segunda-feira, 30 de julho de 2007

Adamastor

Fui a sombra do medo;
Esse medonho vulto que o luar
Esboça, no arvoredo,
Quando o perfil do vento é de gelar;
E, nas encruzilhadas dos caminhos,
Há demónios e doidos burburinhos...
E os homens, entre lívidos terrores,
Abraçam negra dor desconhecida,
Dor morta e ressurgida,
Aquela dor, fantasma de outras dores.

A minha Aparição,
Os nautas assustava,
Quando, em fraguedos, saibro, escuridão,
Sinistro promontório, as ondas penetrava;
E o meu rouco bramido retumbava,
Por toda a neptunina solidão.

Eu, dantes, fui a Treva...
Minha sombra, depois, amanheceu;
Tingiu-se de oiro e rosa; e já se eleva,
Na luz do céu...

Chorei, deli meus ossos fragarosos,
Reconstruindo em carne de beleza,
Meus grandes membros tenebrosos;
Minhas feições de terra e de bruteza...

Sou a alma do trágico Gigante;
Esse terror do antigo navegante,
Revelada em perfeita claridade.

Eu sou o Adamastor em alma de saudade.

Sempre, 2ª edição, Coimbra, 1902

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