quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
A voz...
PONHO A MESA DE AZEVINHO
Os imprescindíveis
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
Masqui ramendá unga tosco bote - poema em Patuá de Macau
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Picada de marimbondo
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Carta-Prefácio de Couto Viana para Rodrigo Emílio
Carta-Prefácio de Couto Viana para Rodrigo Emílio
Deste exílio
português
que celebraste tanta vez,
venho dar-te os parabéns.
Contra o ódio e os desdéns
que te perseguem o talento,
hoje, lançam-te ao vento
da glória que mereces,
teus poemas, caudais de invectivas e preces;
sátiras de sangue
sobre quem mutilou a Pátria exangue;
os lirismos de amores
(aromas subtis de delicadas flores,
a enflorarem-te o coração);
o brado do teu não
corajoso, à nacional demência;
a resistência
e valentia
que sublimam a tua poesia;
o louvor ao herói das novas sagas,
como tu, militar em exóticas plagas.
Parabéns. Neste livro, flutuam teus versos
(quantos os desejam submersos!),
que hão-de escaldar de luz
a alma que reduz,
apontando o mais além,
a quem,
traidor, mesquinho,
quis fazer Portugal Portugalzinho.
Ao invés, tu sonhaste um alto fado,
vestido de soldado.
E a tua asa de poeta,
o teu burel de asceta
na humildade da nua solidão
recusaram o lar e o pão,
pela aleluia
da tua própria companhia.
Caro Rodrigo Emílio,
agora, em santo idílio
com Deus que te sagrou e a Virgem que cantaste,
branca rosa na haste
de Fátima dos lenços e das velas,
nunca açoitada plas procelas,
tempestades iguais aos pecados do mundo,
recebe o ser profundo,
existente na tua antologia,
nosso maior e assombroso guia.
(Também aqui saúdo quem a fez
bíblia do carácter português!).
Quem não há-de adorá-la,
evocá-la,
comungá-la,
se é o nosso pensamento em sua fala?
Templo
exemplo,
leite da nossa mãe
bebido em todo o sempre. Amen!
Sou quem busca imitar-te,
no fulgor da tua arte,
na luta sem quartel.
Perdão, se o não consigo.
Mas recolhe a admiração do amigo
António Manuel.
In Antologia Poética de Rodrigo Emílio, págs.9/10,
domingo, 20 de dezembro de 2009
Identidade
A TI MUJER DE ALMA VIVA
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Natal (poema em prosa)
Havia uma nota originalíssima no figurativo quadro clássico. Ao canto da cubata estava construído um pequeno presépio feito de adobe, com capim e folhas de palmeira, com os reis magos e pastorinhos e, deitado em esteira de mabu, o monandengue Jesus, boneco feito de pau, pintado de preto.
Eis o milagre do amor no Natal de Cristo.
Há vinte séculos Jesus Cristo nasceu, numa manjedoura, em Belém de Judeia. Mas todos os anos através dos tempos, neste dia, ele nasce nos palácios sumptuosos e choupanas da Ásia, nas vivendas ricas e casinhotas da Europa, nos arranha-céus colossais e bairros pobres das Américas, nas cidades e vilas da África, sob a música dos sinos e das harpas, e já nas sanzalas típicas da África Negra, ao som dos quissanges e marimbas.
Na sua materialidade exótica, aquele quadro da cubata revelava a verdade eterna do espírito, não ofendida nem falseada: Jesus nasce no coração de cada ser humano, em todos os povos e raças, porque Ele é, milagrosamente, o Deus-Menino de toda a gente.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Poema de Luto Pesado por Rodrigo Emílio
MAGGIOLO DE GOUVEIA e de mais sessenta
PORTUGUESES, fuzilados em TIMOR pelos
facínoras comunistas da Fretilin)
Para o Pedro Rocha, a quem este poema e
respectivo autor tantíssimo devem...
Assististe, Senhor,
à chacina de Ailéu
(algures, em Timor)?!...
Viste a morte cruenta
e sangrenta
— tal como aquela que se dá às rezes... —
que sofreram 50 ou 60
Portugueses?!...
