segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Velada de Almas, em véspera da Perda da Independência

Velada de Almas, em véspera da Perda da Independência

via MANLIUS by José Carlos on 11/30/09
VELADAS D'ARMAS E D'ALMAS

À memória do 1.º cabo, António de Oliveira
Paulino, meu devoto e sempre lembrado
condutor-auto.

1.

A dois dedos da madrugada
me adianto
para o camarada
morto — e canto, canto

como quem aponta uma espada
ao espaço do próprio espanto!...

Fixar-lhe a face fechada
é agasalhá-lo no manto
do tempo que arrecada
e cujo tampo levanto

É calcorrear uma estrada
com memórias a cada canto,
entoar a mais bela balada
do desencanto.

E não há nada
que valha tanto!

A dois dedos da madrugada
— canto!, canto…
Camarada:
Em pranto, canto!

2.

Quedou sempre manhã cedo
Na vida do camarada
Que o degredo não degrada,
Vem a medo, bem-amada

E singra e sangra em segredo
(E singra e sangra, sagrada)

3.

Pelas alturas se altera
Que outra vida o persuade
A ficar, em sonho, à espera
— À espera da eternidade…

Hoje é indício de enseadas
Além-Morte (A Morte vence-o,
Com o cilício e as ciladas
Do seu solene silêncio…)

4.

Agora, ei-lo a sós
Por trás da muralha
Do sono, e da voz
Que o silêncio agasalha

Da guerra descansa,
Em paz — tal maré
Sobre quem só é lembrança
Ou mais que lembrança é.

5.

Moída mais que por mós
A memória dá recado
De um coração que por nós
Bate apesar de enterrado.

Concha do chão, sonho a sós,
Na morte o encontro marcado
Do silêncio com a voz,
Do presente com o passado.

Veio a noite, e a paz após.
De vala a vala embalado,
Ali jaz, sono sem foz,
Em solidão o soldado

Atrás do remorso atroz
Que punge e chaga do lado
De um coração que por nós
Bate apesar de enterrado…

Pela dádiva desmedida
Do eterno camarada

Levo o tempo de vencida
E trago na minha vida
A morte dele hospedada!

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Luanda

Gosto dela à noite
a horas esquecidas

Gosto dela quando mais
ninguém anda cá fora
e a sinto toda minha…

O sei corpo grande e negro
é quente e generoso,
e os ruídos no escuro
cães ladrando, carros longe
galos, meninos chorando…
fazem uma sinfonia
morna, calma e tropical
como se fosso o respirar
de alguém que descansa.

É por isso

Que eu gosto de Luanda
a horas esquecidas…

Olho o seu corpo, grande,
o seu corpo negro e generoso
e sinto uma ternura especial

Como se fosse o corpo conhecido
duma amante saciada e adormecida
que se olha com amor e com cansaço
e depois se recorda com saudade.


terça-feira, 17 de novembro de 2009

Soneto de Inês

Boa Poesia, de um Bom Poeta

via MANLIUS by José Carlos on 11/17/09

Dos olhos corre a água do Mondego
os cabelos parecem os choupais
Inês! Inês! Rainha sem sossego
dum rei que por amor não pode mais.

Amor imenso que também é cego
amor que torna os homens imortais.
Inês! Inês! Distância a que não chego
morta tão cedo por viver demais.

Os teus gestos são verdes os teus braços
são gaivotas poisadas no regaço
dum mar azul turquesa intemporal.

