domingo, 31 de maio de 2009

If...

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Não seja o de hoje

Não seja o de hoje
Não suspires por ontem
Não queiras ser o de amanhã
Faze-te sem limite no tempo


terça-feira, 26 de maio de 2009

Esta Lisboa africana

Velhos prédios, monumentos
Donde os olhos do passado
Podem ver por todo o lado
Outras gentes e costumes.
Tão diferentes são os braços
Que constroem o cansaço
Em Lisboa.

Cai a noite e então Lisboa
È castiça, põe o xaile
E na voz duma guitarra
Morre o tempo e nasce o fado.
Cai a noite e então Lisboa
Curiosa, espreita as farras,
Deixa o corpo entrar no baile,
Solta a música nas veias.
De semana para semana
Muita coisa tem mudado
Em Lisboa, esta europeia
Cada vez mais africana.

Que mudança se operou
Ou apenas se adivinha
Dos temperos da cozinha
Ao tempero das palavras.
Quase sem se aperceber
Muda a forma de viver
Em Lisboa.

Fonte: Entre Duas Margens de Rui Manuel (Cuca), 2004, Pág. 32

Na sombra da Mulemba

No começo da tarde
Quando o sol aquecia
Toda a sombra era boa.
Mas nenhumas era igual
À da velha mulemba
Onde todos os dias
Velho Temba encostava
O seu corpo cansado.

Na sombra da mulemba
Velho Temba cachimbava,
Crianças brincavam,
Corriam, saltavam,
Na sombra da mulemba
Velho Temba Cachimbava.

Era um tempo de espera
Até vir um aceno
A chamar as crianças.
Ansiosas sentavam
No chão fresco da sombra
E o silêncio ficava
A ouvir as histórias
Que o Sékulo contava.

Fonte: Entre Duas margens de Rui Manuel (Cuca), 2004, Pág. 28

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Se...

Se perguntassem ao marinheiro
como gostaria que fosse o seu instante derradeiro
ele diria: o mar 

Se perguntassem ao aviador onde e como desejaria
o seu último dia,
por certo responderia:
no ar!

Para seus dias terminar
o marinheiro: quer o mar;
o aviador: os espaços

Eu... se pudesse escolher
uma forma de morrer,
queria morrer de amor
em teus braços...


quinta-feira, 21 de maio de 2009

Destino

Acordo como os pássaros cativos, 
Com a ária da vida nos ouvidos. 
Acordo sem amarras nos sentidos, 
Fiéis à sempiterna liberdade... 
Nada pôde vencer a lealdade 
Que juraram à deusa aventureira. 
Nem as grades do sono, nem a severidade 
Da noite carcereira. 

Acordo e recomeço 
O canto interrompido: 
O desvairado canto 
Da ira irrequieta... 
- O canto que o poeta 
Se obrigou a cantar 
Antes de Ter nascido, 
Antes de a sua angústia começar. 


Mistério

Gosto de ti, ó chuva, nos beirados, 
Dizendo coisas que ninguém entende! 
Da tua cantilena se desprende 
Um sonho de magia e de pecados. 

Dos teus pálidos dedos delicados 
Uma alada canção palpita e ascende, 
Frases que a nossa boca não aprende, 
Murmúrios por caminhos desolados. 

Pelo meu rosto branco, sempre frio, 
Fazes passar o lúgubre arrepio 
Das sensações estranhas, dolorosas? 

Talvez um dia entenda o teu mistério? 
Quando, inerte, na paz do cemitério, 
O meu corpo matar a fome às rosas!


quarta-feira, 20 de maio de 2009

Mochileiro

Mochileiro, mochileiro
Mochileiro, dos sete costados

Mochileiro, mochileiro
Mochileiro, dos sete costados

Mochila às costas
eu vou
àà Ameeeeixoeira
P´ra ver os aviões
Levantar e aterrar
e vou ao porto velho
p´ra ver os barcos
carregar e descarregar
e vou a Santa Apólónia
p´ra ver os comboios partir

e eu vou sonhar
e eu vou sonhar
que me vou e vou voltar
que me vou e vou voltar

Rui Moio - 22Nov2004

Defensa de la Alegría

Defender la alegría como una trinchera
defenderla del escándalo y la rutina
de la miseria y los miserables
de las ausencias transitorias
y las definitivas

