domingo, 20 de julho de 2008

Macongíadas - Canto Segundo

via PoeMaconge by noreply@blogger.com (José Jorge Frade) on 7/14/08
I
Foram ditas as frases que escutaram
Mas que ainda não deram resultado.
Por enquanto o nariz não amolgaram
Nem o calo também está agravado;
Porém os fados rudes fixaram
Que esse aluno ficasse reprovado.
E desde então ele nunca mais passou
Só porque aquela maldição lançou.

II
A vida do estudante é de amargura,
Ao Liceu preso uma manhã inteira.
Mas muitas vezes tem também doçura
Isso dirá a malta companheira.
E quanta vez o povo nos atura
Na serenata, de noite, em barulheira.
E no fim vem depois distribuição
Do néctar de um grande garrafão.

III
Mas como tudo tem começo e fim,
Pelo princípio vamos começar.
Não é pelo leitor, mas sim por mim
Que eu quero tudo muito bem contar.
A nossa "prima" festa foi assim:
Resolveu Sua Alteza decretar
Que se cantasse em noite luarenta
Tendo a batina como vestimenta.

IV
Todos demos dinheiro para a boda
A fim de comprar coisas de engolir.
Nove horas. No jardim a malta toda
Aguarda só a ordem de partir.
Rompe a marcha c'uma cantiga em moda.
Cantamos alto para tudo ouvir.
E na rua se fez tal chinfrineira
Que acordámos a cidade inteira.

V
Mas inda poucos passos eram dados
Quando um gorgolejar todos escutámos.
Ficámos um momento mui espantados.
Fizemos alto. Logo investigámos.
E num dos garrafões desarrolhados,
Um dos colegas a beber topámos.
E por estar escuro eu não sei quem seria;
Mas mesmo que o soubesse não diria.

VI
Passado estava já o incidente
E novamente a música tocava,
Mas o nosso colega descontente,
Olhava o garrafão e o chorava.
A música findou. Alegremente
A filla de tunantes caminhava.
Era tocada a marcha de Maconge.
Com voz tão forte que se ouvia ao longe.

VII
Do Colégio pr'as Maias nós passámos;
A janela vieram descerrar.
As músicas que nós lhes dedicámos
Tiveram o condão de as encantar.
Pr'a Rotunda partimos. Lá parámos.
E a fim da garganta refrescar,
Distribuiu-se vinho à malta toda.
Assim começou, pois, a nossa boda.

VIII
Comeu-se pão, chouriço e muitos bolos,
A mistura com coisas bem picantes,
Para empurrar bebendo quatro golos,
Cinco litros se foram nuns instantes.
Gorgolejando alguns faziam solos,
Com estalos e estalinhos bem cantantes.
Enfim! Foi tão intensa a animação
Que muitos se rolaram pelo chão.

IX
Veio por fim a ordem pr'a partir,
Rompeu a marcha. Todos mui direitos,
Um a um começámos a seguir.
Nós ao álcool não estamos muito afeitos,
Mas soubemos o vinho repartir,
E parámos no Gaio. Com trejeitos,
Entoa Emílio bela cantilena,
De alegre balar e letra amena.

X
O vinho, entretanto, fez efeito,
E por cambalear alguns começam,
Dizendo coisas vãs, sem nenhum jeito.
P'ra mencionar os nomes não me peçam
Porque seria um acto bem mal feito.
O que me interessa a mim que a rua meçam
Debaixo de grossura tão tremenda
Se de nada lhes vale a reprimenda?

XI
P'ras Mascarenhas vamos em seguida.
Cantando alegre marcha, sem engano.
O Mário Andrade, ao alto, leva erguida
A chapa que nos diz do sexto ano.
Osvaldo leva a vela corroída,
E a música alumia todo ufano.
Vai também o Cabinda, convidado,
Que toca bem guitarra e canta o fado.

XII
Da Lourdes p'ra Irene mui formosa
E para as Alexandres em seguida,
Ia seguindo a tuna já famosa,
Cantando uma canção enternecida
E logo a seguir marcha ruidosa,
A malta já na escuridão perdida,
Tentava andar um pouco mais ligeira,
Mas a isso se opunha a bebedeira.

XIII
Prodígios de equilíbrio vai fazendo,
Tentando as vozes pôr na mesma altura!
Mas apesar das pernas ter tremendo,
Continua a manter a compostura.
Gilberto ao violino é estupendo!
Acaba de tocar a partitura!
E nos banzou ali de tal maneira,
Que quase nos passou a borracheira.

XIV
Depois de vários sonos perturbar,
De ouvir do Rita frases de ternura,
Outras gentes nós fomos acordar,
Cantando em voz pastosa de grossura,
Mas quando no jardim ia a passar
A tuna, oh, que tristeza! Que figura!
Encontramos 'stendido o Armandinho.
Talvez por ter bebido pouco vinho.

XV
Todos falam, murmuram, sem olhar,
Para o estado tristíssimo em que estão.
E de novo voltamos a marchar
P'ra janela da prima do Falcão,
Depois de o seu sono despertar,
Tocámos à Cordália uma canção.
Cantou Rosári um fado (e muito bem)
Daqueles da sua terra: Santarém.

