sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Mensagem (X)

via Carreira da Índia de Leonel Vicente em 29/02/08

Segunda Parte
Mar Português

IX
Ascensão de Vasco da Gama

Os deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o ódio da sua guerra
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,
Primeiro um movimento e depois um assombro.
Ladeiam-o, ao durar, os medos, ombro a ombro,
E ao longe o rasto ruge em nuvens e clarões.

Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões,
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.

X
Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

(”Mensagem”, Fernando Pessoa - via http://nautilus.fis.uc.pt/personal/marques/old/pessoa/mensagem.html)

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Mensagem (IX)

via Carreira da Índia by Leonel Vicente on 2/28/08

Segunda Parte
Mar Português

V
Epitáfio de Bartolomeu Dias

Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
O mar é o mesmo: já ninguém o tema!
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.

VI
Os Colombos

Outros haverão de ter
O que houvermos de perder.
Outros poderão achar
O que, no nosso encontrar,
Foi achado, ou não achado,
Segundo o destino dado.

Mas o que a eles não toca
É a Magia que evoca
O Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma luz emprestada.

(”Mensagem”, Fernando Pessoa - via http://nautilus.fis.uc.pt/personal/marques/old/pessoa/mensagem.html)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Mensagem (VIII)

via Carreira da Índia by Leonel Vicente on 2/27/08

Segunda Parte
Mar Português

IV
O Mostrengo

O mostrengo que está no fundo do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:
“El-Rei D. João Segundo!”

“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
“Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu, e disse:
“El-Rei D. João Segundo!”

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”

(”Mensagem”, Fernando Pessoa - via http://nautilus.fis.uc.pt/personal/marques/old/pessoa/mensagem.html)

Uma Casa Portuguesa

Numa casa portuguesa fica bem
pão e vinho sobre a mesa.
e se à porta humildemente bate alguém,
senta-se à mesa co'a gente.
Fica bem esta franqueza, fica bem,
que o povo nunca desmente.
A alegria da pobreza
está nesta grande riqueza
de dar, e ficar contente.

Quatro paredes caiadas,
um cheirinho á alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejos
mais o sol da primavera,
uma promessa de beijos
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!

No conforto pobrezinho do meu lar,
há fartura de carinho.
e a cortina da janela é o luar,
mais o sol que bate nela...
Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar
uma existência singela...
É só amor, pão e vinho
e um caldo verde, verdinho
a fumegar na tigela.

Quatro paredes caiadas,
um cheirinho á alecrim,
um cacho de uvas doiradas,
duas rosas num jardim,
um São José de azulejo
sob um sol de primavera,
uma promessa de beijos
dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!

Cantada por Amália Rodrigues

Tieta

Vem meu amor, vem com calor
No meu corpo se enroscar
Vem minha flor, vem sem pudor
Em seus braços me matar...(2x)

Tiêta não foi feita
Da costela de Adão
É mulher diabo
Minha própria tentação
Tiêta é a serpente
Que encantava o paraíso
Ela veio ao mundo
Prá virar nosso juízo...

Tiêta! Tiêta!
Pelos olhos de Tiêta
Me deixei guiar
Tiêta! Tiêta!
No ventre de Tiêta
Encontrei o meu lugar
Tiêta! Tiêta!
Nos seios de Tiêta
Construí meu ninho
Na bôca de Tiêta
Morrir como um passarinho...

Vem meu amor, vem com calor
No meu corpo se enroscar
Vem minha flor, vem sem pudor
Em seus braços me matar...(2x)

Tiêta do Agreste
Lua cheia de tesão
É lua, estrela, nuvem
Carregada de paixão
Tiêta é fogo ardente
Queimando o coração
Seu amor mata a gente
Mais que o solo do sertão...

Vem meu amor, vem com calor
No meu corpo se enroscar
Vem minha flor, vem sem pudor
Em seus braços me matar...

Tiêta do Agreste
Lua cheia de tesão
É lua, estrela, nuvem
Carregada de paixão
Tiêta é fogo ardente
Queimando o coração
Seu amor mata a gente
Mais que o solo do sertão...

Composição: Paulo Debétio / José Bonifácio de Oliveira Sobrinho

A Preta do Acarajé

Dez horas da noite
Na rua deserta
A preta mercando
Parece um lamento
Ê o abará
Na sua gamela
Tem molho e cheiroso
Pimenta da costa
Tem acarajé
Ô acarajé é cor
Ô la lá io
Vem benzer
Tá quentinho

Todo mundo gosta de acarajé
O trabalho que dá pra fazer que é
Todo mundo gosta de acarajé
Todo mundo gosta de abará
Ninguém quer saber o trabalho que dá
Todo mundo gosta de acarajé
O trabalho que dá pra fazer que é
Todo mundo gosta de acarajé
Todo mundo gosta de abará
Ninguém quer saber o trabalho que dá
Todo mundo gosta de abará
Todo mundo gosta de acarajé

Dez horas da noite
Na rua deserta
Quanto mais distante
Mais triste o lamento
Ê o abará

Vida de Viajante

Minha vida é andar
Por este país
Prá ver se um dia
Descanso feliz
Guardando a recordação
Das terras onde passei
Andando pelos sertões
Dos amigos que lá deixei...

Chuva e sol
Poeira e carvão
Longe de casa
Sigo o roteiro
Mais uma estação
(Necunecuné!)
E a saudade no coração...

Minha vida é andar
Por este país
Prá ver se um dia
Descanso feliz
Guardando a recordação
Das terras onde passei
Andando pelos sertões
Dos amigos que lá deixei...

Mar e terra
Inverno e verão
Mostro um sorriso
Mostro alegria
Mas eu mesmo não
(Necunecuné!)
E a saudade no coração...