As andorinhas seguem os teus passos
e tu morrendo com os olhos baços
Inês! Inês! Inês de Portugal.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O FADO É PORTUGUÊS

O FADO É PORTUGUÊS

via Lisboa no Guiness by Apontamentos Amalianos on 11/10/09

O Fado é tão português, que, de arnês,
bateu-se em Fez;
esteve em Alcácer-Quibir;
arrostou o mar profundo
e ao Mundo
deu novo Mundo,
na senda de Descobrir!
Esteve em Malaca e Ormuz
e, à luz
do signo da Cruz,
construiu impérios novos;
da Guiné até Timor,
com ardor,
foi defensor
do Destino doutros povos!
Fê-lo Deus aventureiro:
foi guerreiro
e marinheiro;
missionário, ou de má-rês
e — vá ele p' ra' onde for —
¬cante a dor,
ou cante o amor,
o que canta é Português!

domingo, 8 de novembro de 2009

DÁ-ME UM TRAGO DE TRIPEIRO

Dá-me uma gota de ti
N'uma palavra que seja
Despida d'outros sinais
Que não sejam vendavais
De rasgos soltos aos ais
De gaivotas a cantar
Do peito do teu lugar

Dá-me uma flor desfolhada
Com seiva d'água na boca
E lonjuras de moinhos
Com alquimias de vento
A rasgar céus em pedaços
E a bater no coração
Das espigas da minha mão

Dá-me um chá preto-das-cinco
E o Bolero de Ravel
Com a pauta trauteada no pulso da tua pele
Dá-me um trago de tripeiro
Em qualquer cave sem pé
Com medronhos soletrados
Ao sabor da tua fé...

Maria José Praça (N.126080 da SPA)

E OS HOMENS DA TERRA...

E os homens da terra
Sentaram-se! Frutos silvestres
Emprestaram sabedoria e sombra
Poeiras campestres
Abençoaram papeladas
E acordos nos matos das picadas!

Um vento a soprar agreste
As terras do leste
Falou-me d’homens sentados
Em troncos e pedras
A falarem acordos e palavras
E obuses de canhões silenciados!

A taça do sangue das armas
Entornou-se! Batuques e lágrimas
Das gentes magricelas
A espreitar homens da terra
Sentados, a falarem paz em palavra
E sonhos e acordos d’estrelas!

A tumba dos homens apagados
Em camuflados e botas
Aplaudiram palmas
Kazumbis e almas
Dançaram alegria nas matas
E homens sentaram pedras d’acordos!

E as patentes da terra
Conversaram! Calaram-se ruídos
E fuzis d’homens fardados
A barulhar palavras e guerras
Conversam os homens nas pedras
E nos troncos dos acordos!

E os homens da terra conversaram!

Luanda, 26 de Novembro de 2007.
in "Xé Candongueiro"

sábado, 7 de novembro de 2009

O meu sentido

Sou feita de Mar,
Amor e Poesia.
Sou sonhadora, prudente, teimosa, insaciável...
Tenho qualidades e defeitos,
como qualquer ser humano.
Vivo de sensações: cheiros, sabores, toques.
Gosto de caminhar,
aprender e trilhar rotas ainda não descobertas.
Sou uma Pessoa...
com sonhos, desejos, projectos, ideias e ideais.
Com sede e fome de mais.

Nota: adaptação ao formato de poema por Rui Moio

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Canto interior de uma noite fantástica

via Angola: os poetas by kinaxixi on 11/5/09
Sereno, mas resoluto
aqui estou – eu mesmo! – gritando desvairado
que há um fim por que luto
e me impede de passar ao outro lado.

ante esta passagem de nível
nada de fáceis transposições
do lado de cá – pareça embora incrível
é que me meço: princípio e fim das multidões.

não quero tudo quanto me prometem aliciantes
nada quero, se para mim nada peço,
o meu desejar é outro – o meu desejo é antes
o sesejo dos muitos com que me pareço.

quem quiser que venha comigo
nesta jornada terrena, humana e sincera
e se for só – ainda assim prossigo
num mar de tumulto, impelindo os remos sem galera

que venham glaucas ondas em voragem
que ardam fogos infernais
que até os vermes tenham a coragem
de me cuspir no rosto e no mais.

que os lobos uivem famintos
que os ventos redemoinhem furiosos
que até os répteis soltem seus instintos
e me envolvam traiçoeiros e viscosos.

que me derrubem e arremessem ao chão
que espezinhem meu corpo já cansado
à tortura e ao chicote ainda responderei não
e a cada queda – de novo serei alevantado.
e não transportarei a linha divisória
entre o meu e o outro caminho
mesmo que a minha luta não tenha glória
é no campo de combate que alinho.

assim continuarei a lutar, ai a lutar!
num perigoso mar de paixões e escolhos
e – companheiros – se neste sofrer me virdes chorar
não acrediteis em vossos olhos!

