domingo, 20 de outubro de 2013

Toada de Portalegre - (Declamação de João Villaret)



Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
À qual quis como se fora
Feita para eu Morar nela...

Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças.
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- Quis-lhe bem como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego.

Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De montes e de oliveiras
Ao vento suão queimada
(Lá vem o vento suão!,
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão...)
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisa que terei pudor
De contar seja a quem fôr,
Na tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela,
Tinha, então,
Por única diversão,
Uma pequena varanda
Diante de uma janela

Toda aberta ao sol que abrasa,
Ao frio que tosse e gela
E ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda
Derredor da minha casa,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos e sobreiros
Era uma bela varanda,
Naquela bela janela!

Serras deitadas nas nuvens,
Vagas e zuis de distância,
Azuis, cinzentas, lilases,
Já roxas quando mais perto,
Campos verdes e amarelos,
Salpicados de oliveiras,
E que o frio, ao vir, despia,
Rasava, unia
Num mesmo ar de deserto
Ou de longínquas geleiras,
Céus que lá em cima, estrelados,
Boiando em lua, ou fechados
Nos seus turbilhões de trevas,
Pareciam engolir-me
Quando, fitando-os suspenso
Daquele silêncio imenso,
Sentia o chão a fugir-me,
- Se abriam diante dela
Daquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Na casa em que morei, velha,
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
À qual quis como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego...

Ora agora,
Que havia o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Que havia o vento suão
De se lembrar de fazer?

Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Que havia o vento suão
De fazer,
Senão trazer
Àquela
Minha
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
O documento maior
De que Deus
É protector
Dos seus
Que mais faz sofrer?

Lá num craveiro, que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Poisou qualquer sementinha
Que o vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Achara no ar perdida,
Errando entre terra e céus...,
E, louvado seja Deus!,
Eis que uma folha miudinha
Rompeu, cresceu, recortada,
Furando a cepa cansada
Que dava cravos sem vida
Naquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...
Como é que o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Me trouxe a mim que, dizia,
Em Portalegre sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Me trouxe a mim essa esmola,
Esse pedido de paz
Dum Deus que fere... e consola
Como o próprio mal que faz?

Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for
Me davam então tal vida
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Me davam então tal vida
- Não vivida!, sim morrida
No tédio e no desespero,
No espanto e na solidão,
Que a corda dos derradeiros
Desejos dos desgraçados
Por noites de tal suão
Já várias vezes tentara
Meus dedos verdes suados...

Senão quando o amor de Deus
Ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Confia uma sementinha
Perdida entre terra e ceús,
E o vento a trás à varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tôsca e bela
À qual quis como se fôra
Feita para eu morar nela!

Lá no craveiros que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Nasceu essa acaciazinha
Que depois foi transplantada
E cresceu; Dom do meu Deus!,
Aos pés lá da estranha casa
Do largo do cemitério,
Frente aos ciprestes que em frente
Mostram os céus,
Como dedos apontados
De gigantes enterrados...
Quem desespera dos homens,
Se a alma lhe não secou,
A tudo transfere a esperança
Que a humanidade frustrou:
E é capaz de amar as plantas,
De esperar nos animais,
De humanizar coisas brutas,
E ter criancices tais,
Tais e tantas!,
Que será bom ter pudor
De as contar seja a quem for!

O amor, a amizade, e quantos
Mais sonhos de oiro eu sonhara,
Bens deste mundo!, que o mundo
Me levara
De tal maneira me tinham,
Ao fugir-me,
Deixando só, nulo, vácuos,
A mim que tanto esperava
Ser fiel,
E forte,
E firme,
Que não era mais que morte
A vida que então vivia,
Auto-cadáver...

E era então que sucedia
Que em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Aos pés lá da casa velha
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- A minha acácia crescia.

