Negra que vieste da sanzala
E na esteira, sobre o soalho, te estendeste,
Recusando o leito branco e macio;
Negra que trazias no corpo o cheiro do capim
E da terra molhada,
E o travo das queimadas;
Negra que trazias nos olhos castanhos
Sede de submissão,
Que tudo aceitaste em silêncio
E lentamente desnudaste o teu corpo...
Estátua de ébano,
Animada pelo sopro da lascívia
E pela febre do desejo;
Negra vinda das terras altas do Chimoio
À cidade que o branco plantou na beira-mar.
Vinda para te venderes...
Comprada a uma preta velha e desdentada,
A troco dum gramofone;
Vendida e trespassada de mão em mão.
Que é do pano branco de chita
Em que envolvias teu corpo
E escondias tua carne tremente
De tanta volúpia que guardava?
Que é da esteira gasta
em que repousou teu corpo
E vibrou tua carne?
Onde vão as noites de África,
Encharcadas de cacimba,
Impregnadas de álcool
do hálito e dos beijos?
Luminosas, serenas...
Vinham do pátio as vozes em surdina
Dos teus irmãos em cor...
Vinham do mato os gritos roucos das hienas
E o teu choro lamentoso,
De acentos prolongados,
Tal o de meninos magoados...
Tu prendias-te a mim.
Abandonava-te na esteira
E, quando o dia surgia,
No soalho nu havia a esteira nua
e nada mais.
Tinhas partido para a sanzala,
Envolta no pano de chita branca
E no silêncio molhado da cacimba
Da noite transluzente e profunda.
Eu esquecia, saciado, o segredo do teu corpo.
Fazia por te odiar...
Mas, ao sol escaldante do dia,
Queimava-me de novo,
Em ardência e secura,
A sede do teu corpo,
Até que a noite voltava,
Tudo aguando de cacimba...
E na esteira gasta
O teu corpo nu
Voltava a ser
Uma serpe negra...
negra que vieste da sanzala...
sábado, 2 de fevereiro de 2008
Negra que vieste da sanzala...
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