defender la alegría como un principio
defenderla del pasmo y las pesadillas
de los neutrales y de los neutrones
de las dulces infamias
y los graves diagnósticos

defender la alegría como una bandera
defenderla del rayo y la melancolía
de los ingenuos y de los canallas
de la retórica y los paros cardiacos
de las endemias y las academias

defender la alegría como un destino
defenderla del fuego y de los bomberos
de los suicidas y los homicidas
de las vacaciones y del agobio
de la obligación de estar alegres

defender la alegría como una certeza
defenderla del óxido y la roña
de la famosa pátina del tiempo
del relente y del oportunismo
de los proxenetas de la risa

defender la alegría como un derecho
defenderla de dios y del invierno
de las mayúsculas y de la muerte
de los apellidos y las lástimas
del azar
y también de la alegría

[in Antología poética, Alianza Editorial, 1999

Canto Anónimo

De terra e nervos, eis de que sou feito,
porque homem sou, homem simplesmente.
saibam as estrelas o que penso,
seja ou não seja o abismo imenso.
quero elevar a minha voz,
que foi feita para gritar,
quero erguer os meus punhos,
que foram feitos para bater ou perdoar,
quero dirigir os meus pés
pra onde a razão o ordenar.
homem sou, homem simplesmente,
quero para mim a vida, vivê-la inteiramente.
e vós, estrelas, sabei isto que sei:
de terra e nervos, eis de que sou feito.
e seja ou não o abismo imenso.
eu, homem, homem simplesmente,
conquistar-vos-ei…


terça-feira, 19 de maio de 2009

E desde então, sou porque tu és

E desde então, sou porque tu és
E desde então és
sou e somos...
E por amor
Serei... Serás...Seremos...


segunda-feira, 18 de maio de 2009

FESTA DA VIDA

Bonito poema da Arminda Branca. São palavras sentidas para alguém que tanto deu aos que tanto sofrem. E lá onde está continua presente entre os vivos pelo exemplo de força, de alegria, de estímulo, de dádiva... Obrigado Arminda Branca, obrigado Salvador.
Rui Moio

via Brancamar de Brancamar em 17/05/09
(Lembrando Salvador Vaz da Silva e o dia 18 de Maio de 2008)

Há uma saudade que trago
da entrega e da paz
com que em cada dia
caminhamos e crescemos
por caminhos de Luz…

Há uma saudade em mim
que neste dia me lembra sorrisos
vida, alegria, amizade
partilha dos sonhos vividos
caminhos de generosidade…

Há uma certeza que trago
nos dias por onde caminho,
de que na força que quero dar
há uma "Luz terna e suave",
que dá brilho ao meu olhar…

E é essa "LUZ" que permanece
e nos leva mais longe…

Arminda Branca M.V. Pinto
Gondomar, 18 de Maio de 2009

domingo, 17 de maio de 2009

Mãos Dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro. 
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. 
Entre eles, considero a enorme realidade. 
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. 

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, 
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. 
O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes, 
a vida presente.

Fonte: Blogue "Meu Universo em Prosa e Poesia" - post de 17Mai2009
http://evelynefurtado.blogspot.com/2009/05/maos-dadas.html

Que povo é este

O som do batuque
Chega longe no recado
Avisando os atrasados
Da festa já começada.
Os corpos requebram
Sensuais, provocantes,
Seguindo a cadência
Marcada pelas palmas.

Que povo é este,
De passado tão sofrido
E que á mínima alegria
Se entrega à dança.
Que povo é este,
Que povo é este?

O som do batuque
Ganha distância no vento
E leva longe o lamento
Anunciando o velório.
Os corpos suados
Que choram dançando
Partilham o luto
À moda da terra.

Que povo é este, 
De sentir musical,
Que perante a dor mais funda
Se entrega à dança,
Que povo é este,
Que povo é este?

Nos momentos de alegria
O povo dança,
Na tristeza mais profunda
O povo dança,
Que pobvo é este,
Que povo é este?

Fonte: Livro “Entre Duas Margens” de Rui Manuel (Cuca), SeteCaminhos, 2004, Págs. 15/16

Sanzala abandonada

Na  sanzala abandonada
Já não moram gargalhadas
E há silêncio no lugar
Das antigas batucadas
A tristeza está sozinha
Na sanzala abandonada.

