quarta-feira, 30 de junho de 2010
terça-feira, 29 de junho de 2010
Tempo
menos tempo resta-me
cada segundo parece hora
e cada hora parece segundo
dar-te-ei tempo, se precisas
apresar-te-ei, se demoras
o tempo não espera por ti
nem acelera se desejas
tempo falta-me agora
tempo sobra entre nós
tempo rege tudo em mim
tempo corre e demora
Homenagem a Rodrigo Emílio
segunda-feira, 28 de junho de 2010
Atiraste uma pedra
Soneto agonizante de despedida
Morreu por não saber vestir a pele
De português perdido à beira-mar
Morreu! E até parece que com ele
Vai toda a poesia a enterrar
Morreu por não haver já quem anele
Os gestos de uma gesta secular
Morreu! Para que a Pátria Exausta o vele
Mais do que as rosas velhas a murchar
Assim o centenário sem proveito
Da funda e falsa fé republicana
Não lhe irá macerar o nobre peito
O seu legado é obra sobre-humana
E o nome um decassílabo perfeito:
António Manuel Couto Viana.
Sons
sábado, 26 de junho de 2010
Por decoro
Quando me esperas, palpitando amores,
e os lábios grossos e úmidos me estendes,
e do teu corpo cálido desprendes
desconhecido olor de estranhas flores;
quando, toda suspiros e fervores,
nesta prisão de músculos te prendes,
e aos meus beijos de sátiro te rendes,
furtando às rosas as purpúreas cores;
os olhos teus, inexpressivamente,
entrefechados, lânguidos, tranquilos,
olham, meu doce amor, de tal maneira,
que, se olhassem assim, publicamente,
deveria, perdoa-me, cobri-los
uma discreta folha de parreira.
Artur Azevedo - (1855-1908)
Mais sobre Artur de Azevedo
Deus é capaz de trocar reinos por ti
Deus é capaz de trocar reinos por ti,
abrir mares pra que possas atravessar
e se preciso fosse daria novamente a vida por ti!
Deus só não é capaz,de deixar de te amar...
Padre Fabio de Mello
Quando eu morrer ponha-me num museu
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Estertor, poema inédito de António Manuel Couto Viana
Dei-lhe a minha poesia
E assisto ao seu final
Dia após dia.
Não há ninguém que lhe acuda
Com verdade combatente.
Só avisto quem o iluda
Só avisto quem lhe mente.
Pobre povo, onde, a raiz
Do que foi o "nobre povo"?
Não escutes quem te diz
Que está a erguer-te de novo.
Portugal, perdeste a estrada
Do império e do brasão.
Hoje não és nada, nada…
Nem pra quem estenda a mão.
Morreu em Évora-Monte,
E a coroa ao abandono
Serviu pra cingir a fronte
Da república no trono.
Já ninguém sabe de nós
Nem nos conforta a saudade,
Calou-se a voz dos avós:
A que me foi mocidade.
(30.04.2010)
A fotografia é de Couto Viana com José Mendo em Tetuão, a 8 de Setembro de 1950.
Este perfeito e brilhante poema é o seu testamento poético, espiritual e político.
quarta-feira, 23 de junho de 2010
Em toda a noite
Em toda a noite
Em toda a noite o sono não veio. Agora
Raia do fundo
Do horizonte, encoberta e fria, a manhã.
Que faço eu no mundo?
Nada que a noite acalme ou levante a aurora,
Coisa séria ou vã.
Com olhos tontos da febre vã da vigília
Vejo com horror
O novo dia trazer-me o mesmo dia do fim
Do mundo e da dor -
Uma dia igual aos outros, da eterna família
De serem assim.
Nem o símbolo ao menos vale, a significação
Da manhã que vem
Saindo lenta da própria essência da noite que era.
Para quem,
Por tantas vezes ter sem 'sperado em vão,
Já nada 'spera.
Fernando Pessoa - (1888-1935)
Mais sobre Fernando Pessoa em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa
Cântico de alforria
terça-feira, 22 de junho de 2010
Trem de Alagoas
Oiçam - Canção vencedora do festival da canção de 1967. Intérprete: Eduardo Nascimento
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Agora que partiste
Agora que partiste
já percebeste
e viste
que o Deus que combateste
e em que não acreditaste
existe.