Chuva e sol
Poeira e carvão
Longe de casa
Sigo o roteiro
Mais uma estação
(Necunecuné!)
E a saudade no coração...

Minha vida é andar
Por este país
Prá ver se um dia
Descanso feliz
Guardando a recordação
Das terras onde passei
Andando pelos sertões
Dos amigos que lá deixei...

Mar e terra
Inverno e verão
Mostro um sorriso
Mostro alegria
Mas eu mesmo não
(Necunecuné!)
E a saudade no coração...

Chuva e sol
Poeira e carvão
Longe de casa
Sigo o roteiro
Mais uma estação
E a saudade no coração...

Mar e terra
Inverno e verão
Mostro um sorriso
Mostro alegria
Mas eu mesmo não
(Necunecuné!)
E a saudade no coração...

Chuva e sol
Poeira e carvão
Longe de casa
Sigo o roteiro
Mais uma estação
Necunecuné
E a saudade no coração...

Necunecuné, Né Né!
Necunecuné, Né Né!...

Lenine

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Mensagem (VII)

via Carreira da Índia by Leonel Vicente on 2/26/08

Segunda Parte
Mar Português

III
Padrão

O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.

(”Mensagem”, Fernando Pessoa - via http://nautilus.fis.uc.pt/personal/marques/old/pessoa/mensagem.html)

When I fall in love


When I fall in love
It will be forever
Or I'll never fall in love

In a restless world
Like this is
Love is ended before it's begun
And too many
Moonlight kisses
Seem to cool in the warmth of the sun

When I give my heart
I give it completely
Or I'll never give my heart

And the moment I can feel that you feel that way too
Is when I fall in love with you

Fonre: letra da canção "When I Fall in Love"

ANSIEDAD (EN ESPAñOL - NAT KING COLE

Ansiedad, de tenerte en mis brazos
Musicando,... palabras de amor
Ansiedad, de tener tus encantos
Y en la boca, volverte a besar

Tal vez este llorando mis pensamientos
Mis lagrimas son perlas que caen al mar
Y el eco adormecido, de este lamento
Hace que este presente en mi soñar

Quizás este llorando al recordarme
Estreche mi retrato con frenesi
Hasta tu oido llegue la melodia selvaje
Y el eco de la pena de estar sin ti.

Ansiedad, de tenerte en mis brazos
Musicando,... palabras de amor
Ansiedad, de tener tus encantos
Y en la boca, volverte a besar

Nota Pessoal
Convido-te amigo a ouvires a Ansiedad tão bem cantada pelo saudoso Nat king Cole, desta vez, pela voz de Javier Solis e, no vídeo a seguir, a Ansiedad com importações musicais do folclore índio.
Rui Moio



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Mensagem (VI)

via Carreira da Índia by Leonel Vicente on 2/25/08

Segunda Parte
Mar Português

II
O Horizonte

Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
‘Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa -
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp’rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade.

(”Mensagem”, Fernando Pessoa - via http://nautilus.fis.uc.pt/personal/marques/old/pessoa/mensagem.html)

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Vou-me embora pró passado



"No rastro da Bandeira de Manuel"

Vou-me embora pro passado
Lá sou amigo do rei
Lá tem coisas "daqui, ó!"
Roy Rogers, Buc Jones
Rock Lane, Dóris Day
Vou-me embora pro passado.

Vou-me embora pro passado
Porque lá, é outro astral
Lá tem carros Vemaguet
Jeep Willes, Maverick
Tem Gordine, tem Buick
Tem Candango e tem Rural.

Lá dançarei Twist
Hully-Gully, Iê-iê-iê
Lá é uma brasa mora!
Só você vendo pra crê
Assistirei Rim Tim Tim
Ou mesmo Jinne é um Gênio
Vestirei calças de Nycron
Faroeste ou Durabem
Tecidos sanforizados
Tergal, Percal e Banlon
Verei lances de anágua
Combinação, califon
Escutarei Al Di Lá
Dominiqui Niqui Niqui
Me fartarei de Grapette
Na farra dos piqueniques
Vou-me embora pro passado.

No passado tem Jerônimo
Aquele Herói do Sertão
Tem Coronel Ludugero
Com Otrope em discussão
Tem passeio de Lambreta
De Vespa, de Berlineta
Marinete e Lotação.

Quando toca Pata Pata
Cantam a versão musical"
Tá Com a Pulga na Cueca"
E dançam a música sapeca
Ô Papa Hum Mau Mau
Tem a turma prafrentex
Cantando Banho de Lua
Tem bundeira e piniqueira
Dando sopa pela rua
Vou-me embora pro passado.

Vou-me embora pro passado
Que o passado é bom demais!
Lá tem meninas "quebrando"
Ao cruzar com um rapaz
Elas cheiram a Pó de Arroz
Da Cachemere Bouquet
Coty ou Royal Briar
Colocam Rouge e Laquê
English Lavanda Atkinsons
Ou Helena Rubinstein
Saem de saia plissada
Ou de vestido Tubinho
Com jeitinho encabulado
Flertando bem de fininho.

E lá no cinema Rex
Se vê broto a namorar
De mão dada com o guri
Com vestido de organdi
Com gola de tafetá.

Os homens lá do passado
Só andam tudo tinindo
De linho Diagonal
Camisas Lunfor, a tal
Sapato Clark de cromo
Ou Passo-Doble esportivo
Ou Fox do bico fino
De camisas Volta ao Mundo
Caneta Shafers no bolso
Ou Parker 51
Só cheirando a Áqua Velva
A sabonete Gessy
Ou Lifebouy, Eucalol
E junto com o espelhinho
Pente Pantera ou Flamengo
E uma trunfinha no quengo
Cintilante como o sol.

