segunda-feira, 31 de agosto de 2009

No comboio descendente

No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...

No comboio descendente
Vinham todos à janela
Uns calados para os outros
E outros a dar-lhes trela
No comboio descendente
De Cruz Quebrada a Palmela...

No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormnindo, outros com sono,
E outros nem sim nem não
No comboio descendente
De Palmela a Portimão

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Sinceridade

via Angola: os poetas de kinaxixi em 28/08/09

Sou sincero
eu gostava de ser negro
gostava de ser um joe louis, um louis Armstrong,
um harrison dillard, um jess owens,
um Leopold senghor, um aimé cesaire, um diopp
gostava de ritmar
de dançar como um negro.

sou sincero
eu gostava de ser negro
vivendo no harlem,
nas plantações do sul
trabalhando nas minas do rand
cantando ao luar da massangarála
ou nas favelas da Baía.

eu gostava de ser negro.

e sou sincero…

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

TENHO UMA SAUDADE TÃO BRABA

Tenho uma saudade tão braba
Da ilha onde já não moro,
Que em velho só bebo a baba
Do pouco pranto que choro.

Os meus parentes, com dó,
Bem que me querem levar,
Mas talvez que nem meu pó
Mereça a Deus lá ficar.

Enfim, só Nosso Senhor
Há-de decidir se posso
Morrer lá com esta dor,
A meio de um Padre Nosso.

Quando se diz «Seja feita»
Eu sentirei na garganta
A mão da Morte, direita
A este peito, que ainda canta.

In: "Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga",livro inédito de Vitorino Nemésio (1901-1978), com edição de Luiz Fagundes Duarte, Lisboa: IN-CM, 2003

Voz imortal

Fui hoje dedilhar meu antigo quissange,
que abandonara um dia
milagre: já não tange
o choro das antigas vibrações,
mas sim novas canções e novos hinos
de dor e de alegria!

bati no bumbo roto,
que eu já deitara fora.
- nasceu um som potente,
mais belo de que outrora,
entrando mais no espírito da gente.


segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Tocando em Frente

Em homenagem e em memória de um jovem bonito - "Gabriel Buchmann".
Rui Moio




Ando devagar porque já tive pressa
Levo esse sorriso porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei
Eu nada sei
Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir
Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada eu vou
Estrada eu sou
Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir
Todo mundo ama um dia.
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
e no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
De ser feliz
Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir
Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Cada um de nós compõe a sua história,
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
De ser feliz

Composição: Almir Sater e Renato Teixeira

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Lembrança

passa um vento morno,
um vento morno
na trémula palmeira,
na neblina prateada.

envoltos na ténue distância
morros azuis de mata
já ao longe.
algures um sino suave tange.

no vento ondula como flâmula
uma saia berrante cor de sangue.

ávores de fruto pão
bailando, mãos abertas,
leques de bananeiras
oscilando lentamente.

visão fugidia, retratada
por inteiro
no livro silencioso da memória.

lembrança de s. Tomé,
sangue, trémula e prateada…

saudade de s. tomé


quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Meninos e Meninas

Todos já vimos nos livros,
nos jornais, no cinema e na televisão
retratos de meninas e meninos
a defender a liberdade de armas na mão.

Todos já vimos
nos livros, nos jornais, no cinema e na televisão
retratos de cadáveres de meninos e meninas
que morreram a defender a liberdade de armas na mão.

Todos já vimos!
E então?


terça-feira, 18 de agosto de 2009

BALADA DE CAMPAMENTO

As manhãs de Campamento
vinham ter comigo à cama,
com as rajadas de vento
da Serra de Guadarrama.

De Campamento me lembro
sete dias na semana.
Panorama friorento...
Nevoento panorama...

O suor do esquecimento
já aos poucos se derrama
sobre o rosto do Convento,
que me chama... Que me chama!...

Convento de Campamento,
pousada samaritana:
— por fora, vento; por dentro,
acalanto e acalento,
à tona de tão mau tempo...,
ao lume de tanta lama.

Foi-me palco de advento
e adro de muito drama.
Confiei-lhe o meu lamento.
Solfejou-me o seu hosana.
(O meu último rebento,
que a três «manos» — mais — se irmana,
é natural do Convento
de Campamento; e lá dentro
teve berço, colo e... mama).

Cobrou lá, chama e alento.
Lá, ganhou alento e chama,
como em qualquer sonolento
regaço de velha ama.

Lá lhe grangeei sustento;
e, grão a grão, grama a grama,
lá lhe meti boca dentro
a papa quotidiana.
(Era de escasso alimento
essa niña franciscana...)