E lá vão grupos imensos
De inocentes desterrados
Levam quindas á cabeça
E candengues assustados.
Nada sabem do futuro
Que lhes foge tão depressa
E o passado ficou todo
Na sanzala abandonada.

Na sanzala abandonada
O capim cresceu à toa
Já tomou conta das lavras
Ficou dono das cubatas
Com ele se apaga o nome
Da sanzala abandonada.

Os que fogem escorraçados
Sem qualquer explicação
Ao perderem a identidade
Já nem sabem o que são.
Famintos e moribundos
Que entre medos se consomem
Mostram aos olhos do mundo
O que o homem faz ao homem.

Fonte: Fonte: Livro “Entre Duas Margens” de Rui Manuel (Cuca), SeteCaminhos, 2004, Págs. 26/27

sábado, 16 de maio de 2009

Frutos tropicais

Era o tempo em que os quintais
Dos vizinhos eram nossos,
Todos muros eram baixos,
E as bananas lá no cacho 
A pedir “vewm-me comer”.
A pitanga vermelhinha
Como os lábios do pecado
A dizer “prova um bocado”
Que ninguém há-de saber”:

Era o tempo em que as goiabas
Eram feitas de roubar
E a fresca água de coco
Nos sabia sempre a pouco
No calor da brincadeira.
O mamão morava alto
Mas o pau chegava lá
E ao senhor maracujá
Que subiu na trepadeira.

Mas quando a mais velha
Lá nos apanhava
A gente pagava
Com puxões de orelhas.
Ai, os frutos tropicais,
De comer, chorar por mais.
Até a saudade
É manga madura
Com sumo que deixo
Correr pelo queixo.
Ai, os frutos tropicais,
De comer, chorar por mais.

Fonte: Livro “Entre Duas Margens” de Rui Manuel (Cuca), SeteCaminhos, 2004, Págs. 22/23

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Entre Duas Margens

O meu corpo é feito um rio
E distintas são as margens
Que me demarcam o leito.

Na margem africana
Repousam as minhas raízes
E das gavetas da memória
Vão fugindo rostos e nomes
Que me ajudaram
A construir o passado.

Na margem europeia
Fica-me um tempo mais recente
Ao qual lancei gavinhas
Na procura de renascer
Para uma outra vivência.

Afluentes diversos
Me alimentam o caudal
Numa policromia de amizades
Num casamento de culturas.

Numa margem sou o Cuca
E na outra o Rui Manuel
Mas é na mistura das águas
Que me assumo por inteiro.

Transporto o som de batuques
E o trinado de guitarras.

Assim me deixo correr
Até á foz deste livro.

Fonte: Livro “Entre Duas Margens” de Rui Manuel (Cuca), SeteCaminhos, 2004, Págs. 7/8

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Quero apenas cinco coisas

Quero apenas cinco coisas.
Primeiro é o amor sem fim 
A segunda é ver o outono 
A terceira é o grave inverno 
Em quarto lugar o verão 
A quinta coisa são teus olhos 
Não quero dormir sem teus olhos. 
Não quero ser... sem que me olhes. 
Abro mão da primavera para que continues me olhando.


quarta-feira, 13 de maio de 2009

Tão simples este amor nasceu... Nós nem notamos

Tão simples este amor nasceu... Nós nem notamos
que era amor e afeição que aos poucos nos prendia...
O amor, - é aquela flor que engrinalda dois ramos
aos esponsais de luz do sol de cada dia!

Dois ramos, - eu e tu, - e as horas desfolhamos
numa doce, irrequieta e impensada alegria,
- e assim vamos vivendo, e a viver, acenamos
sonhos verdes aos céus azuis da fantasia!

Tão simples este amor nasceu... Tal como nasce
um beijo em tua boca, um riso em tua face,
uma estrela no céu... ou uma flor de um botão.. .

Nem era necessário mesmo eu te falar,
se já o tens transformado em luz no teu olhar,
e eu, já o sinto a cantar, dentro do coração!