Vento suão!, obrigado...
Pela doce companhia
Que em teu hálito empestado
Sem eu sonhar, me chegara!
E a cada raminho novo
Que a tenra acácia deitava,
Será loucura!..., mas era
Uma alegria
Na longa e negra apatia
Daquela miséria extrema
Em que vivia,
E vivera,
Como se fizera um poema,
Ou se um filho me nascera.


sábado, 31 de agosto de 2013

Aqui no cárcere

aqui no cárcere
eu repetiria hikmet
se pensasse em ti marina
e naquela casa com uma avó e um menino

aqui no cárcere
eu repetiria os heróis
se alegremente cantasse
as canções guerreiras
com que o nosso povo esmaga a escravidão

aqui no cárcere
eu repetiria os santos
se lhes perdoasse
as sevícias e as mentiras
com que nos estralhaçam a felicidade

aqui no cárcere
a raiva contida no peito
espero pacientemente
o acumular das nuvens
ao sopro da história

ninguém 
impedirá a chuva.

Agostinho Neto - (Cadeira da PIDE - Julho de 1960)

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Neve

Lá nas terras do Norte eis a paisagem:
Cem léguas e jazerem sob o gelo,
Em mil léguas caindo a neve em flocos;
Para o norte e pra o sul da Grão Muralha
A vista encontra só branca amplidão;
Gelado e mudo a todo o comprimento
Quedou o rugidor rio Amarelo;
Cobras de prata dançam nas montanhas,
Elefantes de cera nos planaltos,
Desafiando os Céus lá nas alturas;
E, se raiar o Sol no firmamento,
Que maravilha ver seu manto rubro
A colorir a flux a terra branca!
Quantos heróis, ó Terra Pátria, quantos,
Perante o teu encanto se inclinaram?!
Mas que pena! … Tão faltos de cultura,
Quer Shih Huang dos Ch'in, quer Wu-ti dos Han!
Tão pobres de talento literário
Foram Tai Tsung dos Tang, Tai Tsu dos Sung!
E mesmo o Gengis Khan, que por um dia
Foi o filho adorado pelos Deuses,
Sabia só frechar águias em voo!
Todos se foram já no andar do Tempo!
E os genuínos heróis de ato valor
São os da geração dos nossos dias.

Fonte: China de Confúcio a Mão Tsé-Tung, de Albertino dos Santos Matias, pág. 369 e 370.

domingo, 25 de agosto de 2013

Espoliado

Velho e dobrado sobre o cajado,
Segue... a esmolar o pão da vida!...
-Parece uma virgula mal metida
Num parágrafo mal articulado.

Foi soldado e comerciante honrado
Na Pátria plural que foi concebida
D'honra e sangue da Geste convencida
Da justeza do Espaço conquistado

Espoliado... Retornado e só...
- Torrão de lama a virar em pó!...
Perdeu o sol e o Direito do chão...

- É trapo da bandeira... e caravelas
Chegadas ao cais e arreadas as velas
Por ventos de Leste... e Alta traição!...

Fonte: Blogue "BRAVOS "RETORNADOS", ESPOLIADOS, DESLOCADOS...", Barra lateral

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Poema de Luto Pesado II - [Homenagem de Rodrigo Emílio ao Comandante Francisco Daniel Roxo]

Nota
O Comandante Daniel Roxo faleceu heroicamente em combate e ao serviço da Portugalidade no sul de Angola a 23 de Agosto de 1976. Faz hoje 37 anos.
O grande poeta nacionalista Rodrigo Emílio prestou-lhe esta homenagem que foi publicada no seu livro "Reunião de Ruínas", 1976.
Rui Moio


O teu habitat há-de sempre ser à prova de devassa.
Está nesse mato
Mulato
Em que assentaste praça,
E que já hoje, de raiz, te abraça
- Viriato
Do Niassa!

Ao peso da verde capa de capim, que te revista,
Ou sob o tórrido tampão de terra que assista
À tua ausência
- É de pé, e bem a prumo, que o teu corpo agora jaz!

E, ao terrorista
Sem rumo,
Ainda hoje impões tenência
E passo atrás!