Vou-me embora pro passado
Lá tem tudo que há de bom!
Os mais velhos inda usam
Sapatos branco e marrom
E chapéu de aba larga
Ramenzone ou Cury Luxo
Ouvindo Besame Mucho
Solfejando a meio tom.

No passado é outra história!
Outra civilização...
Tem Alvarenga e Ranchinho
Tem Jararaca e Ratinho
Aprontando a gozação
Tem assustado à Vermuth
Ao som de Valdir Calmon
Tem Long-Play da Mocambo
Mas Rosenblit é o bom
Tem Albertinho Limonta
Tem também Mamãe Dolores
Marcelino Pão e Vinho
Tem Bat Masterson, tem
LesseTúnel do Tempo, tem Zorro
Não se vê tantos horrores.

Lá no passado tem corso
Lança perfume Rodouro
Geladeira Kelvinator
Tem rádio com olho mágico
ABC a voz de ouro
Se ouve Carlos Galhardo
Em Audições Musicais
Piano ao cair da tarde
Cancioneiro de Sucesso
Tem também Repórter
EssoCom notícias atuais.

Tem petisqueiro e bufê
Junto à mesa de jantar
Tem bisqüit e bibelô
Tem louça de toda cor
Bule de ágata, alguidar
Se brinca de cabra cega
De drama, de garrafão
Camoniboi, balinheira
De rolimã na ladeira
De rasteira e de pinhão.

Lá, também tem radiola
De madeira e baquelita
Lá se faz caligrafia
Pra modelar a escrita
Se estuda a tabuada
De Teobaldo Miranda
Ou na Cartilha do Povo
Lendo Vovô Viu o Ovo
E a palmatória é quem manda.

Tem na revista O Cruzeiro
A beleza feminina
Tem misse botando banca
Com seu maiô de elanca
O famoso Catalina
Tem cigarros Yolanda
Continental e Astória
Tem o Conga Sete Vidas
Tem brilhantina Glostora
Escovas Tek, Frisante
Relógio Eterna Matic
Com 24 rubis
Pontual a toda hora.

Se ouve página sonora
Na voz de Ângela Maria
"— Será que sou feia?
— Não é não senhor!
— Então eu sou linda?
— Você é um amor!..."
Quando não querem a paquera
Mulheres falam: "Passando,
Que é pra não enganchar!"
"Achou ruim dê um jeitim!"
"Pise na flor e amasse!"
E AI e POFE! e quizila
Mas o homem não cochila
Passa o pano com o olhar
Se ela toma Postafen
Que é pra bunda aumentar
Ele empina o polegar
Faz sinal de "tudo X"
E sai dizendo "Ô Maré!
Todo boy, mancando o pé
Insistindo em conquistar.

No passado tem remédio
Pra quando se precisar
Lá tem Doutor de família
Que tem prazer de curar
Lá tem Água Rubinat
Mel Poejo e Asmapan
Bromil e Capivarol
Arnica, Phimatosan
Regulador Xavier
Tem Saúde da Mulher
Tem Aguardente Alemã
Tem também Capiloton
Pentid e Terebentina
Xarope de Limão Brabo
Pílulas de Vida do Dr. Ross
Tem também aqui pra nós
Uma tal Robusterina
A saúde feminina.

Vou-me embora pro passado
Pra não viver sufocado
Pra não morrer poluído
Pra não morar enjaulado
Lá não se vê violência
Nem droga nem tanto mau
Não se vê tanto barulho
Nem asfalto nem entulho
No passado é outro astral
Se eu tiver qualquer saudade
Escreverei pro presente
E quando eu estiver cansado
Da jornada, do batente
Terei uma cama Patente
Daquelas do selo azul
Num quarto calmo e seguro
Onde ali descansarei
Lá sou amigo do rei
Lá, tem muito mais futuro
Vou-me embora pro passado

(N.A. Poema inspirado na leitura do livro Memorial de Marco Polo Guimarães, Edições Bagaço; em conversa antiga; e em outros poemas meus.)

La vuelta

Al cabo de los años del destierro
volví a la casa de mi infancia
y todavía me es ajeno su ámbito.
mis manos han tocado los árboles
como quien acaricia a alguien que duerme
y he repetido antiguos caminos
como si recobrara un verso olvidado
y vi al desparramarse la tarde
la frágil luna nueva
que se arrimó al amparo sombrío
de la palmera de hojas altas,
como a su nido el pájaro.
¡Qué caterva de cielos
abarcará entre sus paredes el patio,
cuánto heroico poniente
militará en la hondura de la calle
y cuánta quebradiza luna nueva
infundirá al jardín su ternura,
antes que vuelva a reconocerme la casa
y de nuevo sea un hábito!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Mensagem (V)

via Carreira da Índia de Leonel Vicente em 22/02/08

Segunda Parte
Mar Português

I
O Infante

Deus quere, o homem sonha, a obra nasce,
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

(”Mensagem”, Fernando Pessoa - via http://nautilus.fis.uc.pt/personal/marques/old/pessoa/mensagem.html)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Mensagem (IV)

via Carreira da Índia de Leonel Vicente em 21/02/08

Primeira Parte
Brasão

V
O Timbre

A Cabeça do grifo
O Infante D. Henrique

Em seu trono entre o brilho das esferas,
Com seu manto de noite e solidão,
Tem aos pés o mar novo e as mortas eras -
O único imperador que tem, deveras,
O globo mundo em sua mão.

Uma Asa do Grifo
D. João o Segundo

Braços cruzados, fita lém do mar.
Parece em promontório uma alta serra -
O limite da terra a dominar
O mar que possa haver além da terra.

Seu formidável vulto solitário
Enche de estar presente o mar e o céu,
E parece tremer o mundo vário
Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu.