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

"UM POVO IMBECILIZADO E RESIGNADO....

"UM POVO IMBECILIZADO E RESIGNADO....

via DA TAILÂNDIA COM AMOR E HUMOR by Jose Martins on 11/4/09



"Um povo imbecilizado e resignado,
humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo,
burro de carga,
besta de nora,
aguentando pauladas,
sacos de vergonhas,
feixes de misérias,
sem uma rebelião,
um mostrar de dentes,
a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas
é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante,
não se lembrando nem donde vem,
nem onde está,
nem para onde vai;
um povo, enfim,
que eu adoro,
porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência
como que um lampejo misterioso
da alma nacional,
reflexo de astro em silêncio escuro
de lagoa morta (...)
.
Uma burguesia,
cívica e politicamente corrupta ate à medula,
não descriminando já o bem do mal,
sem palavras,
sem vergonha,
sem carácter,
havendo homens
que, honrados (?) na vida íntima,
descambam na vida pública
em pantomineiros e sevandijas,
capazes de toda a veniaga e toda a infâmia,
da mentira à falsificação,
da violência ao roubo,
donde provém que na política portuguesa sucedam,
entre a indiferença geral,
escândalos monstruosos,
absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...)
.
Um poder legislativo,
esfregão de cozinha do executivo;
este criado de quarto do moderador;
e este, finalmente, tornado absoluto
pela abdicação unânime do país,
e exercido ao acaso da herança,
pelo primeiro que sai dum ventre
- como da roda duma lotaria.
-
A justiça ao arbítrio da Política,
torcendo-lhe a vara
ao ponto de fazer dela saca-rolhas;
Dois partidos (...),
sem ideias,
sem planos,
sem convicções,
incapazes (...)
vivendo ambos do mesmo utilitarismo
céptico e pervertido, análogos nas palavras,
idênticos nos actos,
iguais um ao outro
como duas metades do mesmo zero,
e não se amalgamando e fundindo, apesar disso,
pela razão que alguém deu no parlamento,
de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)"

Guerra Junqueiro, in "Pátria", escrito em 1896

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Olhai que ledos vão


Olhai que ledos vão
Os nossos soldados
De blusa branca de comando
De botas e camuflado
G3 ao lado

Olhai que ledos vão
Os nossos soldados
Com vigor batem na calçada
Na cadência da marcha cantam
Cânticos de guerra de Cabinda
Do Rovuma, do Cumbidjã

Olhai que orgulhosos vão
Os nossos soldados
À frente os estandartes que servem
Numa profusão de vermelhos e verdes

Com o rufar dos tambores
Sonhamos glórias
Estamos certos
Temos razão, cheira-nos vitória
Milhares de guerreiros
A uma só voz
Como uma muralha
Infundem respeito
E gritam
Estamos aqui

Estes soldados
São o espelho
Da sociedade que somos e cremos
De todas as cores e sem raças
Sem egoísmos, sem fraquezas
São heróis
Da guerra e de princípios

Estes soldados
Somos NÓS

Rui Moio, 12Jun2008. Poema concebido e elaborado pelas 16h00 no café A Presidente na avenida Conde de Valbom em frente à galeria Valbom onde se expunham quadros de Malangatana.

Avenida Marquês de Tomar

É Verão.
Há sol e sombras
Há meninas e mulheres
Adolescentes e casadoiras
Que passam ligeiras.
Há soutiens apertados
E umbigos trementes
Calças e rebordos de lingerie.
Há verdura, jovialidade e encanto.