Que Ele quer junto de Si
tudo o que criou:
até o filho que Lhe virou as costas
e O negou.
domingo, 20 de junho de 2010
Esse homem
Esse homem
Queria esse homem escondido em ti mesmo,
Esse homem de que tu és apenas uma sombra…
Queria os teus silêncios e os teus sonhos
E essa melancolia que t'envolve como um véu…
Queria o gesto vago que fizeste
Como quem afugenta uma lembrança amarga…
Queria o afago indiferente dos teus dedos
Desfolhando um livro ou escrevendo um poema…
E os pensamentos que às vezes passam um instante
Nos teus olhos, fazendo-te, medroso, cerrá-los um pouco
Para que não escape nada
Queria tudo de silencioso e íntimo, de impreciso e distante
Que ocultas, avaro, em tua grave solidão,
Essa solidão que mesmo nos instantes mais livres
E mais despreocupados, é a atmosfera que respiras,
A nuvem em que t'escondes,
Tua agreste e invisa solidão.
Queria as palavras que não dizes, que não vêm aos teus lábios,
Mais do que num leve e breve sorriso meio triste…
Queria um beijo da tua boca, em tua boca.
Um beijo em que estivesses fremente e palpitante,
Com os teus anseios e os teus mistérios revelados,
E teu corpo ardente estremecendo
De amor intenso, de entrega absoluta,
Na ânsia de revelar-se, de dar-se, de doar-se completamente…
Queria esse homem escondido em ti mesmo.
____________
Ilustração: C. de A.
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Sangue é vida
Cada vez que me recorda
Sinto o coração a sofrer,
De uma triste história
Que nunca irei esquecer.
Pois num certo dia estava
Brincando com meus amigos,
Lá no meio da savana
Onde havia grandes perigos.
No meio daquele ambiente
Paisagístico e humano,
Deu-me uma crise de tosse
Desmaiei se não me engano.
Logo saltou uma golfada
De sangue saindo do pulmão,
Como tinha desmaiado
Ali tombei para o chão.
No hospital da Gabela
Tentaram me socorrer,
Foi um negro que me deu sangue
Se não fosse ele eu iria morrer.
Só ele era possuidor
Do mesmo grupo do meu,
Ele me ofereceu vida
Grato te fico irmão meu.
Aquele sangue era puro
De raízes bem Angolanas,
Colei-me àquela terra
Ó coração… tanto a aclamas.
Se não fosse aquele negro
Eu teria mesmo morrido,
Por isso não me sinto branco
Sou daquele povo querido.
Portugal
Portugal
Este mendigo, outrora, era um menino d' oiro,
Teve um Império seu, mas deixou-se roubar.
Hoje, não sabe já se é castelhano ou moiro
E vai às praias ver se ainda lhe resta o mar!
* * *
Agora, o meu país são dois palmos de chão
Para uma cova estreita e resignada.
Tem o formato exacto de um caixão.
Agora, o meu país é pó, é cinza, é nada.
Reduziram-no assim para caber na mão
Fechada!
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Escrito no Sangue
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Oração
Menina Perdida
no bosque da vida.
Os olhos desertos,
os gestos errados,
os passos incertos,
os sonhos cansados.
Menina perdida,
desaparecida
nos longos caminhos
de pedras e espinhos.
Cabelos molhados,
pés nús, alma exangue,
vestidos rasgados,
mãos frias, em sangue.
Menina encontrada
na berma da estrada.
Andava perdida
mas já foi achada,
de branco vestida,
de branco calçada.
Menina perdida
no bosque da vida.
sábado, 12 de junho de 2010
É preciso ficar aqui, entre os destroços,...
E cinzelar a pedra e recompor a flor.
É preciso lançar no vazio dos ossos
A semente do amor.
É preciso ficar aqui, entre os caídos,
E desmontar o medo e construir o pão.
É preciso expulsar dos cegos dias idos
A insónia da prisão.
É preciso ficar aqui, entre os escombros,
E libertar a pomba e partilhar a luz.
É preciso arrastar, pausa a pausa, nos ombros,
A ascensão de uma cruz.
É preciso ficar aqui, entre as ruínas,
E aferir a balança e tecer linho e lã.
É preciso o jardim a envolver as oficinas:
É preciso amanhã.