A Outra Asa do Grifo
Afonso de Albuquerque

De pé, sobre os países conquistados
Desce os olhos cansados
De ver o mundo e a injustiça e a sorte.
Não pensa em vida ou morte,
Tão poderoso que não quere o quanto
Pode, que o querer tanto
Calcara mais do que o submisso mundo
Sob o seu passo fundo.
Três impérios do chão lhe a Sorte apanha.
Criou-os como quem desdenha.

(”Mensagem”, Fernando Pessoa - via http://nautilus.fis.uc.pt/personal/marques/old/pessoa/mensagem.html)

Mensagem (III)

via Carreira da Índia de Leonel Vicente em 20/02/08

Primeira Parte
Brasão

III
As Quinas

Terceira
D. Pedro, Regente de Portugal

Claro em pensar, e claro no sentir,
É claro no querer;
Indeferente ao que há em conseguir
Que seja só obter;
Dúplice dono, sem me dividir,
De dever e de ser -

Não me podia a Sorte dar guarida
Por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
Calmo sob mudos céus,
Fiel à palavra dada e à ideia tida.
Tudo mais é com Deus!

Quarta
D. João, Infante de Portugal

Não fui alguém. Minha alma estava estreita
Entre tão grandes almas minhas pares,
Inutilmente eleita,
Virgemmente parada;

Porque é do português, pai de amplos mares,
Querer, poder só isto:
O inteiro mar, ou a orla vã desfeita -
O todo, ou o seu nada.

Quinta
D. Sebastião, Rei de Portugal

Louco, sim, louco, porque quis minha grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

(”Mensagem”, Fernando Pessoa - via http://nautilus.fis.uc.pt/personal/marques/old/pessoa/mensagem.html)

Mensagem (II)

via Carreira da Índia de Leonel Vicente em 19/02/08

Primeira Parte
Brasão

III
As Quinas

Primeira
D. Duarte, Rei de Portugal

Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
A regra de ser Rei almou meu ser,
Em dia e letra escrupuloso e fundo.

Firme em minha tristeza, tal vivi.
Cumpri contra o Destino o meu dever.
Inutilmente? Não, porque o cumpri

Segunda
D. Fernando, Infante de Portugal

Deu-me Deus o seu gládio, porque eu faça
A sua santa guerra.
Sagrou-me seu em honra e em desgraça,
Às horas em que um frio vento passa
Por sobre a fria terra.

Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me
A fronte com o olhar;
A esta febre de Além, que me consome,
E este querer grandeza são seu nome
Dentro de mim a vibrar.

E eu vou, e a luz do gládio erguido dá
Em minha face calma.
Cheio de Deus, não temo o que virá,
Pois, venha o que vier, nunca será
Maior do que a minha alma.

(”Mensagem”, Fernando Pessoa - via http://nautilus.fis.uc.pt/personal/marques/old/pessoa/mensagem.html)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados,
Para chorar e fazer chorar,
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses,
Mãos para colher o que foi dado,
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida;
Uma tarde sempre a esquecer,
Uma estrêla a se apagar na treva,
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar,
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sôbre um berço,
Um verso, talvez, de amor,
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E que por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre,
Para a participação da poesia,
Para ver a face da morte -
De repente, nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte apenas

Vemos, ouvimos e lemos / Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome
O caminho da injustiça
A linguagem do terror

A bomba de Hiroshima
Vergonha de nós todos
Reduziu a cinzas
A carne das crianças

D’África e Vietname
Sobe a lamentação
Dos povos destruídos
Dos povos destroçados

Nada pode apagar
O concerto dos gritos
O nosso tempo é
Pecado organizado

(Sophia de Mello Breyner Andresen

O que é que a baiana tem?

O que é que a baiana tem?
Que é que a baiana tem?
Tem torço de seda, tem! Tem brincos de ouro, tem!
Corrente de ouro, tem! Tem pano-da-Costa, tem!
Tem bata rendada, tem! Pulseira de ouro, tem!
Tem saia engomada, tem! Sandália enfeitada, tem!
Tem graça como ninguém
Como ela requebra bem!
Quando você se requebrar
Caia por cima de mim
Caia por cima de mim
Caia por cima de mim
O que é que a baiana tem?
Que é que a baiana tem?
Tem torço de seda, tem! Tem brincos de ouro, tem!
Corrente de ouro, tem! Tem pano-da-Costa, tem!
Tem bata rendada, tem! Pulseira de ouro, tem!
Tem saia engomada, tem! Sandália enfeitada, tem!
Só vai no Bonfim quem tem
O que é que a baiana tem?
Só vai no Bonfim quem tem
Um rosário de ouro, uma bolota assim
Quem não tem balangandãs não vai no Bonfim
Um rosário de ouro, uma bolota assim
Quem não tem balangandãs não vai no Bonfim
Oi, não vai no Bonfim
Oi, não vai no Bonfim
Um rosário de ouro, uma bolota assim
Quem não tem balangandãs não vai no Bonfim
Oi, não vai no Bonfim
Oi, não vai no Bonfim

ELOGIO DO REVOLUCIONÁRIO

Quando aumenta a repressão, muitos desanimam.
Mas a coragem dele aumenta.
Organiza sua luta pelo salário, pelo pão
e pela conquista do poder.
Interroga a propriedade:
De onde vens?
Pergunta a cada idéia:
Serves a quem?
Ali onde todos calam, ele fala
E onde reina a opressão e se acusa o destino,
ele cita os nomes.
À mesa onde ele se senta
se senta a insatisfação.
A comida desce mal e a sala se torna estreita.
Aonde vai há revolta
e de onde o expulsam
persiste a agitação.

Carta de Che Guevara aos seus filhos no dia da sua captura


"A mis hijos

Queridos Hildita, Aleidita, Camilo, Celia y Ernesto:

Si alguna vez tienen que leer esta carta, será porque yo no esté entre Uds.