Revejo-a, a todo o momento,
de xalinho e em pijama,
no xadrês do pavimento
do Convento, que a aclama
— mesmo se o seu turbulento
feitio de catavento
desponta por la mañana.

Lá «gatinhou» a contento...
Lá, colheu mimos... e fama.
Lá lhe modelou o tempo
seu perfil de filigrana.

Ai dias de Campamento,
cinzelados a cinzento...,
bordados de renda e rama...,
na cerca desse Convento
que, adentro de mim adentro,
se protege do relento
da Meseta castelhana!...

Ora absorto, ora atento
ao isento isolamento
que azuladamente o banha,
alevanta-se o Convento —
, ali, naquele epicentro
espiritual da Espanha...

— ...Alevanta-se o Convento;
e levita, paira, plana...
, como que a dar tempo ao tempo
e montanhas à montanha!...

Convento de Campamento,
minha tenda de campanha
entranhada serra dentro,
mas que a serra desentranha
num girassol de cimento —
— armado — por — quem — no — ama:

— Mete a proa a contravento,
e faz, como as naus do Gama,
guerra ao tempo
e à moirama!...

Ai tardes de alheamento...
Serões de noite serrana...
Ai tempo à prova de tempo,
no bento recolhimento
das faldas de Guadarrama!

Ai tardes de alheamento
— e manhãs de cinerama!...

De Campamento me lembro
sete dias na semana.
Persiana... Paramento...
Paramento e persiana...

O suor do esquecimento
já aos poucos se derrama
sobre o rosto do Convento
que me chama...

... Convento de Campamento,
templo de Marte e Diana,
a impôr ao firmamento —
com expressões de nirvana...
— seu recorte corpulento,
seu aspecto macilento,
sua fronte soberana...


As pátrias doentes / Não prendem os poetas. Para quê?

As pátrias doentes
Não prendem os poetas. Para quê?
Prendem-lhes os amigos, os parentes.
Poetas... ninguém lê.


segunda-feira, 17 de agosto de 2009

MELECA (Lilian Maial)

via ERA UMA VEZ, OUTRA VEZ! de Valéria Eik em 11/08/09

Ela rola e ela dança,
Dá cambalhota risonha,
Pára num canto e descansa,
E nos faz passar vergonha.
Quando se mostra pro mundo,
Vem gargalhada no fundo,
Dessa cara de pamonha.

A vida tem desses lances:
Hora de rir e chorar.
Tem hora até pros romances,
Tem hora até pra estudar!
Mais chata é a hora do banho,
Se eu não tomar, eu apanho,
Depois, quem quer acabar?

Começa a lavar criança!
Lava o pé e a sobrancelha,
Lava o sovaco e a pança,
Lava bumbum e a orelha.
Não esquece da careca,
Lava o sapo e a perereca,
Assim mamãe aconselha.

Quando eu acabo e me seco,
Vou pingando pro meu quarto,
Mamãe quase tem um treco,
Dia desses tem um infarto,
Leva todo a roupa suja,
Me penteia de lambuja,
Seu beijinho eu não descarto.

E assim, limpo e cheiroso,
Parecendo uma boneca,
Vou pra rua até o almoço,
Brincar levado da breca.
Até virar gozação,
Da turma do quarteirão,
Por causa dessa meleca!

Volto sujo e fedorento,
Algo triste e aporrinhado,
Suado, nariz escorrendo,
Dos amigos, afastado.
Olham pra mim, dizem: - Eca!
Mas da gostosa meleca,
Não vou ficar separado!


quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Vítor Duarte Marceneiro... Diz Janela da Vida de Carlos Conde

via Lisboa no Guiness de Lisboa no Guiness em 12/06/09

Vítor Duarte Marceneiro, diz o poema "Janela da Vida" da autoria de Carlos Conde, com fundo musical da Fado Viela de Alfredo Marceneiro. Foi gravado em 1994 no 1º aniversário da SIC.

Este poema foi feiro para o repertório de Alfredo Marceneiro em 1926, mas foi proibido pela censura.

"JANELA DA VIDA"

Letra de: Carlos Conde
Música: Marcha de Alfredo Marceneiro


Para ver quanta fé perdida
E quanta miséria sem par
Há neste orbe, atroz ruim
Pus-me à janela da vida
E alonguei o meu olhar
P´lo vasto Mundo sem fim.

Pus todo o meu sentimento
Na mágoa que não se aparta
Do que mais nos desconsola;
E assim a cada momento
Vi buçaes comendo à farta
E génios pedindo esmola!