António Manuel Couto Viana, in "Nado Nada", 1977
quinta-feira, 10 de junho de 2010
António Manuel Couto Viana (1923-2010)
NotaAntónio Manuel Couto Viana, um homem que comecei a admirar pela sua poesia patriótica e nacionalista quando eu tinha apenas uns 14 ou 15 anos. Após o 25 de Abril de 1974 admirei-o ainda mais por se manter integro e coerente perante todas as campanhas que lhe moveram para o silenciarem.Há menos de três anos tive o privilégio e a suprema honra de o conhecer pessoalmente. Então, apercebi-me da sua grande humanidade e simplicidade. De admirador, tornei-me amigo e amigo para sempre.
O que resta da nossa nação acaba de perder um dos maiores vultos nacionais de todos os tempos. A nossa Pátria está muito mais pobre com a perda deste homem de letras e de virtudes. Perdeu-se também um homem que, nestes tempos de cobardia e negação da Pátria, se manteve como um homem de "H" grande.Obrigado meu poeta e meu mestre.Rui Moio
"O escritor António Manuel Couto Viana morreu esta tarde aos 87 anos no Hospital de Santa Maria, em Lisboa."(via Público 8-6-2010).
As nossas condolências à família de António Manuel Couto Viana.
Este é um momento de forte emoção, e em homenagem a este grande poeta, escritor, dramaturgo, ensaísta, encenador e tradutor, deixamos o leitor com estes links do Público, e da Associação Portuguesa de Poetas (http://appoetas.blogs.sapo.pt/) onde se destaca referência à sua obra.
Da sua poesia saliento e transcrevo aqui este poema que António Manuel Couto Viana dedicou ao seu querido Amigo, Eduíno de Jesus. É natural que os seus amigos se sintam com os mesmos sentimentos de quem está de luto.
Ilha de São Miguel
Para Eduíno de Jesus
António Manuel Couto Viana
Vejo os romeiros da Semana Santa
Atravessando os campos plo sol-posto:
O cajado na mão; ao ombro, a manta,
E a fé em cada rosto.
Na alba do domingo, assisto
(Ainda luzem estrelas)
À missa cantada ao Senhor Santo Cristo,
Entre a pompa dos oiros, flores e velas.
À porta do Convento da Esperança,
Rezo ao banco de Antero.
A sua alma, em paz, ali descansa,
Depois do tiro do desespero.
E a paisagem bucólica,
Com lagoas de névoas e frescuras,
Melancólica,
Escorre das alturas.
Até onde o olhar se perde,
Vacas pretas e brancas
Mancham o pasto verde,
De úberes túmidos, de pesadas ancas.
Tão alvas e tão azuis, nas bermas das estradas,
As hortenses floriram os fuzis liberais,
Por serem dessas cores as bandeiras ousadas
Que iriam invadir as areias e os cais.
Enfeitam-na, também, as rosas do Japão
(Vai-lhe bem o cetim!).
E respira da boca do extinto vulcão
Hálitos de jardim.
Nas Furnas,
Arde o coração da terra.
E, das caldeiras soturnas,
Um fumo sobe, ondula e erra.
Fui ao Nordeste, um dia,
Comer cracas, beber vinho de cheiro,
Enquanto a Ilha bebia
Nevoeiro.
E porque não beber chá
(Chá chinês da Gorreana):
O Oriente que dá
Delicadeza à flora açoriana?
Beber, na estufa, até, um sumo de ananaz,
Como um sol ruivo, acre e tropical
Que ao severo da Ilha satisfaz
a sede sensual.
No sabor das bananas, que novos exotismos!
Verdes, se verdes, depois, doiradas,
Frente a espessuras, prados, abismos,
Fontes, levadas...
Ilha a emergir da espuma,
Sê sinal de salvação:
Traz-me, perdido na bruma,
El-Rei Dom Sebastião.
(20.2.08)
António Manuel Couto Viana "Sobre Eduíno de Jesus". Eduíno de Jesus: A ca(u)sa dos Açores em Lisboa - homenagem de amigos e admiradores. Eds. Onésimo T. Almeida e Leonor Simas-Almeida. Terceira: IAC, 2009. 32-33.
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Cecília Meireles na Índia
onde abre a rosa da aurora,
e onde mais do que a ventura
a dor é perfeita e pura,
chegaremos de mãos dadas.