Casi no se acordarán de mi y los más chiquititos no recordarán nada.

Su padre ha sido un hombre que actúa como piensa y, seguro, ha sido leal a sus convicciones.

Crezcan como buenos revolucionários. Estudien mucho para poder dominar la técnica que permite dominar la naturaleza. Acuérdense que la revolución es lo importante y que cada uno de nosotros, solo, no vale nada. Sobre todo, sean siempre capaces de sentir en lo más hondo cualquier injusticia cometida contra cualquiera en cualquier parte del mundo. Es la cualidad más linda de un revolucionario.

Hasta siempre, hijitos, espero verlos todavia. Um beso grandote y un gran abrazo de

Papá"

Soldadito Boliviano

I

Soldadito de Bolivia,
soldadito boliviano,
armado vas con tu rifle,
que es un rifle americano,
soldadito de Bolivia,
que es un rifle americano.

II

Te lo dio el señor Barrientos,
soldadito boliviano,
regalo de mister Johnson,
para matar a tu hermano,
para matar a tu hermano,
soldadito de Bolivia,
para matar a tu hermano.

III

¿No sabes quien es el muerto,
soldadito boliviano?
El muerto es el Che Guevarra,
y era argentino y cubano,
soldadito de Bolivia,
y era argentino y cubano.

IV

El fue tu mejor amigo,
soldadito boliviano,
el fue tu amigo de a pobre
del Oriente al altiplano,
del Oriente al altiplano,
soldadito de Bolivia,
del Oriente al altiplano.

V

Esta mi guitarra entera,
soldadito boliviano,
de luto, pero no llora,
aunque llorar es humano,
aunque llorar es humano,
soldadito de Bolivia,
aunque llorar es humano.

VI

No llora porque la hora,
soldadito boliviano,
no es de lagrima y pañuelo,
sino de machete en mano,
sino de machete en mano,
soldadito de Bolivia,
sino de machete en mano.

VII

Con el cobre que te paga,
soldadito boliviano,
que te vendes, que te compra,
es lo que piensa el tirano,
es lo que piensa el tirano,
soldadito de Bolivia,
es lo que piensa el tirano.

VIII

Despierta, que ya es de día,
soldadito boliviano,
esta en pie ya todo mundo,
porque el sol salió temprano,
porque el sol salió temprano,
soldadito de Bolivia,
porque el sol salió temprano.

IX

Coge el camino derecho,
soldadito boliviano;
no es siempre camino fácil,
no es fácil siempre ni llano,
no es fácil siempre ni llano,
soldadito de Bolivia,
no es fácil siempre ni llano.

X

Pero aprenderás seguro,
soldadito boliviano,
que a un hermano no se mata,
que no se mata a un hermano,
que no se mata a un hermano,
soldadito de Bolivia,
que no se mata a un hermano.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Recomeça...

Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Mensagem (I)

via Carreira da Índia by Leonel Vicente on 2/18/08

Primeira Parte
Brasão

II
Os Castelos

Sexto
D. Dinis

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.

Sétimo (I)
D. João o Primeiro

O homem e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó
A terra espreita.

Mestre, sem o saber, do Templo
Que Portugal foi feito ser,
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender.

Teu nome, eleito em sua fama,
É, na ara da nossa alma interna,
A que repele, eterna chama,
A sombra eterna.

Sétimo (II)
D. Filipa de Lencastre

Que enigma havia em teu seio
Que só génios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio
Velar, maternos, um dia?

Volve a nós o teu rosto sério,
Princesa do Santo Gral,
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal!

(”Mensagem”, Fernando Pessoa - via http://nautilus.fis.uc.pt/personal/marques/old/pessoa/mensagem.html)

Não sou eu quem me navega / Quem me navega é o mar



E quanto mais remo mais rezo
Para nunca mais acabar
Essa viagem que faço
O mar em torno do mar
Meu velho um dia falou
Com seu jeito de avisar
Olha o mar não tem cabelos
Que a gente possa agarrar

Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar

Ele que me carrega
Como me fosse levar
Ele que me carrega
Como me fosse levar

De medo como nunca fui
Que eu não sou de velejar
O leme da minha vida
Deus é quem faz governar
Quando alguém me pergunta
Como se faz p'ra nadar
Explico que eu não navego
Quem me navega é o mar

Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar

Ele que me carrega
Como me fosse levar
Ele que me carrega
Como me fosse levar

A rede do meu destino
Parece dum pescador
Quando retorna vazia
Vem carregada de dor

Vivo num redemoinho
Deus bem sabe o que ele faz
A onda que me carrega
Ela mesma é que me trás

Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar

Ele que me carrega
Como se fosse levar
Ele que me carrega
Como se fosse levar
Ele que me carrega
Como me fosse levar
Ele que me carrega
Como me fosse levar

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Hino do Colégio "Nossa Senhora de Fátima" de Moçamedes

Meu colégio tão querido
Meu vergel de campos d'oiro
Meu canteiro preferido
Meu trigal, inda não loiro.

Somos as flores mimosas
Do jardim no areal
Só tu nos guardas viçosas
Do leste sopro do mal.

À frente o mar buliçoso
sempre de lá a acenar
Lá longe, ao lago,
É forçoso
Querer orar, trabalhar.

Bem perto além o desero
mensagem nova lição
Vive em paz
Quem é discreto,
Guarda a língua e o coração.

Aprendi nos bancos teus
A lição que vou guardar
A familia, a Pátria e a Deus
Ama com amor sem par.

Quando te deixar um dia
Hei-de guardar em meu peito
Esta eterna melodia
De gratidão e respeito!