Vi muitas vezes a razão
Por muitos posta de rastos
E a mentira em viva chama;
Até por triste irrisão
Vi nulidades nos astros
E vi ciências na lama!...

Vi dar aos ladrões valores
E sentimentos perdidos
Nas que passam por honradas
Vi cinismos vencedores
Muitos heróis esquecidos
E vaidades medalhadas

Vi no torpor mais imundo
Profundas crenças caindo
E maldições ascendendo
Tudo vi neste Mundo
Vi miseráveis subindo
Homens honrados descendo

Esse é rico, e não tem filhos
Que os filhos não dão prazer
A certa gente de bem
Aquele tem duros trilhos
Mas é capaz de morrer
P´los filhinhos que tem

Esta é rica em frases ledas
Diz-se a mais casta donzela
Mas a honra onde ela vai
Aquela não veste sedas
Mas os garotitos dela
São filhos do mesmo pai

Por isso afirmo com ciso
Que p´ra na vida ter sorte
Não basta a fé decidida
P´ra ser feliz é preciso
Ser canalha até à morte
Ou não pensar mais na vida.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Viagem

Criei o meu mundo irreal e distante…
É lá que vivo, calma e sozinha,
isolada de tudo, no tempo que parou,
como se andasse pelos vales silentes da lua,
nas crateras d’algum astro ignorado,
nas vertigens dum meteoro
ou vagueasse nas paisagens submersas de Ís…
Não chegam lá o ruído, o movimento
dos mares e dos ventos, das cidades e dos campos.
Tudo é silencioso, calmo e sobrenatural,
na sombra do mistério que m’envolve e qu’esconde
como numa ilha de bruma, o meu mundo à parte…
Será terra? Ou céu? Ou mar? Ou astro? Ou nebulosa?
Não sei, não vejo, não sinto
o cenário impalpável e informe que me cerca.
Vivo em mim, tudo sou eu, em mim mesma…
só as minhas mãos estendidas, a minha boca muda,
meus cabelos esparsos que m’envolvem como algas,
como nuvens, e ocultam meus seios,
frementes d’amor, palpitantes e ardentes…
a ânsia duns braços num abraço sem fim…
Meu coração pulsando junto a outro, tão confundidos
como nosso hálito, nossa epiderme, nossas almas…
Tudo sou eu, nesse mundo que criei, perdido,
rolando pelo espaço, entre poeiras de astros,
turbilhões de estrelas, ondas de azul, harmonias…
O meu mundo fulgurante e longínquo
a milênios de luz da terra desprezível,
de onde sairei de mim, sozinha e forte
e pararei a vida, num instante imortal.


terça-feira, 11 de agosto de 2009

Bairro Social do Arco do Cego

O Bairro Social do Arco do Cego
- histórico, por ser o primeiro feito
No antigo regime, de pedra, prego,
Pau, tijolo e telha - mostra e eito
Cruzamentos que são hoje um nó cego
Para quem conduz automóveis sem jeito;
Escolas, liceu, tomobo, cafés, mercado,
Estátuas e jardins – um deles murado,

Onde há: um padrão á moda antiga
Em honra da Batalha de Alvalade,
Em que a Boa-fé venceu a intriga
E o amor de mãe a rivalidade
Entre filho e pai, com fala amiga,
Em que se empenhou na realidade,
Tendo estes, à pátria já em construção,
Dado azo às leis e forais de então;

Doze estátuas equestres a celebrar
A glória desses vice-reis do passado
Que a Goa, Damão e Diu foram dar
Um cariz português, bem que ajustado
Ao viver indiano de modo ímpar,
E um anfiteatro, edificado
Em estilo heleno a céu aberto,
Com bancadas de pedra no sítio certo.

À época, foi bairro edificado
Em Alvalade, com muro a oeste,
Que, no correr do tempo, foi alterado
E à Praça de Londres abriu a leste.
A régua e esquadro, foi retraçado
O desenho das ruas a noroeste
A sudeste, do grande liceu do centro,
De moradias, com um pátio por dentro

E fachadas em renque, que, sem intento,
Tapam o sol e nuvens silenciosas
A passar, com um ritmo veloz ou lento,
No céu, como se fossem aves vistosas
A piar insistentemente nos ninhos,
Feitos de penugem, penas e raminhos,

E de prédios de duplo ou triplo pisos
Com cores e tons vários, alguns lilases,
Típicos ornamentos, beirais e frisos
Nas fachadas, geradas com mãos capazes
De homens que seguiram os bons avisos
De empreiteiros, mestres e capatazes
Atentos ás directrizes municipais,
Aos planos directores e a outros mais.

