carta de guia.

Mas já vejo a branca fronte
da alta Coimbra. fundada
nos ombros de erguido monte;
já sobre a areia dourada
vejo an longe a antiga ponte.

Povo revoltoso e ingrato
dentro em seus muros encerra;
em vão de adoçá-lo trato:
é um título de guerra
a chegada dum novato.

Pão amassado com fel,
e envolto em pranto, comia:
levei vida tão cruel,
que pior a não teria
se fosse estudar a Argel.

Sofri contínua tortura;
sofri injúrias e acintes;
lancei tudo em escritura,
e nos novatos seguintes
fiquei pago e com usura...

Da bolsa os bofes lhe arranco
no fresco pátio de Celas,
pedindo com génio franco
doces, gratuitas tigelas
do famoso manjar branco.

Sete anos de verde idade
fui metendo a destra mão
em multas desta entidade;
chamou-se boa feição.
mas era necessidade.

Achava-me sempre o dia
no tecto os olhos pregados:
a sagaz economia.
revoando nos telhados.
ao conselho presidia.

Gemer em segredo pude.
que o bom pai, falto de meios
quanto cheio de virtude.
só mandava nos correios
novas da sua saúde...


Quis de tais ondas sair
e algum bom porto aferrar;
quis o público servir,
e mandaram-me ensinar
as regras de persuadir.

Triste, enganosa ciência!
Dão-lhe louvores, mas falsos;
dizem que pode a eloquência
ir tirar dos cadafalsos
a perseguida inocência;

que chega do peito ao fim;
que arranca forçado pranto;
mas. senhor, não é assim:
esta arte, que louvam tanto.
só me faz chorar a mim.

Pende da hora oportuna;
sem ela, verá rasgadas
as soltas velas que enfuna:
arrasta vestes douradas
e é escrava da fortuna.

Não a vejo em mim frustrada,
só porque pouca me coube;
de si mesma é mal fadada:
a língua que mais a soube
foi em Roma retalhada!

O Toucado

Chaves na mão, melena desgrenhada
Batendo o pé na casa, a mãe ordena
Que o furtado colchão, fofo e de pena
A filha o ponha ali ou a criada.

A filha, moça esbelta e aperaltada
Lhe diz co´a voz que o ar serena:
“Sumiu-lhe o colchão? É forte pena;
Olhe não lhe fique a casa arruinada!”

“Tu respondes-me assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que por ter o pai embarcado
Já a mãe não tem mãos?” E, dizendo isto

Arremete-lhe à cara e ao penteado.
Eis senão quando (caso nunca visto!)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado!.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Gracias A La Vida com interpretação de Mercedes Sosa


Gracias A La Vida
Composion: Violeta Parra

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me dió dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo


Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado el oído, que en todo su ancho
Traba noche y dia grillos y canarios
Martirios, turbinas, ladridos, chubascos
Y la voz tan tierna de mi bien amado

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario
Con él las palabras que pienso y declaro
Madre, amigo, hermano y luz alumbrando
La ruta del alma del que estoy amando

Gracias a la vida,que me ha dado tanto
Me ha dado la marcha de mis pies cansados
Con ellos anduve ciudades y charcos
Playas y desiertos, montañas y llanos
Y la casa tuya, tu calle y tu patio

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me dió el corazón que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano
Cuando miro el bueno tan lejos del malo
Cuando miro el fondo de tus ojos claros

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
Así yo distingo dicha de quebranto
Los dos materiales que forman mi canto
Y el canto de ustedes que es el mismo canto
Y el canto de todos que es mi propio canto
Gracias a la vida

Font: Blogue: "Meu Universo em Prosa e Poesia" - post de 19Mai2008

sábado, 17 de maio de 2008

É tempo de regressar

É tempo de regressar
às minhas parras coloridas
e ver a água a gelar
esquecer mágoas e feridas
e a todos abraçar
olho por cima dos ombros
vejo a mata, lembro Amadú
e nem tudo são escombros
há a ilha de Bolama
há Susana, há Varela
as ilhas de Bijagós
e a vida pode ser bela
se nunca estivermos sós
houve prazer e amor
em terras de Mampatá
senti a raiva e a dor
saudades do lado de lá
a distância e tanto mar
mas não há ódio ou rancor
e um dia... vou voltar.

Bissau 1974

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Cantiga do Soldado

Eu hei d’ir de Serra em Serra
Nossa Bandeira mostrar;
Havemos de ser na terra
O que já fômos no mar.

Ninguém me peça que fique
Que eu não quizera ficar;
Sol que brilhaste em Ourique
Tornas de novo a brilhar.

Hei-de levar ao meu lado
A guitarra sensual
Que vencer cantando o fado
E’ fado de Portugal

O’ soldados, a Ventura
Ha de ser nossa irmã;
Que depois da noite escura
Nasce o sol pela manhã.

Já diviso os arreboes
D’ um sol distante que vem
Mostrar que netos d’heroes
Hão de ser heroes também.

E se eu morrer não se zangue
Minha mãe… não leve a mal;
Tem sido feita com sangue
A história de Portugal!

Vou partir, vou para a guerra,
A todo o mundo mostrar
Que havemos de ser na terra
O que já fomos no mar!

Fonte: Blogue "A Voz Nacional" - post de 15Mai2008

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O Poeta

Ninguém contempla as cousas, admirado.
Dir-se-á que tudo é simples e vulgar...
E se olho a flor, a estrela, o céu doirado,
Que infinda comoção me faz sonhar!