Tu cuidaste apenas de arriscar a pele…
Até ao fim, fizeste a guerra
Por amor de um país chocho,
E frouxo,
Hoje por hoje entregue à cobardia.

(ouves-me aí, Daniel,
DANIEL ROXO?...

- Esta pobre terra não te merecia!)

Mas, lá do regaço – ingrato –
Desse mato tropical,
Em que tu, afinal, ficaste intacto
- Já nem a própria morte te rechassa,
Viriato
Do Niassa!

E daí que eu cante
E que te conte,
Comandante,
No horizonte d´este instante
Sem horizontes defronte;
E que daqui em diante
Não me cale –
Em recado encomendado
Para o solo, sacral
E tão sagrado,
Ao colo do qual Já tu estás soldado.
Vivo horas d´um Outro Horto
Mortal,
Meu herói morto…

Irado,
Absorto e reclinado
Sobre a sombra do teu corpo
Ou aos pés da tua alma
Ajoelhado,
Eu sei que estou, afinal,
Perante o desconforto,
Sem igual,
De ver baixar ao teu coval,
Portugal amortalhado!

Acolhe-te, agora à sombra lisa d´uma lousa.
E, na sempre abrasadora asa da brisa,
Em paz repousa
De todo o esforço quinto-imperial,
Que tens levado.

Dá longas tréguas de sono
A esse teu corpo moço
- De colono
E de colosso;
De soldado
Ao solo dado!...

Fonte: Blogue "Dos Veteranos da Guerra do Ultramar  (1959 a 1975)"

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Vexilla Regis


O órgão geme. É Sexta-feira Santa.
Adoração da Cruz na Catedral.
E sobe o coro numa voz que espanta,
– voz de tragédia e cerração mortal!

Só um madeiro agreste se levanta,
abrindo os braços negros por igual.
Os padres cantam. E em tristeza tanta
recanta o incenso a mística espiral.

Soluça o órgão... Com a cruz erguida,
por todo o templo a fé que nos alenta
entoa um hino à Árvore-da-Vida.

E eu, pobre criatura transitória,
enquanto a procissão perpassa lenta,
julgo assistir ao desfilar da História!

António Sardinha in «Na Corte da Saudade».
Fonte: Blogue "Acção integral", post de 29Mar2013

sábado, 17 de agosto de 2013

Poema [Amanhã, quando morrer,]


I
amanhã,
quando morrer,
eu quero ser enterrado
virado para oriente;
de pé,
braços cruzados
à espera que nasça o sol!

quer seja enterro falado
(um enterro burguês a valer),
quer seja de pobre-diabo
eu quero ficar assim:
de pé,
braços cruzados
à espera que nasça o sol!

II
amanhã,
vai nascer um sol maduro
por cima do meu telhado
de menino rico com tudo.
amanhã,
vai nascer um sol maduro
por cima do capim podre
dos meninos pobres sem nada.

depois,
amanhã,
(naquele dia de sol maduro
como goiaba que o morcego quer morder)
o menino rico que mora dentro de mim
mais todos os meninos pobres
que moram dentro do mundo
vamos fazer uma roda grande
e brincar novamente
as brincadeiras do antigamente.

António Cardoso


terça-feira, 13 de agosto de 2013

ALMA VAZIA


Fonte: Blogue "Cubal - Terra Amada"

Sinto falta...
Da terra
Que me viu nascer
Da casa
Que me ouviu
O primeiro choro
Sinto falta...
Das ruas onde brinquei
Dos recantos onde namorisquei
Sinto falta...
Dos amigos que lá deixei
Dos irmãos que perdi
Sinto falta...
Do cheiro da chuva
Da luz sem igual
Sinto falta...
Das madrugadas veladas
Do vermelho pôr de sol
Sinto falta...
Do horizonte sem limite
Do calor que tudo abrasa
Sinto falta...
Do nada que tudo preenche
O vazio da falta...