Ao entardecer ou ao romper do dia,
A luz do sol reflectida nas vidraças
Do Banco extasia e anuncia
A quem passa que bem pode render graças
À vida sempre breve e fugidia.
Qual ave em fugida ás ameaças
Que podem vir do céu ou de qualquer lado,
Sem ver que, num pequeno jardim relvado,
Os painéis à rainha Santa Isabel
Dão cor local à rua Stuart Carvalhais,
Em tons verdes, azuis, de cenoura e mel;
Lembra a sua obra pia aos mortais
Que aludem à boda e aos esponsais
Quando ainda era adolescente,
Tendo já o fulgor dos seus dons em mente.

Fonte: Revista – S. João de Deus – Informação – Junho 2009. Revista da Junta de Freguesia S. João de Deus - Lisboa

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO

via cem_raízes de Pó-de-lótus em 07/08/09

"Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.


Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu."


Sentires Sentidos contemplado com o Prémio "Blog de Ouro"

O Sentires Sentidos recebeu do Blogue Angola: os poetas o Prémio "Blogue de Ouro" que muito agradece.

Eis as regras:

1. Exiba a imagem do selo “Blog de Ouro”;
2. Poste o link do blog de quem te indicou;
3. Indique 5 blogs de sua preferência;
4. Avise seus indicados;
5. Publique as regras;
6. Confira se os blogs indicados repassaram o selo.

Os blogues indicados são:

sábado, 8 de agosto de 2009

Maria José Praça - Poetisa

Lisboa é chão de rua

É calçada de escravos e de sol
É promontório de corvos e de luas
E de colinas de fado sem lençol

Lisboa é alfacinha e tem olhares
Tem luzes qu'iluminam os lugares
Tem escadinhas,letreiros e azulejos
Calçadas estreitinhas e marés
Casas de pasto,tertúlias e chalés

Lisboa é voz de marcha soletrada
É canto d'aventais e manjericos
Tem arcos d'Aqueduto e tem salpicos
De sardinheiras floridas nos postigos

Lisboa é ventre d'asas, tem gaivotas
Tem Pasteis de Belém e tem vielas
Casas de passe, igrejas e ruelas
Caracóis, moelas e iscas com elas

Lisboa é mãe de bairros, tem castelo
Vestem-na toponomias mouras e de coroas
Tem miradouros, ascensores e amoladores
Tem Bica do Sapato e engraxadores

Lisboa tem teclados de rio Tejo
Tem Cacaus da Ribeira e tem ginginhas
Tem sardinhas assadas e castanhas
E gatos a espreitar entre rendinhas

Bebe café com Bocage no Nicola
Na Brasileira, desassossego d'astros
E folheando na Bertrand, vai respirando
O Grandela em cinzas, sem ter pasto

Tem Martinho d'Arcada com lembranças
Tem livros multicores, alfarrabistas
Tem Praça d'Alegria com coristas
Bombeiros voluntários e fadistas

Tem a Feira da Ladra aos quadradinhos
Com pechisbeques, valores, penhores e outros valores
Tem eléctricos pintados com a cor
Do milho p'rás pombinhas sem favores

Tem gavetas e armários com memórias
Tem Parque das Nações e Centros Culturais
E tem mais e mais e muito mais
Que encontra no Roteiro de Lisboa
Gizado como em tela por Fernando Pessoa.

Maria José Praça (N.126080 da SPA)

Hambanine Moçambique

via O Lupango da Jinha em 05/08/09



Quando nos juntamos, rompemos o dique
Da saudade imensa que vem tanta vez
Trazer nostalgia, lembrar Moçambique;
Na escola aprendemos que era Português.
Como tal, nós o amamos,
Ali trabalhámos,
Lançámos raiz,
Na machamba ou na cidade,
Fomos na verdade
Quem fez o País.

Com que displicência somos "retornados"
Quais cartas dispersas d'humano baralho!
Com que ligeireza fomos 'spoliados
De teres e haveres fruto do trabalho.
Sem tempo de transição
P'rá livre opção,
Partir ou ficar?
Hoje no País dos coqueiros,
Estão estrangeiros
No nosso lugar.

Quem não viveu lá, é que não entende
Os fraternos laços entre afro e mulungo!
O mago feitiço que sempre nos prende,
Mesmo separados pelo mar jucundo.
Se recordar é viver,
Eu gosto de ter
Mil recordações
Do País a Oriente…
E da sua gente
Que cantou Camões.

Cocuanas, hambanine!
Esfanhanes, hambanine!
Às mamanas hambanine!
Aos mufanas, hambanine!