Avé Avé Avé Maria



A 13 de Maio
na Cova da Iria
No céu aparece
A virgem Maria

Avé Avé Avé Maria
Avé Avé Avé maria

A três pastorinhos
Cercada de luz
Visita Maria a mãe de Jesus

Avé Avé Avé Maria
Avé Avé Avé Maria

A mãe vem pedir
constante oração
Pois só de Jesus
nos vem a salvação

Avé Avé Avé Maria
Avé Avé Avé Maria

Agreste azinheira
a virgem falou
e aos três a senhora
tranquilos deixou

Avé Avé Avé Maria
Avé Avé Avé Maria

Então da senhora
O nome indagaram
Do céu a mãe terna
bem claro escutaram

Avé Avé Avé Maria
Avé Avé Avé Maria

Se o mundo quiser
da guerra livrar
Fazei penitência
de tanto pecar

Avé Avé Avé Maria
Avé Avé Avé Maria

A virgem lhes manda
O terço rezar
a fim de alcançarem
da guerra o findar

Avé Avé Avé Maria
Avé Avé Avé Maria

Com estes cuidados
a mãe amorosa
do céu vem os filhos
salvar carinhosa

Avé Avé Avé Maria
Avé Avé Avé Maria
Avé Avé Avé Maria
Avé Avé Avé Maria

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Velho Negro

Vendido
e transportado nas galeras
vergastado pelos homens
linchado nas grandes cidades
esbugalhado até ao último tostão
humilhado até ao pó
sempre sempre vencido

é forçado a obedecer
a deus e aos homens
perdeu-se

perdeu a pátria
e a noção de ser

reduzido a farrapo
macaquearam seus gestos e a sua alma
diferente

Velho farrapo
negro
perdido no tempo
e dividido no espaço!

ao passar de tanga
com o espírito bem escondido
no silêncio das frases còncavas
murmuram eles:
pobre negro!

E os poetas dizem que são seus irmãos.


domingo, 10 de maio de 2009

NÃO BASTA

Não basta andar juntos na vida;
é preciso viver juntos a estrada que se anda.

Não basta comer à mesma mesa;
é preciso amassar o mesmo pão.

Não basta falar a mesma língua;
é preciso encontrar-se na mesma linguagem.

Não basta ir atrás dos outros;
é preciso ir com os outros.

Não basta resolver os problemas dos outros;
é preciso amar os outros e os seus problemas.

Não basta caminhar no mesmo sentido;
é preciso dar um sentido a caminhos diferentes.

Não basta rezar todos a mesma oração;
é preciso rezar a mesma oração por todos.

Frei Manuel Rito Dias - Luanda

Deixa soltar as tuas gargalhadas

Amorosa Helena,
pequena fula dengosa,
salva das garras do Islão
por zelosos missionários,
católicos,
apostólicos,
romanos,
mas não da faca da fanateca,
que te extirpou,
na festa do fanado,
o teu belo clitóris,
para te tornares o colchão de todas as camas,
a Vénus negra de batalhões inteiros,
a iniciadora sexual de tugas,
mancebos
que as sortes vieram arrancar às saias das mamãs,
a alegre,
a divertida,
a traquinas companheira de muitas farras de caserna,
correndo, nua e lasciva,
do regaço de tropas bêbedos que nem cachos,
para o abrigo mais próximo
quando às tantas da madrugada
soava o canhão sem recuo,
estoirava o morteiro 82,
disparavam os RPG
e silvavam as balas das Kalash!...

Bela Helena de Bafatá,
que sabias pôr na ordem
os arruaceiros pára-quedistas de Galomaro
que te batiam à porta a pontapé,
quando eu estava contigo,
deitado na tua liteira,
e me dispensavas pequenas gentilezas
- um ronco de missangas, vermelhas,
uma noz de cola,
uma cantilena da tua infância,
um punhado de mancarra seca ao sol,
uma talhada de papaia que trazias do mercado -,
sempre que eu ia a Bafatá
e procurava a tua companhia,
na melhor das hipóteses,
uma vez por mês,
no dia de folga dos guerreiros de Bambadinca…
Tu e as tuas amigas de Bafatá,
do Bataclã,
que tanto trabalho deram
ao competentíssimo furriel enfermeiro Martins,
que nunca punha os pés fora da sua morança,
e que eu duvido que alguma vez tenha ido a Bafatá,
o nosso querido Pastilhas (*****),
que vivia 24 horas dentro do arame farpado,
no perímetro militar de Bambadinca,
trabalhando incansavelmente,
de bata branca,
em prol de uma Guiné Melhor,
que nos aturou mil e um travessuras,
bravatas,
praxes,
esperas,
serenatas,
tainadas,
emboscadas,
partidas de mau gosto,
brincadeiras estúpidas e perigosas,
bebedeiras de caixão à cova
e que sobretudo nos curou
de alguns valentes esquentamentos…