Mimi Peixoto - Março de 99
 Fonte: NOS TEMPOS DO KAPARANDANDA. Associação dos Antigos Estudantes do Cubal. ÁFRICA MINHA (Volume III)

domingo, 11 de agosto de 2013

EU QUERO IR

Fonte da imagem - net

Eu quero ir
Para a minha
Terra.
Quero encontrar
O capim seco
Da queimada,
A valentia
Do tempo
Do imbondeiro.
Eu quero ir
Para a minha
Terra.
Eu,
Quero cair
D'uma mangueira
Ou d'uma goiabeira,
Que importa ?
Eu,
Quero correr
Numa lavra
De ginguba,
Subir a um
Mamoeiro e
Cair !
Eu quero ir
Para a minha
Terra.
Que importa
O lossengue
Que foge
Ou o jacaré
Em cima da pedra ?
Eu, eu
Quero ir para o rio
Eu quero ir para
A minha terra

Necas Abreu - Janeiro de 1999. 01h 55 min.
Fonte: NOS TEMPOS DO KAPARANDANDA. Associação dos Antigos Estudantes do Cubal, ÁFRICA MINHA (Volume III)

terça-feira, 9 de julho de 2013

Canción por la victoria de Lepanto, año 1572

Levantó la cabeça el poderoso
que tanto ódio tiene; en neutro estrago
juntó el consejo, y contra nos pensarmos
los que en él se hallaron.
"Venid, dixieron, y en el mar ondoso
hajamos de su sangre un grande lago;
deshagamos a éstos de lá gente,
y el nobre de su Cristo juntamente,
y dividiendo de ellos los despojos,
hártense en muerte sua nuestros ojos."

Vinieron de Ásia y portentoso Egito
los árabes y aleives africanos,
y los que Grecia junta mal con ellos,
con los erguidos cuellos,
con gran poder y número infinito;
y prometer osaron con sus manos
encender nuestros fines y dar muerte
a nuestra juventud con hierro fuerte,
Nuestros nińos prender y las doncellas,
y la gloria mancha y la luz dellas...

Fonte: "El Caballero de Alántara" de Jesús Sanchez Adalid, pág. 3.

domingo, 7 de julho de 2013

Quitandeira

I
quitandeira dos muceques,
ó minha antiga ama que já me deste mama,
dá-me agora um mamão, dá-me agora uma manga, dá-me
caju, goiaba, laranja!
é o complexo infantil que toma a minha voz
nesta visão em que me escuto
e me transporto de ontem para hoje?
(a saudade é o sabor agridoce do fruto
na boca amarga de homem feito,
que já foi boca doce de menino-de-leite.)

II
quitandeira de mamão, goiaba,
caju, laranja, manga,
- quitandeira que te perdes no abismo
da quitanda da vida,
porque me embriagas?
vem buscar a moeda do lirismo
com que o meu olhar te convida.
(o meu anseio é sede ou fome?
ainda sou menino, ou já sou homem?)

III
quitandeira dos muceques de luanda por onde anda
a minha antiga ama,
dá-me fruta da tua quitanda
(também o corpo, ou só a quinda?),
dá-me, dá-me...

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

COMO DIZIA O POETA...


Composição: Vinicius de Moraes / Toquinho

Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão 

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

ENCOMENDA

foto: internet

Desejo uma fotografia
como esta — o senhor vê? — como esta: 
em que para sempre me ria
como um vestido de eterna festa. 

Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa. 
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria. 

Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia... 
Não... Neste espaço que ainda resta, 
ponha uma cadeira vazia.

Fonte: Blogue "Sedimentos", post de 12Jun2010

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Quem é o Email?