Moçâmedes namoradeira


Moçâmedes namoradeira
Joia de rara beleza
Eu canto à minha maneira
Os teus dotes de Princesa

És uma cidade bela
Tão bela que as outras são
Desta África singela
Que trago no coração

Tens ruas tão lindas catitas
Para passear
Moçoilas jovens e bonitas
que são de encantar
Assim sozinha no deserto
Formaste um condado
E a brisa do mar
Vens nos cantar
Um triste Fado

Conversas amenas e alegres
Pelas esplanadas
E prédios tão lindos catitas
De lindas fachadas

Jardins que são uma saudade
E parques também
Tens a felicidade
De seres bem parecida
Com a terra mãe

E denoite
Teu céu estrelado
Lembras-me a minha terra
Da qual me vi separado
Ao ser chamado
P'ra a guerra

Tens assim a nostalgia
da terra onde nasci
Se para ti não voltar um dia
Nunca me esqueço de ti


Nota: Alguém sabe dizer quem foi o autor/a desta linda poesia?
Conheço letra e a música, mas não me recordo do autor/autora. Maria Teresa da Ressurreição?

Fonte: Gente do meu tempo - Post de 05Nov2007

Hagamos un trato

Compañera
usted sabe
puede contar
conmigo
no hasta dos
o hasta diez
sino contar
conmigo

si alguna vez
advierte
que la miro a los ojos
y una veta de amor
reconoce en los míos
no alerte sus fusiles
ni piense qué delirio
a pesar de la veta
o tal vez porque existe
usted puede contar
conmigo

si otras veces
me encuentra
huraño sin motivo
no piense qué flojera
igual puede contar
conmigo

pero hagamos un trato
yo quisiera contar
con usted

es tan lindo

saber que usted existe
uno se siente vivo
y cuando digo esto
quiero decir contar
aunque sea hasta dos
aunque sea hasta cinco
no ya para que acuda
presurosa en mi auxilio
sino para saber
a ciencia cierta
que usted sabe que puede
contar conmigo.

Fin

Cuando sientas tu herida sangrar
cuando sientas tu voz sollozarcuenta conmigo
(de una canción de CARLOS PUEBLA)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Eu

O homem de génio diz: eu sou.
O poderoso afirma: eu posso.
O rico diz: eu tenho.
O ambicioso: eu quero.
Eu! Eu! Eu!
E, afinal,
esses que vivem sós, completamente sós,
quanto dariam para como tu,
ou como eu,
dizerem simplesmente: nós.

Perdão

Aqui me tens, meu Deus, em confissão.
Não roubei. Não matei. Não caluniei.
Mas nem sempre segui a tua lei,
nem sempre fui a irmã do meu irmão.
Não recusei aos outros o meu pão.
Amor, algumas vezes, recusei.
Mas por tudo o que dei e o que não dei,
eu te peço, meu Deus, o meu perdão.
Perdão para os meus pecados conscientes
e para os meus pecados inocentes,
para o mal que já fiz e ainda fizer ...
Perdão para esta culpa original,
para este longo e complicado mal:
o crime sem perdão de ser mulher.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Bejos

Hay besos que pronuncian por sí solos
la sentencia de amor condenatoria,
hay besos que se dan con la mirada
hay besos que se dan con la memoria.

Hay besos silenciosos, besos nobles
hay besos enigmáticos, sinceros
hay besos que se dan sólo las almas
hay besos por prohibidos, verdaderos.

Hay besos que calcinan y que hieren,
hay besos que arrebatan los sentidos,
hay besos misteriosos que han dejado
mil sueños errantes y perdidos.

Hay besos problemáticos que encierran
una clave que nadie ha descifrado,
hay besos que engendran la tragedia
cuantas rosas en broche han deshojado.

Hay besos perfumados, besos tibios
que palpitan en íntimos anhelos,
hay besos que en los labios dejan huellas
como un campo de sol entre dos hielos.

Hay besos que parecen azucenas
por sublimes, ingenuos y por puros,
hay besos traicioneros y cobardes,
hay besos maldecidos y perjuros.

Judas besa a Jesús y deja impresa
en su rostro de Dios, la felonía,
mientras la Magdalena con sus besos
fortifica piadosa su agonía.

Desde entonces en los besos palpita
el amor, la traición y los dolores,
en las bodas humanas se parecen
a la brisa que juega con las flores.

Hay besos que producen desvaríos
de amorosa pasión ardiente y loca,
tú los conoces bien son besos míos
inventados por mí, para tu boca.

Besos de llama que en rastro impreso
llevan los surcos de un amor vedado,
besos de tempestad, salvajes besos
que solo nuestros labios han probado.

¿Te acuerdas del primero...? Indefinible;
cubrió tu faz de cárdenos sonrojos
y en los espasmos de emoción terrible,
llenaron sé de lágrimas tus ojos.

¿Te acuerdas que una tarde en loco exceso
te vi celoso imaginando agravios,
te suspendí en mis brazos... vibró un beso,
y qué viste después...? Sangre en mis labios.

Yo te enseñe a besar: los besos fríos
son de impasible corazón de roca,
yo te enseñé a besar con besos míos
inventados por mí, para tu boca.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Pai-Natal

Pai-Natal
Gorducho como és,
Com esse ventre obeso,
Como podes passar nas chaminés
Sem ficar preso?!

E como podes inda, sem perigo,
Com essas botas grossas, quando avanças,
Não perturbar o sono das crianças
Que adormeceram a sonhar contigo?!

Como podes passar,
Com essas barbas longas e nevadas,
Sem medo de assustar
Crianças que se encontram acordadas?!

Eu sei!
Eu digo-te a razão,
Embora se me parta o coração!

É que tu, risonho Pai-Natal,
Só entras em palácios de cristal,
Por chaminés de mármore e jade
Onde o rotundo ventre
Passe, deslize e entre,
Libérrimo, em perfeito à vontade!