Destes e doutros males de amores,
dos milhões de unidades de penicilina
com que tu subtilmente te vingaste dos machos,
estás perdoada, Helena,
abelha do mel e do ferrão.
Afinal, quem vai à guerra,
dá e leva…
Tu curavas-nos dos males da alma,
o Pastilhas das mazelas do corpo…
Entretanto, quando a guerra acabou,
para mim
e para os demais tugas da CCAÇ 12,
por volta do mês de Março de 1971,
não tive tempo de te devolver
a pulseira de missangas vermelhas,
nem sequer de te dizer uma palavra,
um Adeus, até sempre,
um adeus, triste,
com saudade, morabeza,
essa coisa que os tugas nunca te souberam explicar,
mas sem regresso,
e sem lágrimas,
que Lisboa estava ali,
tão longe e tão perto...
Prometi guardar de ti
a doce lembrança,
das tuas estridentes e saudáveis gargalhadas,
da tua voz rouca e sensual,
da tua fala encantatória,
do cheiro exótico do teu corpo,
das tuas sagradas funções de sacerdotiza
do amor em tempo de guerra…

Imagino que a tua vida não tenha sido fácil
depois da independência,
se é que lá chegaste,
com vida e saúde…
Se sim, não sei como viveste esse dia,
24 de Setembro de 1974,
não sei te raparam o cabelo,
ou se te apedrejaram, amarrada a um poilão,
ou se te violaram
ou se te renegaram para sempre,
que a pior das mortes
é a morte social.
Nunca mais tive notícias tuas,
mas, dez anos,
revendo mentalmente
a minha primeira viagem,
por terra,
em pleno chão fula,
do Xime até Contuboel,
onde os esperavam os nossos queridos nharros,
ao longo do interminável dia 2 de Junho de 1969,
o teu nome,
o teu rosto,
a tua voz,
o teu odor,
o teu corpo,
a tua púbis,
e as tuas gargalhadas, quiçá magoadas,
vieram-me à lembrança…
E essa lembrança tocou-me.

Lembrei-te de ti,
da história que se contava sobre ti,
passada em Ponta Coli,
entre o Geba e o Udunduma,
frente à vasta bolanha de Samba Silate,
agora seara inútil de capim alto,
com o cadáver do furriel vagomestre do Xime nos braços.
Lembrei-te de ti
e das minhas escapadelas a Bafatá…
Ia-se a Bafatá,
a bonita e alegre Bafatá colonial,
para limpar a vista,
entrar no café da Dona Rosa,
ver as manas libanesas,
comprar umas bugigangas da civilização,
comer o bife com ovo a cavalo na Transmontana,
dar um salto ao Bataclã
e passar pelo Teófilo,
para o copo de despedida,
antes de apanhar o último Unimog,
de regresso a Bambadinca...

Eram os únicos momentos do mês
em que eramos donos do nosso tempo,
em que a nossa liberdade não estava cercada
de arame farpado e minas,
nem pensávamos na emboscada de ontem
nem na operação de amanhã.
Também foste, à tua maneira,
uma heroína daquela guerra,
minha impossível amiga colorida,
separada pelos papéis
que nos obrigaram a representar
no teatro da tragicomédia daquela guerra…
Daí figurares,
contra toda a ortodoxia
(do teu povo, fula,
dos teus missionários, cristãos, que te queriam a alma,
dos tugas, putos de vinte anos,
que apenas te queriam o corpo,
dos revolucionários do PAIGC
que não te terão perdoado
o teu colaboracionismo com os tugas,
para mais sendo tu conterrânea do pai da Pátria,
o pobre do Amílcar Cabral
tantas vezes morto e remorto
ao longo destes anos todos),
daí figurares, dizia eu,
na minha galeria de heróis
e de heroínas…
Por direito próprio,
com todo o direito,
com o direito que ganharam as mulheres do teu país,
pobres,
as mais pobres dos mais pobres,
mas sempre dignas e corajosas,
apesar de ofendidas e humilhadas,
exploradas,
violentadas pelo sistema,
pela guerra,
pela dominância dos machos,
pelo imperativo da sobrevivência,
pela lotaria da geografia e da história…
Aceita esta pequena homenagem da minha parte.
Em contraparida,
dá-me o derradeiro prazer,
esse prazer tão terno,
de te ouvir soltar as tuas gargalhadas,
minha safada Helena de Bafatá,
onde quer que estejas,
...na terra,
no céu
ou no inferno!