Viste como esses perseguidos
se persignaram, em português,
por môr de Dili
— e à hora da morte, unidos,
ali ajoelharam,
uma última vez
diante de Ti?...
E viste, viste também
(à flor da ilha que lhes foi berço
e lhes foi cova duradoura),
como todos, em côro, rezaram o terço
a Tua Santa Mãe,
Nossa Senhora?!...
Não deixaste sequer de reparar
que, mal a oração final
por ali se pronuncia —
eles, todos, em coral,
desataram a cantar
ao Coração Virginal
de Maria!...
Finalmente,
puseram-se de pé.
E à frente
de tão nobre gente,
há então quem dê
um último e ardente
testemunho de fé.
É o Tenente-Coronel
MAGGIOLO DE GOUVEIA
— que não cura de salvar a pele,
mas a epopeia!
Em nome de todos, disse isto,
Senhor!,
às fardas cruéis
que os iam matar:
«Morremos por CRISTO
e por TIMOR.
Podeis
disparar».
Rodrigo Emílio
In Poemas de Braço ao Alto, págs. 98/99.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
As Belas Meninas Pardas
AS BELAS MENINAS PARDAS
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
Memória. faria hoje 72 anos ...
Meu Camarada e Amigo
Revejo tudo e redigo
meu camarada e amigo.
Meu irmão suando pão
sem casa mas com razão.
Revejo e redigo
meu camarada e amigo
As canções que trago prenhas
de ternura pelos outros
sem das minhas entranhas
como um rebanho de potros.
Tudo vai roendo a erva
daninha que me entrelaça:
canção não pode ser serva
homem não pode ser caça
e poesia tem de ser
como um cavalo que passa.
É por dentro desta selva
desta raiva deste grito
desta toada que vem
dos pulmões do infinito
que em todos vejo ninguem
revejo tudo e redigo:
Meu camarada e Amigo.
Sei bem mas mós que moendo
pouco a pouco trituraram
os ossos que estão doendo
àqueles que não falaram.
Calculo até os moinhos
puxados a ódio e sal
que a par dos monsos marinhos
vão movendo Portugal
- mas um poeta só fala
por sofrimento total!
Por isso calo e sabejo
eu que só tenho o que fiz
dando tudo mas à toa:
Amigos no Alentejo
alguns que estão em Paris
muitos que são de Lisboa.
Aonde me não revejo
é que eu sofro o meu país.
José Carlos Ary dos Santos, in «Resumo»
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Poema calado
Vontade de Deus
Um Poema de Olhares
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Um grande amor
como a vida não cabe num jardim,
como não cabe Deus no Universo
nem o meu coração dentro de mim.
A noite é mais pequena do que o luar,
e é mais vasto o perfume do que a flor.
É a onda mais alta do que o mar.
Não cabe em nenhum verso um grande amor.
Dizer em verso aquilo que se pensa,
ideia de poeta, ideia louca.
Não é bastante a frase mais extensa,
diz mais o beijo do que diz a boca.
Ninguém deve contar o seu segredo.
Versos de amor, só se os fizer assim:
como os pássaros cantam no arvoredo,
como as flores se beijam no jardim.
Que verso incomparável, infinito,
feito de sol, de misterioso brilho,
poderia dizer o que, num grito,
diz a mulher quando lhe nasce um filho?
E quando sobre nós desce a tristeza,
como desce a penumbra sobre o dia,
uma lágrima triste e sem beleza,
diz mais do que a palavra nua e fria.
Redondilha de amor... Para fazê-la,
desse-me Deus a tinta do luar,
a candeia suspensa de uma estrela
e o tinteiro vastíssimo do mar.
Fernanda de Castro - Jardim, (1928)
A minha sina
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
SE FORES À FONTE, LISBOA !
O silêncio não tem palavras
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Velada de Almas, em véspera da Perda da Independência
Velada de Almas, em véspera da Perda da Independência
À memória do 1.º cabo, António de Oliveira
Paulino, meu devoto e sempre lembrado
condutor-auto.
1.
A dois dedos da madrugada
me adianto
para o camarada
morto — e canto, canto
como quem aponta uma espada
ao espaço do próprio espanto!...