Chegaremos de mãos dadas,
Tagore, ao divino mundo
em que o amor eterno mora
e onde a alma é o sonho profundo
da rosa dentro da aurora.
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
sexta-feira, 4 de junho de 2010
FADO DO MARINHEIRO de Estêvão Amarante
O marujo criou fama.
Desde um tal Vasco da Gama
Que no mar foi o primeiro;
E o Pedro Álvares Cabral
Só foi grande em Portugal
Por ter sido marinheiro.
A lutar como um soldado,
Peito ao léu, rosto queimado,
Ao sol da terra africana,
Com a farda em desalinho,
(Foi às ordens de Mouzinho
Que deu caça ao Gungunhana !
Quando o mar era um segredo,
Os antigos tinham medo
De perder-se ou ir a pique;
Só zombavam das porcelas
As primeiras caravelas
Do Infante Dom Henrique!
Fartos já de andar nos mares,
Também vamos pelos ares
Sem temor, abrir caminho;
Pois bem sabe toda a gente
Que o marujo mais valente
É o avô Gago Coutinho!
Nessa Alcântara afamada,
O marujo anda à pancada
E arma sempre espalhafato;
É que guarda na memória
O banzé que houve na história
Do António Prior do Crato.
Quando vai p'rá Fonte Santa
E dá largas à garganta,
P'la guitarra acompanhado.
Até chora o mundo inteiro,
Porque a voz do marinheiro
É a voz do próprio Fado!…
Com o russo em Berlim
Com o russo em Berlim
Esperei (tanta espera), mas agora,
nem cansaço nem dor. Estou tranquilo,
Um dia chegarei, ponta de lança,
com o russo em Berlim.
O tempo que esperei não foi em vão.
Na rua, no telhado. Espera em casa.
No curral; na oficina:um dia entrar
com o russo em Berlim.
Minha boca fechada se crispava.
Ai tempo de ódio e mãos descompassadas.
Como lutar, sem armas, penetrando
com o russo em Berlim?
Só palavras a dar, só pensamentos
ou nem isso: calados num café,
graves, lendo o jornal. Oh, tão melhor
com o russo em Berlim.
Pois também a palavra era proibida.
As bocas não diziam. Só os olhos
no retrato, no mapa. Só os olhos
com o russo em Berlim.
Eu esperei com esperança fria,
calei meu sentimento e ele ressurge
pisado de cavalos e de rádios
com o russo em Berlim.
Eu esperei na China e em todo canto,
em Paris, em Tobruc e nas Ardenas
para chegar, de um ponto em Stalingrado,
com o russo em Berlim.
Cidades que perdi, horas queimando
na pele e na visão: meus homens mortos,
colheita devastada, que ressurge
com o russo em Berlim.
O campo, o campo, sobretudo o campo
espalhado no mundo: prisioneiros
entre cordas e moscas; desfazendo-se
com o russo em Berlim.
Nas camadas marítimas, os peixes
me devorando; e a carga se perdendo,
a carga mais preciosa: para entrar
com o russo em Berlim.
Essa batalha no ar, que me traspassa
(mas estou no cinema,e tão pequeno
e volto triste à casa; por que não
com o russo em Berlim?).
Muitos de mim saíram pelo mar.
Em mim o que é melhor está lutando.
Possa também chegar, recompensado,
com o russo em Berlim.
Mas que não pare aí. Não chega o termo.
Um vento varre o mundo, varre a vida.
Este vento que passa, irretratável,
com o russo em Berlim.
Olha a esperança à frente dos exércitos,
olha a certeza. Nunca assim tão forte.
Nós que tanto esperamos, nós a temos
com o russo em Berlim.
Uma cidade existe poderosa
a conquistar. E não cairá tão cedo.
Colar de chamas forma-se a enlaçá-la,
com o russo em Berlim.
Uma cidade atroz, ventre metálico
pernas de escravos, boca de negócio,
ajuntamento estúpido, já treme
com o russo em Berlim.
Esta cidade oculta em mil cidades,
trabalhadores do mundo, reuni-vos
para esmagá-la, vós que penetrais
com o russo em Berlim.
Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)
Mais sobre Carlos Drummond de Andrade em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade
quarta-feira, 2 de junho de 2010
o que me dói
O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...
São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.
São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.