Quem é o Email?
O Email faz parte do nosso quotidiano.
Email para aqui,
Email para ali,
Email por todo o lado.
Quem é ele?
Mas já alguém viu o Email?
Ele se parece-se com quê?
Como é que ele é?
E de que País é ele?
Nunca ninguém recebeu resposta a estas perguntas.
Pois bem,
Senhoras e Senhores,
Meninos e Meninas,
Damas e Cavalheiros,
pela primeira vez, e em estreia mundial, eis o Email:

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

CANÇÃO DO DIA DE SEMPRE


Tão bom viver dia a dia
A vida assim, jamais cansa
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu...


Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas…


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Cruzado sou. Envergo uma couraça, (...)

Cruzado sou. Envergo uma couraça,
Jurei meus votos num missal aberto.
– eu me persigno em nome do Encoberto.

Alto, bem alto, quando a lua passa,
a lua me dirá se o avisto perto.
Eu me persigno – ou seja noite baça,
ou rompa o dia, com o sol desperto.

Meu S. Cristóvão, de menino ao ombro,
ó Portugal, – eu me comovo e assombro –
nas tuas mãos ergueste o mundo inteiro.

Entrei por ti na religião da Esperança,
Pois na alvorada que de além avança,
vem tu vestir-me o arnez de cavaleiro!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Lá no Água Grande


Lá no água grande
Lá no "Água Grande" a caminho da roça
negritas batem que batem co'a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.

Cantam e riem em riso de mofa
histórias contadas, arrastadas pelo vento
Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.
As crianças brincam e a água canta.
Brincam na água felizes...
Velam no capim um negrito pequenino.

E os gemidos cantados das negritas lá do rio
ficam mudos lá na hora do regresso...
Jazem quedos no regresso para a roça.

Alda Espirito Santo in
É nosso o solo sagrado da terra

Fonte: Blogue "Lusofonia Poeética-poesia Lusófonas", post de 02Ago2012

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Canção do mestiço

Mestiço!

Nasci do negro e do branco
e quem olhar para mim
é como se olhasse
para um tabuleiro de xadrez:
a vista passando depressa
fica baralhando cor
no olho alumbrado de quem me vê.

Mestiço!

E tenho no peito uma alma grande
uma alma feita de adição
como l e l são 2.

Foi por isso que um dia
o branco cheio de raiva
contou os dedos das mãos
fez uma tabuada e falou grosso:
- mestiço!
a tua conta está errada.
Teu lugar é ao pé do negro.

Ah!
Mas eu não me danei ...
E muito calminho
arrepanhei o meu cabelo para trás
fiz saltar fumo do meu cigarro
cantei do alto
a minha gargalhada livre
que encheu o branco de calor! ...

Mestiço!

Quando amo a branca
sou branco...
Quando amo a negra
sou negro.
Pois é...

Francisco José Tenreiro, 1942
Fonte: Blogue "Lusofonia Poética-Poesia Lusófonas", post de 02Ago2012

sábado, 19 de janeiro de 2013

Ladainha dos póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

David Mourão-Ferreira, in «Cancioneiro de Natal»
Fonte. Blogue "Entre as Brumas da Memória", post de 25Dez2012.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Toada gótica


Seguem-te os alicornes mansamente,
Pastando neve na montanha azul...
Que a tua mão, Senhora, os apascente
Sem nada que os altere ou que os macule!

O céu, coalhado, tem um ar ausente
Que nem parece o dum país do Sul.
E os alicornes pastam mansamente
– E a neve brilha na montanha azul!

Ondeiam nos pauis fantasmas brancos.
Tal como um sonho que se apaga e esfuma,
Anda a bailar o Inverno nos barrancos.

E tu sorris, atrás dos alicornes...
Ó pastorinha de vitral e bruma,
Que sobre mim a tua graça entornes!


sábado, 12 de janeiro de 2013

IRMÃOS D'ARMAS

Morreremos no mesmo dia
Pedras do mesmo padrão
Todo o condão e a magia
Toda a magia da acção
Gerando a interior geografia
De mapas sem dimensão

Morreremos no mesmo dia
Noivos do mesmo nevão
Solidão por companhia
Manhã d'armas meu irmão!