É tudo para mim extraordinário!
Uma pedra é fantástica! Alto monte
Terra viva, a sangrar como um Calvário
E branco espectro, ao luar, a minha fonte!

É tudo luz e voz! Tudo me fala!
Ouço lamúrias de almas no arvoredo,
Quando a tarde, tão lívida, se cala,
Porque adivinha a noite e lhe tem medo.

Não posso abrir os olhos sem abrir
Meu coração à dor e á alegria.
Cada cousa nos sabe transmitir
Uma estranha e quimérica harmonia!

É bem certo que tu, meu coração,
Participas de toda a Natureza.
Tens montanhas na tua solidão
E crepúsculos negros de tristeza!

As cousas que me cercam, silenciosas,
São almas, a chorar, que me procuram.
Quantas vagas palavras misteriosas,
Neste ar que aspiro, trémulas, murmuram!

Vozes de encanto vêm aos meus ouvidos,
Beijam os meus olhos sombras de mistério.
Sinto que perco, às vezes, os sentidos
E que vou flutuar num rio aéreo...

Sinto-me sonho, aspiração, saudade,
E lágrima voando e alada cruz...
E rasteirinha sombra de humildade,
Que é, para Deus, a verdadeira luz.

Fonte: Blogue "Nova Águia" - post de 14Mai2008

Voltei /Ao casarão velho

Voltei
ao casarão velho,
onde já tudo morreu...
Tirei
a venda ao espelho,
e olhei. Olhei, recuei.
Recuei, gritei:
- Era EU!

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A NAVE DE ALCOBAÇA

Vazia, vertical, de pedra branca e fria,
longa de luz e linhas, do silêncio
a arcada sucessiva, madrugada
mortal da eternidade, vácuo puro
do espaço preenchido, pontiaguda
como se transparência cristalina
dos céus harmónicos, espessa, côncava
de rectas concreção, ar retirado
ao tremor último da carne viva,
pedra não-pedra que em pilar's se amarra
em feixes de brancura, geometria
do espírito provável, proporção
da essência tripartida, ideograma
da muda imensidão que se contrai
na perspectiva humana. Ambulatório
da expectação tranquila.
Nave e cetro,
e sepulcral resíduo, tempestade
suspensa e transferida. Rosa e tempo.
Escada horizontal. Cilindro curvo.
Exemplo e manifesto. Paz e forma
do abstracto e do concreto.
Hierarquia
de uma outra vida sobre a terra. Gesto
de pedra branca e fria, sem limites
por dentro dos limites. Esperança
vazia e vertical. Humanidade.

Araquara, 27/11/1962

Fonte: Blogue: "Fora de Cena" - post de 07Set2007

MOSCA

Poisa na merda e no chocolate
poisa na pêra e no abacate
salta qual pulga em qualquer balança
salta de Espanha e pula pra França
cruza Alentejo e logo se abeira
dum litoral ou dum interior
veste de preto e é varejeira
ou faz-se roxa e multicolor
há uma - a té - que transmite o sono
molhando a asa no morno charco
foi à Madeira valha-nos Zarco
e de avião de carro e de barco
sabe mais que o céu a seu dono
voa baixinho no seu Outono
não toma banho e gosta de praia
pica na areia e nos pinheirais
gosta de campo e adora animais
pica os avós filhos netos pais
pica o Barredo e pica Cascais

poisando poisando zumbindo zumbindo
lá vai tão certeira tão cantando e rindo
té que a mão ligeira ou o DDT
a pá de plástico ou o jornal dobrado
chega do destino com o bruto recado
chega de mansinho e a faz em puré

(Analogia e Dedos, 2006)
Fonte: http://www.arscives.com/pedrotamen/poemas10.asp

domingo, 11 de maio de 2008

Poesia

terça-feira, 6 de maio de 2008

Liberdade, onde estás? Quem te demora?

Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim!), porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?


Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!, venha... Oh!, venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.


Movam nossos grilhões tua piedade;

Nosso númen tu és, e glória, e tudo,

Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!

Fonte: Blogue "Abrupto" - post de 06Mai2008

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Dedicado à minha terra [Moçâmedes]

Moçâmedes onde nasci
E lá fiz o meu baptismo
Moçâmedes onde estudei
E aprendi o catecismo.

Ó minha terra natal
Onde aprendi oração
Na paróquia onde em criança
Fiz a minha comunhão.

Moçâmedes que me recordas
O dia do casamento,
Lá nasceram os meus filhos,
Não me sais do pensamento.

Moçâmedes tu serás sempre
Recordada com carinho
Desde o mar so teu deserto
Percorri o teu caminho.

No deserto do Namibe,
Ó minha querida terra
Viemos nós para tão longe
Porque Angola estava em guerra.

A tua praia tão linda
Onde apetecia estar,
Em Março que bom que era
termos as Festas do Mar.

Não falando nos mariscos,
Que me estão a apetecer,
Pois desde que aqui cheguei
Não mais voltei a comer.

Ó terra da azeitona
Onde não havia igual
Também é terra das misses
Que vinham para Portugal.

Acho que por hoje já chega
Falar desse meu torrão
Por muitos anos que viva
Não me sais do coração.


Blogue "Gente do meu Tempo" - post de 30Abr2008

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