Viagem ao Sul

via O Lupango da Jinha em 04/08/09

Esta beleza agonizante do Cuanhama

espraiando-se até à linha do horizonte

como um tapete estafado

que se desfaz sob os nossos pés

fala-me de guerras passadas e de reinos

já dos homens olvidados…

Morrem como a terra as tradições

numa infinita tristeza

numa apática indiferença

que magoa como uma lembrança triste.

Secam as cacimbas, as talas, o capim

só não secam as lágrimas.

Só não morre em mim esta pungente

faculdade de sofrer junto com a terra.

É por isso que eu gosto de cá vir

e é por isso que me custa vir aqui

e ver alvejar a carcassa daquele boi

que morreu o ano passado!

E os paus caídos nos eumbos poeirentos

e os gongueiros sem folhas nem frutos

secos, secos como os braços dos mutiátis…

É por isso que me custa vir aqui!

Sofro e compreendo

O Cuanhama que busca em vão a esperança

que o sol inclemente lhe arrancou

da terra que lentamente se recusa

aos nossos passos.

Aqui, na areia

via O Lupango da Jinha em 04/08/09

Aqui, na areia

Aqui, na areia,
Sentada à beira do cais da minha baía
do cais simbólico, dos fardos,
das malas e da chuva
caindo em torrente
sobre o cais desmantelado,
caindo em ruínas
eu queria ver à volta de mim,
nesta hora morna do entardecer
no mormaço tropical
desta terra de África
à beira do cais a desfazer-se em ruínas,
abrigados por um toldo movediço
uma legião de cabecinhas pequenas,
à roda de mim,
num voo magistral em torno do mundo
desenhando na areia
a senda de todos os destinos
pintando na grande tela da vida
uma história bela
para os homens de todas as terras
ciciando em coro, canções melodiosas
numa toada universal
num cortejo gigante de humana poesia
na mais bela de todas as lições
HUMANIDADE.

Fonte: Blogue "O Lupango da Jinha" - post de 04Ago2009

Carta de Um Contratado

Carta de um contratado - Poema de António Jacinto, música de Travadinha e declamação do saudoso e único José Ramos.
Rui Moio


via O Lupango da Jinha em 07/08/09
Eu queria escrever-te uma carta amor, uma carta que dissesse deste anseio de te ver deste receio de te perder deste mais bem querer que sinto deste mal indefinido que me persegue desta saudade a que vivo todo entregue... Eu queria escrever-te uma carta amor, uma carta de confidências íntimas, uma carta de lembranças de ti, de ti dos teus lábios vermelhos como tacula dos teus cabelos negros como dilôa dos teus olhos doces como maboque do teu andar de onça e dos teus carinhos que maiores não encontrei por aí... Eu queria escrever-te uma carta amor, que recordasse nossos tempos na capopa nossas noites perdidas no capim que recordasse a sombra que nos caía dos jambos o luar que se coava das palmeiras sem fim que recordasse a loucura da nossa paixão e a amargura da nossa separação... Eu queria escrever-te uma carta amor, que a não lesses sem suspirar que a escondesses de papai Bombo que a sonegasses a mamãe Kieza que a rel...

Eis de repente ...

via O Lupango da Jinha em 02/08/09

Eis de repente ...

..... eis de repente
do Lépi a chuva densa
alturas de Nambunagongo
Silongo de Mandume
Chanas que pisei no leste
Maiombe de lendas infindáveis


O ar livre de poeiras dos escombros
Reabre sonhos escondidos na agonia


A velha da tchimanda
Dá o nome de David
E o da Miete
Aos meninos que encontrou
Na estrada


No Tchinguluma
Ouvem-se as abelhas zumbir
Em torno das cores perto do rio


Também viram no Mufupu
Jeremias a cobrir a casa
Com capim novo da chama


Lukau vinda do norte
Trouxe abacates no pano e ofereceu-os
Olhos brilhantes húmidos felizes


Disseram-me hoje
Há folhas verdes outra vez
Nos ramos da loncha da Emanha
Nas mangueiras do salundo
Vozes falam do milho a germinar
No Huma e na Cativa


Passaram os anos em que a morte
Venceu todas as batalhas


Finalmente agora pouco a pouco
Começa a vida a vencer a guerra

Fonte: Blogue "O Lupango da Jinha" - post de 02Ago2009

A vida é bela

Quero, um dia, dizer às pessoas que nada foi em vão...
Que o amor existe,
que vale a pena se doar às amizades e às pessoas,
que a vida é bela sim
e que eu sempre dei o melhor de mim...
e que valeu a pena
.

Fonte: Blogue "O Lupango da Jinha" - post de 02Ago2009

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