Fixar-lhe a face fechada
é agasalhá-lo no manto
do tempo que arrecada
e cujo tampo levanto
É calcorrear uma estrada
com memórias a cada canto,
entoar a mais bela balada
do desencanto.
E não há nada
que valha tanto!
A dois dedos da madrugada
— canto!, canto…
Camarada:
Em pranto, canto!
2.
Quedou sempre manhã cedo
Na vida do camarada
Que o degredo não degrada,
Vem a medo, bem-amada
E singra e sangra em segredo
(E singra e sangra, sagrada)
3.
Pelas alturas se altera
Que outra vida o persuade
A ficar, em sonho, à espera
— À espera da eternidade…
Hoje é indício de enseadas
Além-Morte (A Morte vence-o,
Com o cilício e as ciladas
Do seu solene silêncio…)
4.
Agora, ei-lo a sós
Por trás da muralha
Do sono, e da voz
Que o silêncio agasalha
Da guerra descansa,
Em paz — tal maré
Sobre quem só é lembrança
Ou mais que lembrança é.
5.
Moída mais que por mós
A memória dá recado
De um coração que por nós
Bate apesar de enterrado.
Concha do chão, sonho a sós,
Na morte o encontro marcado
Do silêncio com a voz,
Do presente com o passado.
Veio a noite, e a paz após.
De vala a vala embalado,
Ali jaz, sono sem foz,
Em solidão o soldado
Atrás do remorso atroz
Que punge e chaga do lado
De um coração que por nós
Bate apesar de enterrado…
Pela dádiva desmedida
Do eterno camarada
Levo o tempo de vencida
E trago na minha vida
A morte dele hospedada!
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Luanda
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Soneto de Inês
Dos olhos corre a água do Mondego
os cabelos parecem os choupais
Inês! Inês! Rainha sem sossego
dum rei que por amor não pode mais.
Amor imenso que também é cego
amor que torna os homens imortais.
Inês! Inês! Distância a que não chego
morta tão cedo por viver demais.
Os teus gestos são verdes os teus braços
são gaivotas poisadas no regaço
dum mar azul turquesa intemporal.
As andorinhas seguem os teus passos
e tu morrendo com os olhos baços
Inês! Inês! Inês de Portugal.
terça-feira, 10 de novembro de 2009
O FADO É PORTUGUÊS
O Fado é tão português, que, de arnês,
bateu-se em Fez;
esteve em Alcácer-Quibir;
arrostou o mar profundo
e ao Mundo
deu novo Mundo,
na senda de Descobrir!
Esteve em Malaca e Ormuz
e, à luz
do signo da Cruz,
construiu impérios novos;
da Guiné até Timor,
com ardor,
foi defensor
do Destino doutros povos!
Fê-lo Deus aventureiro:
foi guerreiro
e marinheiro;
missionário, ou de má-rês
e — vá ele p' ra' onde for —
¬cante a dor,
ou cante o amor,
o que canta é Português!
domingo, 8 de novembro de 2009
DÁ-ME UM TRAGO DE TRIPEIRO
E OS HOMENS DA TERRA...
sábado, 7 de novembro de 2009
O meu sentido
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Canto interior de uma noite fantástica
aqui estou – eu mesmo! – gritando desvairado
que há um fim por que luto
e me impede de passar ao outro lado.
ante esta passagem de nível
nada de fáceis transposições
do lado de cá – pareça embora incrível
é que me meço: princípio e fim das multidões.
não quero tudo quanto me prometem aliciantes
nada quero, se para mim nada peço,
o meu desejar é outro – o meu desejo é antes
o sesejo dos muitos com que me pareço.
quem quiser que venha comigo
nesta jornada terrena, humana e sincera
e se for só – ainda assim prossigo
num mar de tumulto, impelindo os remos sem galera
que venham glaucas ondas em voragem
que ardam fogos infernais
que até os vermes tenham a coragem
de me cuspir no rosto e no mais.
que os lobos uivem famintos
que os ventos redemoinhem furiosos
que até os répteis soltem seus instintos
e me envolvam traiçoeiros e viscosos.
que me derrubem e arremessem ao chão
que espezinhem meu corpo já cansado
à tortura e ao chicote ainda responderei não
e a cada queda – de novo serei alevantado.
e não transportarei a linha divisória
entre o meu e o outro caminho
mesmo que a minha luta não tenha glória
é no campo de combate que alinho.
assim continuarei a lutar, ai a lutar!
num perigoso mar de paixões e escolhos
e – companheiros – se neste sofrer me virdes chorar
não acrediteis em vossos olhos!