Começa a haver meia-noite, e a haver sossego

Começa a haver meia-noite, e a haver sossego,
Por toda a parte das coisas sobrepostas,
Os andares vários da acumulação da vida...
Calaram o piano no terceiro andar...
Não oiço já passos no segundo andar...
No rés-do-chão o rádio está em silêncio...

Vai tudo dormir...

Fico sozinho com o universo inteiro.
Não quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anticitadino!
—Antes, recluso,
Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua...
Um automóvel — demasiado rápido! —
Os duplos passos em conversa falam-me...
O som de um portão que se fecha brusco dóí-me...

Vai tudo dormir...

Só eu velo, sonolentamente escutando,
Esperando
Qualquer coisa antes que durma...
Qualquer coisa.

Álvaro de Campos, in "Poemas"

sábado, 9 de maio de 2009

Livro do meu amor, do teu amor

Livro do meu amor, do teu amor,
Livro do nosso amor , do nosso peito...
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas de flor.

Olha que eu outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito
Não esfolhes os lírios com que é feito
Que outros não tenho em meu jardim de dor!

Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos só nossos mas que lindos sois!

Ah! meu Amor! Mas quanta, quanta gente
Dirá, fechando o livro docemente:
"Versos só nossos, só de nós os dois!"


Tenho Saudades

Tenho saudades do tempo
Em que corria descalço
Pelas areias do rio;
Comigo, os meus companheiros
Também descalços, correndo,
A correr ao desafio.
 
Tenho saudades do Largo
Onde estava a minha casa,
Com mulembas altaneiras;
Tenho saudades das sombras
Com que os seus ramos cobriam
Sempre as nossas brincadeiras.
(- Quem tem o canhé?
És tu!
Pescoço de ganso, monco de peru…
Quem tem o canhe?
Sou eu!
Diabo, diabo, vais p’ra o céu…)
 
Tenho saudades, meu Deus,
Tanta, tantas que nem sei
Como me cabem aqui;
Tenho saudades, até, Das saudades que senti.
 
II
 
No quintal da minha casa
Vestido de prata nas noites de luar,
As sombras das mangueiras
Eram rendas espalhadas
Pelo chão.
E as horas do serão
Corriam apressadas.
As moças a namorar,
As crianças a brincar
Rindo,
Cantando,
Chorando
Dum trambulhão;
As velhas, quase em surdina,
Contavam histórias do mato,
Do tempo da escravatura:
-Um branco, um coelho e um gato,
Outros bichos à mistura,
Bichos sabidos que falavam.
Depois, quando a lua descia
P’ra se esconder no Sombreiro,
Todos, todos se juntavam
Em redor da minha avó.
Havia quifufutila,
Havia pé de moleque…
…E a lua desaparecia
No Casseque!...
 
III
 
Onde está o meu quintal
Vestido de prata nas noites de luar,
Com rendas de sombras espalhadas pelo chão?
Onde estão esses meninos
Que riam chorando
Dalgum trambulhão?
 
A vida os levou p’ra longe de mim!
 
Agora, de tudo isso,
Só me ficou o feitiço
Desta saudade sem fim.
E quando a lua se esconde
No Sombreiro
Fico sozinho na praia
À laia
Não sei de quê,
Olhando o mar,
Carpindo saudades,
A olhar
A olhar…
  

Quem faz um poema abre uma janela

Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.


sexta-feira, 8 de maio de 2009

Não digas onde acaba o dia

Não digas onde acaba o dia.
Onde começa a noite.
Não fales palavras vãs.
As palavras do mundo.
Não digas onde começa a Terra,
Onde termina o céu
Não digas até onde és tu.
Não digas desde onde és Deus.
Não fales palavras vãs.
Desfaze-te da vaidade triste de falar.
Pensa,completamente silencioso,
Até a glória de ficar silencioso,
Sem pensar.


quinta-feira, 7 de maio de 2009

Lunda

“Katwambimbe”! ...
Berço de diamantes
Terra de fogo;
Símbolo do passado
Mito de saudade …
 
Na música,
 
Tambores
Quissanjes
Marimbas
Ritmo e movimento
Corpos negros
Ondulantes
Suados! …
 
Na noite,
 
Coração que pulsa!
Um grito
Um desabafo
Um gemido
De medo? …
De dor?...
 
