segunda-feira, 30 de julho de 2007

Crónica dos Filhos de Viriato

História: não a que vem nos livros
com fogueiras de Deus nos campos de Sant'Ana
com santos e guerreiros e façanhas e milagres
com bandeiras e naus no Terreiro do Paço.
Dos mitos nada sei. Falo dos vivos
dos que todos os dias ficam vencidos em Sagres
no mar dum íntimo cansaço

Dos que sempre adiaram o seu 5 de Outubro
derrotados nas salas dum escritório
filhos de Viriato submetidos aos romanos
no Império da Grande Capitulação.
Filhos de Viriato. (E já Sertório
em todos eles foi traído ou gasto pelos anos).
Só não morreu ainda El-Rei Sebastião.

E os que esperam ainda nas naus romãnticas
lusíadas parados no Rossio
filhos de Viriato pálidos e desarmados
falam em D. Sebastião à mesa dos cafés
os que não se afogaram nas águas atlânticas
frustrados habitantes dum navio
que nunca foi além dos sonhos adiados
marinheiros de agosto que molham no mar os pés.

E ainda aqueles que se vão todos os dias
não em busca das Índias mas do pão que falta
filhos de Viriato nos caminhos dos Brasis
porque os romanos nada lhes deixaram.
Terras do Alentejo - Bartolomeu Dias
passando além da fome em cada herói da malta.
Eu falo dos heróis sem nome dum país
onde os romanos sobre os homens se assentaram.

Dos homens falo. Nada sei dos mitos.
Homens de mil trezentos e oitenta e cinco
esperando em mil novencentos e sessenta e três
a verdadeira independência do país.
Dos homens falo. Suas tragédias seus ritos
sua maneira de perder e seu afinco
em tentar mais uma vez
E ficam uns em Sagres vão outros para os Brasis.

Falo da história que não vem na História.
(A que na escola me ensinaram já esqueci.
Aprendi o passado nos restos do passado).
Falo de Sagres. Dos que estão em Sagres.
Não dos antigos plainos da memória
vos trago os meus heróis. Ei-los aqui:
filhos de Viriato (e já Sertório assassinado)
lusíadas sem pão e sem milagres.

A PRAÇA DA CANÇÃO, CENTELHA, COIMBRA, 1975, P. 48

Sem comentários:

Related Posts with Thumbnails