XVI
Não vou narrar agora o sucedido,
Depois de a esta porta ter cantado,
Porque isso seria aborrecido,
E ficaria tão envergonhado,
Como fiquei ali entristecido,
Ao reparar no lastimoso estado
Em que ficara a nossa bela tuna.
Desculpe-me o leitor esta lacuna.

XVII
Já não tenho decerto inspiração
P'ra contar como o ano terminou.
Direi somente que bem poucos são
Os que a sanha dos mestres aprovou.
Mas desses não saiu a maldição
P'ra raposa que todos mordiscou,
Porque apesar de tristes bem ficarem,
Lauta ceia se fez p'ra se alegrarem.

XVIII
Depois duma soneca mal dormida
Por insónias cortada sem cessar,
A malta acorda triste e aborrecida
Por a labuta ter de retomar.
É dura e mui espinhosa essa vida
Daqueles quie os lentes têm de aturar.
São lições, mil trabalhos, arrelias,
p'ras gatas evitar todos os dias.

XIX
Já no Liceu a "Tavarina" hora
Na sineta soou lugubremente
Entre a malta que há puco inda cá fora
Por uma borla esperava avidamente.
De todos a expressão é de quem chora,
Pois ela se desfez rapidamente.
Nada mais há a fazer do que ir p'ra aula
Que é de todos nem mais que a cruel jaula.

XX
Na secretária o fero professor
Co'nome de Mendonça está sentado.
É p'ra nós o gigante Adamastor
Que ao Gama apareceu no mar irado.
Chama um aluno tremente de pavor,
Pois ali num instante é "degolado",
Triste sorte a daquele que num minuto,
Por asnear é nomeado bruto.

XXI
Como outrora um nauta no seu lenho
Está hoje cada aluno na carteira.
Tremia aquele co'tempo fero e sanho,
Este geme ao largar alguma asneira.
Mas a ambos não serve aquele engenho
Quando é chegada a hora derradeira.
Para o primeiro as vagas alterosas;
Para o segundo as lições bem custosas.

XXII
Vou descrever em traços mal pintados
O mestre que nos faz estremecer:
De hercúleos membros, tão avantajados,
A força herdou de Rhodes ao nascer,
A face de sobrenhos carregados
O cinto na barriga a querer descer,
Nas aulas de Ciências se comporta,
Como raio que tudo fere e corta.

XXIII
Vem depois o latim aborrecido
Que se traduz somente a adivinhar.
O predicado em baixo está escondido,
Para o sujeito tem de se saltar.
Há ainda o pronome indefinido
E o advérbio para declinar.
Com tamanha mistura e barafunda,
Melhor é aprender a língua ambunda.

XXIV
A História que começa antes do mundo,
É terrível e enorme calhamaço,
Que o Paiva Júnior com saber profundo,
Vai ensinando sempre a passo e passo.
Com o programa tão grande e tão jucundo,
Não sei como a cabeça não desfaço.
Com trajanos e Neros rancorosos,
Nós somos hoje alunos desditosos.

XXV
A seguir é a Moral aborrecida
E a Literatura mui bisbilhoteira
Pois quer saber dos escritores a vida
Desde a nascença à hora derradeira.
Às vezes uma peta é bem metida,
E outras mais provocam galhofeira.
Nós desculpamos, pois, se assim não fosse,
O estudo era só rijo e nada doce.

XXVI
A Geografia então é bem terrível
Com nomes às centenas e aos milhões.
O estudo da Botânica é incrível,
Com tantos nabos, couves e feijões.
Depois a Zoologia onde é possível
Chamar aos chipanzés nossos "irmões"
E temos que aturar bem pacientes
Este calvário atroz de penitentes.

XXVII
A Álgebra dá-nos muito que fazer,
Com senos e co-senos bem puxados.
Temos também ainda que aprender
Os métodos e leis bem engendrados.
O Walter dos alunos quer fazer
Filósofos à arte dedicados.
Mas como o Neves diz (e eu considero)
Que apesar disto apenas somos zero.

XXVIII
E andamos nós uma vida inteirinha,
A fio sete anos a estudar,
Para no fim a mísera notinha
Dum aspirante estarmos a ganhar.
Ficamos magros como a magra espinha
Pois levamos a vida a aspirar.
Inda por cima os mestres carniceiros
Só querem que sejamos carroceiros.

XXIX
Mas deixemos por hoje as desventuras,
Que as desventuras fazem-nos chorar.
Lancemos para trás as amarguras,
Pensemos na alegria e no gozar,
Lembremos as pielas muito duras
Que todos apanharam a cear,
Esta ceia com lábia corriqueira,
Vou relembrar a malta companheira.

(*)(cf. Primeira Edição, de 1959, Agosto, nas Festas da II Confraternização da Antiga Malta do Liceu. Autorizadas a circular, por Sua Majestade Severíssima, D. Caio Júlio Cesar da Silveira.)

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