Como podem as botas vigorosas
Rangerem um momento,
Se alcatifas caras, preciosas,
Se espreguiçam por todo o pavimento!

Nem podes assustar
Crianças que se encontram acordadas,
Porque tens o cuidado de tirar
Essas revoltas barbas já nevadas!

E, assim, é,
Risonho Pai-Natal de riso e gestos ledos,
Vais aos palácios ricos, por teu pé,
Vazar o grande saco de brinquedos!

Antes fosses, risonho Pai-Natal,
Na noite friorenta,
De portal em portal,
De tormenta em tormenta!

E descesses aos lares pobrezinhos
Onde há doridas mães talvez chorando,
Ao seio acalentando
Os pálidos filhinhos!

Ou fosses campo em fora, em longas caminhadas,
A descobrir crianças sem abrigo,
Adormecidas, nuas, regeladas,
E ainda a sonhar contigo!

Mas não são esses, não, os teus caminhos,
Tu que vestes veludos e arminhos!

Quando Jesus nasceu,
No rigoroso frio do Inverno,
Nu e natural,
Sem outra benção que o olhar materno,
Sem mais calor que um bafo irracional.
Onde é que estavas tu, oh! Pai-Natal?!
Por onde andavas tu, oh! Pai-Natal?!

Sei bem onde é que estavas!
Sei bem por onde andavas!

Andavas, entre risos e folguedos,
Já com as barbas brancas e os bigodes,
A despejar saco de brinquedos,
-Na chaminé de Herodes!

Angelino da Silva Jardim
Moçâmedes. Natal de 1964

Fonte: blogue "Gente do meu tempo" - post de 15Nov2007

EMBONDEIRO

Irei amar-te,
Embondeiro
Meu tronco seco no teu,
Braços que vão pocurar
Outros que buscam o céu,
que nesse monte cimeiro
onde vives desolado,
Vou cobrir teu peito nu.
Com o meu cabelo enrolado!


Na solidão... eu e tu.


Estendo tuas raízes
A dar seiva a quem passa,
Agente que passa a rir,
Fingindo que são felizes
Num mundo todo a ruir.


Ao menino deserdado,
mais pobrinho,
mais sozinho,
Que brinca lá na lagoa,
Dou teu fruto aveludado
Para fazer uma canoa.


Dou o teu ventre fibroso,
A mendigo desditoso,
Por abigo em noite fria;
E as feras mansas, tremendo,
No medo sem companhia.


Nós vamos rindo embondeiro
Desse teu monte cimeiro,
De quem ri da solidão.
De ti, que não vales nada,
Nem dás tábua para caixão


Como é bom ser esse nada!...
Não dar tábua serrada,
Não ser madeira forrada,
A transportar podridão!...

....

Concha Pinhão foi a vencedora do 1º prémio dos Jogos florais das «x Festas do Mar» 1971, com o poema «Embondeiro»

Fonte: Blogue "Gente do meu tempo" - post de 09Fev2008

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

QUEDA PROHIBIDO!

Queda prohibido llorar sin aprender,
levantarte un día sin saber que hacer,
tener miedo a tus recuerdos.

Queda prohibido no sonreír a los problemas,
no luchar por lo que quieres,
abandonarlo todo por miedo,
no convertir en realidad tus sueños.

Queda prohibido no demostrar tu amor,
hacer que alguien pague tus deudas y el mal humor.

Queda prohibido dejar a tus amigos,
no intentar comprender lo que vivieron juntos,
llamarles solo cuando los necesitas.

Queda prohibido no ser tú ante la gente,
fingir ante las personas que no te importan,
hacerte el gracioso con tal de que te recuerden,
olvidar a toda la gente que te quiere.

Queda prohibido no hacer las cosas por ti mismo,
tener miedo a la vida y a sus compromisos,
no vivir cada día como si fuera un ultimo suspiro.

Queda prohibido echar a alguien de menos sin alegrarte,
olvidar sus ojos, su risa,
todo porque sus caminos han dejado de abrazarse,
olvidar su pasado y pagarlo con su presente.

Queda prohibido no intentar comprender a las personas,
pensar que sus vidas valen mas que la tuya,
no saber que cada uno tiene su camino y su dicha.

Queda prohibido no crear tu historia,
no tener un momento para la gente que te necesita,
no comprender que lo que la vida te da, también te lo quita.

Queda prohibido no buscar tu felicidad,
no vivir tu vida con una actitud positiva,
no pensar en que podemos ser mejores,
no sentir que sin ti este mundo no sería igual.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Pátria Minha

A minha pátria é como se não fosse, é íntima

Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes."

"Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, página 383.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

PERENIDADE

Se eu não fosse poeta,
O dia de hoje seria apenas
Segunda feira.
Igual a tantos outros,
De trabalho, de pressa e de canseira
E apagado nas horas.
Assim foi singular.
Ocioso,
Moroso
E repousado,
E teve
A duração num verso demorado.
Dez sílabas que agora
O amanhecem
E anoitecem
No meu ouvido,
Depois de acontecido.

in Diário XV, Miguel Torga, 06-01-1989

ESPERANÇA

O poema quer nascer das trevas.
Está nas palavras, e não as sei.
É como um filho que não tem caminho
No ventre da mãe.
Dói,
Dói,
Mas a negar-me teimosamente
A todos os acenos libertadores
Do desespero dilacerado.
No silêncio cansado
E paciente
Canta um galo vidente.
E diz que cada dia
Que anuncia
É sempre um dia novo
De renovo
E poesia.

Coimbra, 31 de Dezembro de 1989
Fonte: Poesia Completa II - Miguel Torga

O universo não é uma idéia minha

O universo não é uma idéia minha.
A minha idéia do Universo é que é uma idéia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha idéia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.