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
"UM POVO IMBECILIZADO E RESIGNADO....
"UM POVO IMBECILIZADO E RESIGNADO....
humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo,
burro de carga,
besta de nora,
aguentando pauladas,
sacos de vergonhas,
feixes de misérias,
sem uma rebelião,
um mostrar de dentes,
a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas
é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante,
não se lembrando nem donde vem,
nem onde está,
nem para onde vai;
um povo, enfim,
que eu adoro,
porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência
como que um lampejo misterioso
da alma nacional,
reflexo de astro em silêncio escuro
de lagoa morta (...)
.
Uma burguesia,
cívica e politicamente corrupta ate à medula,
não descriminando já o bem do mal,
sem palavras,
sem vergonha,
sem carácter,
havendo homens
que, honrados (?) na vida íntima,
descambam na vida pública
em pantomineiros e sevandijas,
capazes de toda a veniaga e toda a infâmia,
da mentira à falsificação,
da violência ao roubo,
donde provém que na política portuguesa sucedam,
entre a indiferença geral,
escândalos monstruosos,
absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...)
.
Um poder legislativo,
esfregão de cozinha do executivo;
este criado de quarto do moderador;
e este, finalmente, tornado absoluto
pela abdicação unânime do país,
e exercido ao acaso da herança,
pelo primeiro que sai dum ventre
- como da roda duma lotaria.
-
A justiça ao arbítrio da Política,
torcendo-lhe a vara
ao ponto de fazer dela saca-rolhas;
Dois partidos (...),
sem ideias,
sem planos,
sem convicções,
incapazes (...)
vivendo ambos do mesmo utilitarismo
céptico e pervertido, análogos nas palavras,
idênticos nos actos,
iguais um ao outro
como duas metades do mesmo zero,
e não se amalgamando e fundindo, apesar disso,
pela razão que alguém deu no parlamento,
de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)"
Guerra Junqueiro, in "Pátria", escrito em 1896
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Olhai que ledos vão
Os nossos soldados
De blusa branca de comando
De botas e camuflado
G3 ao lado
Olhai que ledos vão
Os nossos soldados
Com vigor batem na calçada
Na cadência da marcha cantam
Cânticos de guerra de Cabinda
Do Rovuma, do Cumbidjã
Olhai que orgulhosos vão
Os nossos soldados
À frente os estandartes que servem
Numa profusão de vermelhos e verdes
Com o rufar dos tambores
Sonhamos glórias
Estamos certos
Temos razão, cheira-nos vitória
Milhares de guerreiros
A uma só voz
Como uma muralha
Infundem respeito
E gritam
Estamos aqui
Estes soldados
São o espelho
Da sociedade que somos e cremos
De todas as cores e sem raças
Sem egoísmos, sem fraquezas
São heróis
Da guerra e de princípios
Estes soldados
Somos NÓS
Rui Moio, 12Jun2008. Poema concebido e elaborado pelas 16h00 no café A Presidente na avenida Conde de Valbom em frente à galeria Valbom onde se expunham quadros de Malangatana.
Avenida Marquês de Tomar
É Verão.
Há sol e sombras
Há meninas e mulheres
Adolescentes e casadoiras
Que passam ligeiras.
Há soutiens apertados
E umbigos trementes
Calças e rebordos de lingerie.
Há verdura, jovialidade e encanto.
É meio dia.
As ruas enchem-se
De gente bonita, asseada.
São mais fémeas que machos
Vintonas e trintonas
Gente não apressada
Não há crianças
Não há ruídos ensurdecedores
Não há velhos entorpecidos.
Há burguesia.
À vista não há pobreza e coisas feias.