Almas que procuram…
 
Vida
Ventura
Amor, uma paixão
Na Lunda misteriosa e feiticeira
Na Lunda das lendas e tradições.


Arre! Porra! Chega! Basta!

Centrão?
Mais Não

Parem!
Chega!
Basta!
Calem-se!
Estou enjoado!
Perdi a paciência!
Começo a ficar irritado!
 
Não têm mais nada com que se preocupar?!
 
Só vos oiço falar de vós mesmos.
É o financiamento dos partidos,
é o "Centrão",
é o tabu do Alegre,
são as viagens do Alberto João Jardim,
são os calcanhares do Basílio e a Maizena do Rangel,
são os debates no Parlamento à volta dos umbigos dos deputados,
se Ferreira Leite é capaz,
se Sócrates conseguirá ou não a maioria,
se Louça terá mais votos do que Jerónimo,
se Portas irá sobreviver depois das legislativas.
qual a relação entre Sócrates e Cavaco,
quem deve pedir desculpas a quem:
se o PS a Alegre ou Alegre ao PS.
 
Porra!
E nós?
 
E a crise que nos afunda?
E a pobreza que se descobre?
E o desemprego que não pára?
E a Justiça que é uma desgraça?
E a violência que aumenta nas ruas?
E os nossos jovens que nos abandonam?
 
Estou a ficar constipado com esta Gripe P, a dos políticos.
Arre!


quarta-feira, 6 de maio de 2009

A Coimbra

Minha cidade eterna e resumida,
como um sonho embrulhado
em névoa branca… e adormecida.
por outro sonho que a saudade quis
é que eu não sei agora
o que este engano diz.

a mão do “Só” me trouxe rio acima,
para beijar teu corpo imerso em sono…
e pura, debruçada sobre ti,
o mais que eu vi,
foi sempre este abandono…

e ainda é a mesma torre, sim…
e o casario.
e o jardim.
e a ternura infinda
da mesma capa ainda
ao vento solta!...

és tu, eterna em ti.
antero é que não volta.

agora,
na pedra nua deste longo dia
já ninguém chora…
e a dor que endoideceu,
é só quem anda pela noite fria,
à procura do sonho que morreu…


Moçâmedes e o Mar

Entre as águas azuis do mar uivante
e a areia fulva do desero agreste
- como presa nos braços de um gigante-
foi, Princesa, que tu aqui nasceste!

Nasceste em terra dura e ressequida
E tens mesmo a welwitschia por irmã,
e, à força de viveres esta vida.
conquistaste a coragem de um titã!

Venceste as bravas ondas turbulentas,
enfrentaste as garrôas do Deserto,
e, após tremendas lutas bem cruentas,
mudaste a rota a um destino incerto!

Tornaste natural o que era estranho
ao dominar os fortes elementos:
nas areias fizeste o seu amanho
e ao Mar foste colher os alimentos:

Consumidos cem anos em batalhas,
és tão pobre como eras no começo,
mas, rica em fidalguia, tu trabalhas
p`r atingir as estradas do Progresso!

Agora, à custa desse teu Namibe
e da formosa Praia das Miragens
como quem ao olhar do Mundo exibe
belezas naturais, raras imagens -

Tu voltaste de novo a triunfar!
fazendo de ambos um cartaz berrante,
passaste a festejar o velho Mar,
companheiro do povo navegante.


terça-feira, 5 de maio de 2009

Não há tabaco!

(Referência alegre à cruciante tragédia tabaqueira ocorrida há dias)

As armas e os barões assinalados
que os tempos vão maus, muito envinagrados!
Não há tabaco e estamos desgraçadoa!
A seca foi atroz e foi completa
de deixar um parceiro mui pateta!

