A casa da minha infância,
Era real, era verdade?
Tinha flores, tinha alegria,
Sem sombra de dor ou saudade.
E meu vestido branco
Como açucenas mimosas?
Onde estará?
Em farrapos pelos caminhos?
Nas silvas? Nos espinhos das rosas?
(Qu'importa agora sabê-lo?)
Foi pena, Senhor, foi pena,
Que tudo, tudo se fosse.
A ribeirinha perdida
Bem longe, lá na distância,
Onde meu corpo boiava
Como airosa caravela,
Cabelos soltos ao vento,
Olhos negros, anciosos,
Numa busca esperançosa.
(Silêncio à minha volta
Na noite agreste e fria.
Silêncio de ventos gemendo
De folhas soltas, errantes,
De doce aroma de rosas,
De árvores, de galopadas,
Em asas desdobradas
Voando sem direcção).
Tenho medo de querer,
De querer e não ser capaz.
De saltar esta barreira
Para o tempo imaginário,
Em que chorava, gritava,
Por não poder ser rapaz.
De ter que ser menina fina,
De andar amortalhada
Em laços, rendas e sedas,
Cabelos rebeldes, entrançados,
De ouvir a toda a hora:
-Tens que ser uma senhora!
Porquê, minha mãe?
Que foi feito da minha trança?
Do velho pomar
Onde corria provando de cada fruto,
Cheirando todas as flores?
Dos meus bibes de menina
Sujos, rasgados,
Nos ninhos, nos valados?
Ah! Que ânsia, que sede,
De encontrar, enfim,
O meu jardim encantado,
O jardim da minha infância
Perdido para sempre no passado,
Tão distante, mas tão perto!
(Donde vem esta canção
De m'embalar?
Como prender cada nota que escuto
E se afasta de mim,
Como onda a soluçar?
Porque razão a vida mudou?
E se mudou, se tudo passou,
Porque não poder esquecer?
Porque não secar este pranto
E não mais ouvir o canto
Que s'introduz pela alma
Como raios finos de lua,
A amargar, amargar?)
Magoa-me o som desta lembrança
Como um lamento,
Como o vento,
Como uma ária de dor
De ânsia, de amor e saudade?
Oh! Minha mãe,
Que voltas a horas mortas
No silêncio da noite escura
Com passos feitos de lua
Com mãos suaves de flor
Em vestes brancas, aladas,
Em horas de nostalgia.
Nada dizes, nada perguntas,
Mas és tu, minha mãe,
Meu passado já perdido,
Encontrado, reencontrado
(Será isto uma ilusão?
Tudo ouço, tudo escuto:
O canto frio do mar,
O ciciar da floresta,
O sono puro das flores,
O vento das colinas,
A chuva a tamborilar,
A vida de cada hora...
Será isto uma ilusão?)
Oh! Minha mãe, minha mãe...
Lembras-te?
Uma noite, altas horas,
Acordei sobressaltada.
Era um choro à janela
Era o uivo dos chacais
E do vento, misturados.
Lá fui descalça, chorando,
Correndo apavorada,
Em busca dos braços teus,
Que dissipavam as sombras,
O vento, as trevas, os lobos,
Os duendes encantados.
Agora, embora o medo me volte,
Noite a noite, à porfia,
Sem entender a razão,
Levanto-me a horas mortas,
Descalça, apavorada,
Sem encontrar tua mão.
(Chove dentro de mim.
Pressinto-te em meu redor,
A flutuar,
E tenho de fugir,
Saltar o muro,
E correr, correr, sem nunca olhar para trás,
Como fera acossada,
P'ra não te ver, minha mãe,
Com cravos, lírios e rosas,
Dormindo, sem amargura,
Com velas acesas
A rebrilharem nos teus olhos
Na boca cerrada, mas firme
Como se a vida não te tivesse vencido,
Como se tudo valesse a pena
Os risos, as dores,
Os espinhos, as flores.
Para onde irias? Por onde?
( Ah! Sei, enfim, Que brilhas numa estrela:
Na maior, na mais bela: na minha estrela,)
...................
A lua apareceu.
Um raio de luar aquece-me o coração.
Estarei a sonhar?
Por um caminho d'ouro,
Entre nuvens cor de rosa,
Apareces, radiosa.
Ondas de luz, chuva d'estrelas,
Embriagam-me os olhos,
Há pétalas de flores desfolhadas,
Há perfumes, e hinos, cantos de anjos e arcanjos.
Vens de leve, devagar, a estender-me os braços
Feliz e sem idade,
Sem sombra d'alguma saudade
Nos teus olhos deslumbrados.
Tomas-me a mão e partimos,
Entre nuvens de arminho
Plumas de neve.
Sou novamente menina
A galopar, galopar,
No meu cavalo de pau, no meu cavalo de sol.
Sou novamente um anjo!
Um anjo de belas asas,
Pesadas, mal pintadas,
Mas que me fazem cantar,
Porque as perdi, procurei
E voltei a encontrar.
E corro, toco na lua,
Pego com geito em estrelas,
Que se desfazem em pó,
Em nuvens de ouro e de luz.
E lá vou subindo, galopando,
No meu cavalo de fogo, rumo ao sol,
Entre grinaldas de flores,
O coração a palpitar,
De rosas brancas nas mãos.
.............................
Onde estou?
Aqui, onde não estou,
À espera dum amanhã,
A recordar ,
Num tempo sem horas, sem fim,
Num sonho feito de dor,
Que eu não quero sonhar,
Num sono de fumo e esperança,
De que não quero acordar.
sábado, 8 de novembro de 2008
À minha mãe
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