Automóveis novos, lavados
Em andamento moderado
De tintas mais cinzentas que coloridas
Há um nome de rua
Ou de avenida
Neste Bairro Novo
Não muito quadriculado
Com um toque de intimidade
De memória, de grandeza...
Habitualmente, sem sobressalto
Desfrutam-se as estruturas
Que os nossos avós nos deixaram.
Sem ameaças de as termos que defender
De inimigos usurpadores.
Há paz e normalidade
Vive-se, vivendo.
Vê-se, vendo.
Sonha-se, sonhando.
Ouve-se, ouvindo.
Pensa-se, pensando.
E isto existe
Vê-se, do Talismã
Na cidade capital
Da minha Lisboa.
Rui Moio, 19Jun2008. Poema Avenida Marquês de Tomar, elaborado pelas 13h15 na Pastelaria Talismã, sita na Avenida Marquês de Tomar, no Bairro das Avenidas Novas, em Lisboa.
domingo, 1 de novembro de 2009
África Nossa
Feira da Ladra -1
É na Feira da Ladra que eu relembro
uma toalha velha, toda em linho,
que já serviu uma noite de Dezembro,
e agora cheira a Setembro,
como o Outono sabe a vinho.
Não valem muito mais que dois pintores
os quadros das paisagens
que eu já sei,
mas valem, pelos frutos, pelas flores
que em São Vicente das Dores,
fora de mim, eu pintei.
O que é que eu vou roubar à Feira?
Um beijo de mulher trigueira.
Aqui um coração, ali uma gravura.
É a Feira da Ladra ternura.
O que é que eu vou trazer da Feira?
Um corpo de mulher braseira.
Aqui está um lençol, bordado como dantes.
Esta Feira da Ladra é dos amantes.
E na Feira da Ladra nos vingamos
dum pouco desse tempo que morreu.
Em cada botão velho que compramos
há sempre uma corja de amos
que em Abril, Abril venceu.
Agora não compramos velharias,
tudo passado é lastro do futuro.
Nascemos para o sol todos os dias,
na nossa Feira da Ladra
já não há ladrões no escuro.
O que é que eu vou roubar à Feira?
Um beijo de mulher trigueira.
Aqui um coração, ali uma gravura.
É a Feira da Ladra ternura.
O que é que eu vou trazer da Feira?
Um corpo de mulher braseira.
Aqui está um lençol, bordado como dantes.
Eis a Feira da Ladra dos amantes.
Ary dos Santos
Sátira ao prometido aumento de vencimentos em Janeiro de 1959
Surge Janeiro frio e pardacento,
Descem da serra os lobos ao povoado;Assentam-se os fantoches em São Bento,
E o Decreto da fome é publicado.
Edita-se a novela do Orçamento;
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado.
E enquanto à fome o povo se estiola,
Certo santo pupilo de Loyola,
Mistura de judeu e de vilão,
Também faz o pequeno "sacrifício"
De trinta contos, - só! - por seu ofício,
Receber, a bem dele... e da nação.
Em 1959 no dia de uma reunião de antigos alunos, assino este soneto
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Se a minha terra é de cor!...
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Soneto de um talento
Nasci, cresci, mas não sou dono de mim
Conheço lugares, conheço pessoas, mas não sei quem sou
Perco-me mais em mim do que em lugares distantes
Fico só, mesmo rodeado de minhas "amigas" personalidades
Já ouvi dizer que sou grande e que posso ser feliz
Li diversos textos que me entusiasmam a crescer
Mas a crueldade com que me esponho diante do espelho
É maior que o maior de meus zelos por mim mesmo
E nessa infelicidade dura e crua da vida
Que mastigo devagar enquanto observo a felicidade alheia
Respiro e transpiro pudor por libertar-me
Assim, visto-me de outros "eus" para satisfazer ao mundo
E tranco minha melhor roupa dentro do armário de meu ego
Para não mostrar ao mundo todo meu talento e ser feliz uma vez ao menos
Alma viva
Se a noite tem magia?
O pensador
Foi membro fundador da União de Escritores Angolanos e da UNAP (União Nacional dos Artistas Plásticos).