Desta vez não houve contemplações:
não fumaram pobres, ricos e ladrões!

Conheço fumadores consagrados
que agora apenas ... chucham rebuçados!
Conheço até uma Domingas ,
que é munha lavadeira e confidente.
Sei que adora o tabaco e as boas pingas.

E, como continua sorridente,
indaguei da maneira que ela usava
pr´enfrentar o problema. E essa avis-rara
disse: - Eu não perdi tempo , e sem mangonha
fui comprar umas doses de cangonha!...

A situação tristonha e angustiosa
veio pôr a cidade em polvorosa.
Os cigarros de filtro e os tais sem ponta
são luxo com que a gente já não conta:

Não há Deltas, Marinas, Francesinhos
e até Negritos já não têm os barzinhos!
Fumar é vício lindo que morreu
e, p´ra vida ser feita de veludo,
vamos fumar p´la ponta de um canudo,
recordando a beata que já ardeu!

E como um bom charuto custa caro,
Não fumes disso, ó meu judeu avaro!


CARTA A RUY ALVIM

via nonas de nonas em 05/05/09
CARTA A RUY ALVIM

Conheci-te na nossa mocidade:
Rapazes do liceu
A estudar e a gozar numa antiga cidade.
O mais novo eras tu.
O mais velho era eu.

Naquele tempo havia Portugal.
Falava-se de Império.
(Quem lhe soubera, então, o trágico final!)
E governava um Homem sábio e sério.

À jovem convivência a vida separou-a:
Tu foste pra Coimbra, pra Direito.
E eu pra Lisboa, lidando em tudo pra que tinha jeito.

Tu foste Presidente da Briosa,
Tiveste cargos de relevo no país.
Eu ia-me elevando em verso e prosa,
Numa ascensão feliz.

Quando avançou Abril com bandeiras de sangue,
Veio agredir-te o ódio triunfal
Que te levou exangue,
ao leito de Hospital.

Eu sofria a derrota do sonho português
Sagrando-me soldado
Do verso, que me fez
Defensor do Passado.

Foste exilar-te no Brasil,
Onde nasceste,
Para evitar a horda vil
Mortal como uma peste.

Amparou-te o espírito a Poesia
E a força da razão.
Até que um dia
Regressaste ao escasso deste chão.

Eu recebi-te num fraterno abraço,
Com alegria e com alívio,
A reatar o laço
Do convívio.

Mas o teu corpo voltou doente,
Cedido pela mais cruel doença.
E, lentamente,
eu perco a tua cordial presença.

Visitei-te numa Casa de Saúde,
Para dizer-te adeus e tu a mim.
E vejo que o teu mal já não ilude,
Pois, três dias depois, chegaste ao fim.

Choro com todos os teus amigos,
O sofrimento da tua ausência,
Hoje, mendigos,
do teu coração e inteligência.

E, agora, Ruy, é a maior saudade que me dói
A do jovem que foste,
A do jovem que fui,
Num Portugal que foi.

14.04.2009 - António Manuel Couto Viana

domingo, 3 de maio de 2009

Poema à Mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.
Tudo porque já não sou
o menino adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me? -
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas - tu sabes - a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade in "Os Amantes Sem Dinheiro" (1950) 

SER CRIANÇA

Fui criança
Do outro lado do mar...
Tão longe...
E tão perto...

Como recordo...
Os passos largos...
A correr para o colégio...
O vestido novo...
Para levar à igreja...
As minhas brincadeiras...
Os meus jogos...
Os meus bailes...
Os meus anseios...
Os meus amores...

Os meus amigos...
Com quem sempre brinquei...
Que tanto me alegravam...
E a quem sempre recordei...
E... que hoje ainda recordo...
E... preservo.
Pois são do melhor...
Que até hoje...
A vida me deu!...


IMBONDEIRO

Estou a ver-te ao longe…
Imbondeiro grande e frondoso…
Velho, arrogante com grande porte…
Porte de Rei e porte imponente…
Mostras a todos como és belo e poderoso!
Com tronco baixo e largo…
Com dois ou três braços…
Braços longos e fortes…
Que abraçam o mundo…
Que mostram o quanto imponente tu és…
E a tua beleza…
E a tua opulência…
Meu imbondeiro Rei…
Espalha-se pelo mundo todo!...


Related Posts with Thumbnails