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Saudação aos que Vão Ficar


Como será o Brasil
no ano dois mil?
As crianças de hoje,
já velhinhas então,
lembrarão com saudade
deste antigo país,
desta velha cidade?
Que emoção, que saudade,
terá a juventude,
acabada a gravidade?
Respeitarão os papais
cheios de mocidade?
Que diferença haverá
entre o avô e o neto?
Que novas relações e enganos
inventarão entre si
os seres desumanos?
Que lei impedirá,
libertada a molécula
que o homem, cheio de ardor,
atravesse paredes,
buscando seu amor?
Que lei de tráfego impedirá um inquilino
- ante o lugar que vence -
de voar para lugar distante
na casa que não lhe pertence?
Haverá mais lágrimas
ou mais sorrisos?
Mais loucura ou mais juízo?
E o que será loucura? E o que será juízo?
A propriedade, será um roubo?
O roubo, o que será?
Poderemos crescer todos bonitos?
E o belo não passará então a ser feiura?
Haverá entre os povos uma proibição
de criar pessoas com mais de um metro e oitenta?
Mas a Rússia (vá lá, os Estados Unidos)
não farão às ocultas, homens especiais
que, de repente,
possam duplicar o próprio tamanho?
Quem morará no Brasil,
no ano dois mil?
Que pensará o imbecil
no ano dois mil?
Haverá imbecis?
Militares ou civis?
Que restará a sonhar
para o ano três mil
ao ano dois mil?

Millôr Fernandes, in "Pif-Paf"
Fonte: Pensador.info, Textos de Millôr Fernandes


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Poeminha de Louvor ao "Strip-tease" Secular


Eu sou do tempo em que a mulher
Mostrar o tornozelo
Era um apelo!
Depois, já rapazinho, vi as primeiras pernas
De mulher
Sem saia;

Mas foi na praia!

A moda avança
A saia sobe mais
Mostra os joelhos
Infernais!

As fazendas
Com os anos
Se fazem mais leves
E surgem figurinhas
Em roupas transparentes
Pelas ruas:

Quase nuas.

E a mania do esporte
Trouxe o short.
O short amigo
Que trouxe consigo
O maiô de duas peças.
E logo, de audácia em audácia,
A natureza ganhando terreno

Sugeriu o biquíni,
O maiô de pequeno ficando mais pequeno
Não se sabendo mais
Até onde um corpo branco
Pode ficar moreno.

Deus,
A graça é imerecida,
Mas dai-me ainda
Uns aninhos de vida!

Fonte: Pensador.info, Textos de Millôr Fernandes

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Poema para Óscar Niemeyer

Gostava de estabelecer entre as palavras e o silêncio
aquelas proporções que Oscar Niemeyer consegue
entre volumes e não volumes
entre cheios e vazios.
Gostava de inventar linguagem dentro da linguagem
como Niemeyer inventa espaço dentro do espaço.
Mas como criar na escrita o nunca escrito?
Gostava meu caro Oscar Niemeyer
de pegar na caneta e fabricar um pouco de infinito
fazer com sílabas e fonemas
o que você faz com traços e com esquemas
Mas eu não posso meu caro eu não posso ou não sei
construir uma cidade com poemas.

Tão pouco sei se Deus tem mão e se desenha
não sei sequer se existe ou simplesmente
deixou para Oscar Niemeyer
o oitavo dia da criação.
Mas é o que parece quando você faz um croqui
e depois é Brasília
uma catedral um museu uma mulher
ou uma casa em Canoas.

Com Oscar Niemeyer o Brasil é mais Brasil
o mundo se refaz se reinventa se revoluciona
contra a injustiça contra a opressão contra a fealdade.
Cada projecto seu é um acto de harmonia
traço a traço você subverte o espaço
e semeia a beleza na desordem estabelecida.
Consigo é possível a utopia

consigo a arquitectura é outra vida.
Fonte: Blogue "Manuel Alegre", post de 06Dez2012

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