Quando tornar a vir a Primavera

Quando tornar a vir a Primavera
Talvez já não me encontre vivo no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a Primavera nem sequer é uma coisa:
É uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.

Falas da civilização, e de não dever ser

Falas da civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as coisas humanas postas desta maneira,
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seriam melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te queria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as coisas fossem como tu queres, seriam diferentes: eis tudo.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!

Não basta abrir a janela

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver a janela se a janela se abrisse
Que nunca é o que vê quando se abre a janela.

A espantosa realidade das cousas

A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Patrão-Mor da Ilha Brava

Quando o navio lançou ferro, ao largo da Ilha,
Veio a bordo toda a gente grada da terra,
Os mulatos olhavam os brancos
com saudade da cor branca que não tinham,
Os ilhéus olhavam os navegantes
com saudade do mundo que não conheciam.

Vendiam-se coisas podres no tombadilho;
Era quase esmola comprar.
O culto do patrão-mor, com seu boné de pala,
Impressionou a imaginação do pequenino viajante:
Ser patrão-mor naquela ilha oceânica,
Ter por limite o mar,
Entrada franca nos vapores,
Um boné de pala reluzente
E um bote, da terra para o navio
e do navio para terra,
E aquela casinha à beira do cais!
Primeira noção de autoridade,
Primeira ambição de mando...

A Ilha ficou para trás,
perdida no mar oceano.
Tão pequenina, a ilha, ficou perdida;
Nunca mais, nas voltas do mundo,
O navegante a reencontrou.
Mas durante os anos que decorreram,
De infância,
Muita vez recordou o patrão-mor;
E ao sonho da carreiras que lhe arquitectavam
Antepunha o seu sonho;

- Quero ser patrão-mor na Ilha Brava,
Ter um boné de pala e um bote
e uma casa á beira do cais,
Quero mandar nos navios que partem
e nos navios que chegam,
Ser senhor na Ilha e no mar.
Quero ser patrão-mor na Ilha Brava!

O sonho não teve realização.
Nunca os sonhos têm realização.
Foi muita coisa na vida,
Mas não foi patrão-mor na Ilha Brava.
Percorreu outros mares,
aportou a outras ilhas,
Mas nunca mais demandou aquela.
Teve outros gostos, outras ambições,
Mas nunca nenhuma tão pura
Como a de estar na baía pequena,
Ano atrás de ano,
A olhar o mar quase parado,
À espera do navio que lá vem de ano a ano,
À espera da vida, à espera da morte,
Sem luta, nem desejo...


Foi muita coisa na vida,
Mas nenhuma valeu o sonho infantil,
Nenhuma valeu o gosto
de ser patrão-mor na ilha Brava...

Medo...

Medo não é o temor dos piratas no Rio de Oeste,
Nem dos tufões no mar.
Não é receio dos tiros, pela noite,
No rio povoado de lorchas e traições;
Nem o susto dos enforcados,
Ao luar branco,
No mangal da Areia Preta.
Medo não é o terror da guerra,
nem da fome, nem da cólera,
Nem das chagas dos leprosos
na Ilha de S. João;
Não é suspeita
de que a morte espreita,
Continuadamente,
e nos levará.
Medo não é contágio da tristeza
Quando a tarde tomba
E o ocaso ensanguenta
O mar de água barrenta,
As terras e o céu,
Até as ilhas serem tragadas pelo negrume
E as montanhas pelo escuro,
E nada restar senão a treva
E os gritos que atravessam a noite,
Vindos não sei donde,
Para não sei onde.

Medo não é o temor das ciladas,
Nem dos punhais,
Nem dos beijos vermelhos que enganam
e sorvem lentamente as vidas...

Medo é este pavor de que tu partas
e me deixes só.

Negra que vieste da sanzala...

Negra que vieste da sanzala
E na esteira, sobre o soalho, te estendeste,
Recusando o leito branco e macio;
Negra que trazias no corpo o cheiro do capim
E da terra molhada,
E o travo das queimadas;
Negra que trazias nos olhos castanhos
Sede de submissão,
Que tudo aceitaste em silêncio
E lentamente desnudaste o teu corpo...


Estátua de ébano,
Animada pelo sopro da lascívia
E pela febre do desejo;
Negra vinda das terras altas do Chimoio
À cidade que o branco plantou na beira-mar.
Vinda para te venderes...
Comprada a uma preta velha e desdentada,
A troco dum gramofone;
Vendida e trespassada de mão em mão.

Que é do pano branco de chita
Em que envolvias teu corpo
E escondias tua carne tremente
De tanta volúpia que guardava?
Que é da esteira gasta
em que repousou teu corpo
E vibrou tua carne?
Onde vão as noites de África,
Encharcadas de cacimba,
Impregnadas de álcool
do hálito e dos beijos?

Luminosas, serenas...

Vinham do pátio as vozes em surdina
Dos teus irmãos em cor...
Vinham do mato os gritos roucos das hienas
E o teu choro lamentoso,
De acentos prolongados,
Tal o de meninos magoados...

Tu prendias-te a mim.
Abandonava-te na esteira
E, quando o dia surgia,
No soalho nu havia a esteira nua
e nada mais.
Tinhas partido para a sanzala,
Envolta no pano de chita branca
E no silêncio molhado da cacimba
Da noite transluzente e profunda.
Eu esquecia, saciado, o segredo do teu corpo.
Fazia por te odiar...
Mas, ao sol escaldante do dia,
Queimava-me de novo,
Em ardência e secura,
A sede do teu corpo,
Até que a noite voltava,
Tudo aguando de cacimba...
E na esteira gasta
O teu corpo nu
Voltava a ser
Uma serpe negra...

negra que vieste da sanzala...

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