quarta-feira, 16 de abril de 2008

REQUIEM NOS CAIS DE LISBOA

Desde Belém ao Beato,
Descarregados de botes,
Empilham-se ao desbarato
Muitos milhares de caixotes.

Numa larga, extensa linha,
Ocupam lados e centro
Do cais; mas não se adivinha
O que contêm lá dentro.

— O que será? — perguntei
A dois ou três empregados.
Respondeu um: — P`lo que sei,
É tudo dos retornados.

Exclamei: - Senhor! Senhor!
(E comecei aos pinotes)
Tanta coisa de valor
Metida à força em caixotes!

Onde estão, que descaminho
Levaram (sabe-se lá!)
As estátuas de Mouzinho
E de Correia de Sá?

Quantas camas, quanto berço
Transformado num caixão?
E não há quem reze o terço,
Quem murmure uma oração?...

Desceu a noite. No escuro,
Perguntei, sem ver mais nada:
— E qual será o futuro
Dessa gente atraiçoada?...

Sem consultar um oráculo,
Eu contemplei, indignado,
O pavoroso espectáculo
Dum império encaixotado.

Fonte: Blogue Nonas - post de 16Abr2008 (In «Resistência», n.º 128, 15.06.1976, pág. 6.)

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