É meio dia.
As ruas enchem-se
De gente bonita, asseada.
São mais fémeas que machos
Vintonas e trintonas
Gente não apressada
Não há crianças
Não há ruídos ensurdecedores
Não há velhos entorpecidos.
Há burguesia.
À vista não há pobreza e coisas feias.
Automóveis novos, lavados
Em andamento moderado
De tintas mais cinzentas que coloridas

Há um nome de rua
Ou de avenida
Neste Bairro Novo
Não muito quadriculado
Com um toque de intimidade
De memória, de grandeza...

Habitualmente, sem sobressalto
Desfrutam-se as estruturas
Que os nossos avós nos deixaram.
Sem ameaças de as termos que defender
De inimigos usurpadores.
Há paz e normalidade

Vive-se, vivendo.
Vê-se, vendo.
Sonha-se, sonhando.
Ouve-se, ouvindo.
Pensa-se, pensando.

E isto existe
Vê-se, do Talismã

Na avenida Marquês de Tomar
Na cidade capital
Da minha Lisboa.

Rui Moio, 19Jun2008. Poema Avenida Marquês de Tomar, elaborado pelas 13h15 na Pastelaria Talismã, sita na Avenida Marquês de Tomar, no Bairro das Avenidas Novas, em Lisboa.

domingo, 1 de novembro de 2009

África Nossa

África:
dos encontros, dos desencontros e dos reencontros;
dos sentidos e das emoções;
das paixões e das contradições.

África:
dos amantes ardentes e dos amores fugazes;
dos sonhos váguos e por realizar;
da esperança tornada impossibilidade.

África:
do desejo recriado;
da vontade alimentada;
das recordações revividas... dia após dia.

Feira da Ladra -1

via Atrás da lente de Paula Cabeçadas em 01/11/09
Nova Feira Da Ladra

É na Feira da Ladra que eu relembro
uma toalha velha, toda em linho,
que já serviu uma noite de Dezembro,
e agora cheira a Setembro,
como o Outono sabe a vinho.
Não valem muito mais que dois pintores
os quadros das paisagens
que eu já sei,
mas valem, pelos frutos, pelas flores
que em São Vicente das Dores,
fora de mim, eu pintei.

O que é que eu vou roubar à Feira?
Um beijo de mulher trigueira.
Aqui um coração, ali uma gravura.
É a Feira da Ladra ternura.
O que é que eu vou trazer da Feira?
Um corpo de mulher braseira.
Aqui está um lençol, bordado como dantes.
Esta Feira da Ladra é dos amantes.

E na Feira da Ladra nos vingamos
dum pouco desse tempo que morreu.
Em cada botão velho que compramos
há sempre uma corja de amos
que em Abril, Abril venceu.
Agora não compramos velharias,
tudo passado é lastro do futuro.
Nascemos para o sol todos os dias,
na nossa Feira da Ladra
já não há ladrões no escuro.

O que é que eu vou roubar à Feira?
Um beijo de mulher trigueira.
Aqui um coração, ali uma gravura.
É a Feira da Ladra ternura.
O que é que eu vou trazer da Feira?
Um corpo de mulher braseira.
Aqui está um lençol, bordado como dantes.
Eis a Feira da Ladra dos amantes.

Ary dos Santos














Sátira ao prometido aumento de vencimentos em Janeiro de 1959

Surge Janeiro frio e pardacento,

Descem da serra os lobos ao povoado;
Assentam-se os fantoches em São Bento,
E o Decreto da fome é publicado.
Edita-se a novela do Orçamento;
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado.
E enquanto à fome o povo se estiola,
Certo santo pupilo de Loyola,
Mistura de judeu e de vilão,
Também faz o pequeno "sacrifício"
De trinta contos, - só! - por seu ofício,
Receber, a bem dele... e da nação.
Em 1959 no dia de uma reunião de antigos alunos, assino este soneto

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