segunda-feira, 30 de julho de 2007

Naufrágio

A rua cheia de luar
Lembrava uma noiva morta
Deitada no chão, à porta
De quem a não soube amar.

Já não passava ninguém...
Era um mundo abandonado...
E à janela, eu, tão Além,
Subia ressuscitado...

Vi-me o corpo morto, em cruz,
Debruçado lá no Fundo...
E a alma como uma luz
Dispersa em volta do mundo...

Mas, à tona do mar morto,
Um resto de caravela
Subia... E chegava ao porto
Com a aragem da janela.


Adolfo Casais Monteiro
Ode Ao Tejo E À Memória De Álvaro De Campos

E aqui estou eu,
ausente diante desta mesa —
e ali fora o Tejo.
Entrei sem lhe dar um só olhar.
Passei e não me lembrei de voltar a cabeça,
e saudá-lo deste canto da praça:
"Olá, Tejo! Aqui estou eu outra vez!"
Não, não olhei.
Só depois que a sombra de Álvaro de Campos se sentou a meu lado
me lembrei que estavas aí, Tejo.


Passei e não te vi.
Passei e vim fechar-me dentro das quatro paredes, Tejo!
Não veio nenhum criado dizer-me se era esta a mesa em que Fernando Pessoa se sentava contigo e os outros invisíveis à sua volta,
inventando vidas que não queria ter.
Eles ignoram-no como eu te ignorei agora, Tejo.


Tudo são desconhecidos, tudo é ausência no mundo,
tudo indiferença e falta de resposta.
Arrastas a tua massa enorme como um cortejo de glória, e mesmo eu que sou poeta passo a teu lado de olhos fechados,
Tejo que não és da minha infância,
mas que estás dentro de mim como uma presença indispensável,
majestade sem par nos monumentos dos homens,
imagem muito minha do eterno,
porque és real e tens forma, vida, ímpeto,
porque tens vida, sobretudo,
meu Tejo sem corvetas nem memórias do passado...
Eu que me esqueci de te olhar.

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