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domingo, 18 de julho de 2010

Sinos de Goa

Para o Adolfo Lizón

De longe, muito de longe, ao longe
Oiço tanger os sinos de Goa!
Quais sinos? De quem soam?!...
Por quem soam?!...

Chove! Chove em Goa e na Igreja do Apóstolo.
E chove pelos caminhos
Quem caminham para lá.

As palmeiras, nos palmares, dobram com a chuva.
E os rios, nos leitos, alargaram com a chuva.
E chove. Chove. Não pára de chover,
Como se a chuva fosse só prenúncio
Das lágrimas futuras…

E o sino, por quem tange?
Por quem tange?
Por quem soa?
- Ó portugueses, ó dramáticos sinos de Goa!

Goa, 11 de Julho de 1961
Fonte: livro "Não posso Dizer Adeus Às Armas", Págs. 34 e 35 de Amândio César

Ruínas

Da passada, longínqua grandeza
Resta de pé
O rendilhado, esburacado pórtico mourisco
Do Palácio da Fortaleza.

Palmeiras, longe, acenam
Aos presentes
Goa perene de tristeza…

Como a têmpera dos homens,
O palácio foi ruindo
Até que de todo ruiu:
Ficou o rendilhado do pórtico
Que ao tempo antigo fugiu.

Explendor, timbre real,
A morte tudo levou:
Ficou o desgarrado pórtico
Que doutro tempo sobrou!

E quem um dia aqui passe,
Se acaso ainda existir
Esta ruína passada,
Por certo há-de sofrer
Por certo há-de sentir
Sua boca amordaçada.

Palácio da Fortaleza!...
Reduzido
A uma porta arruinada!

Fonte: livro "Não Posso Dizer Adeus Às Armas", Págs. 32 e 33 de Amândio César

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Arco dos vice-reis

Para o Jorge Cid Proença
  
Senhor Dom Vasco da Gama!
Pelo arco de granito onde tu estás
Passei reverente e abismado
Olhando o futuro do passado!

Lembrei-me do Poeta que te adivinhou
E não te viu,
Mas que te pressentiu
Em mármore taqlhado.

Júlio Simão te desenhou
E fez.
Ontem e hoje,
Abandonado,
E triste
No descampado,
És o Arco do Triunfo português.

Fonte: Livro “Não Posso Dizer Adeus Às Armas” de Amândio César, págs. 28 e 29.

Palácio do Hidalcão!

Palácio do Hidalcão!
Vazio de corpos e almas,
Os Vice-Reis já lá não estão.
Foram levados nos caixilhos dourados,
Foram dispersos nas telas restauradas,
Foram banidos, sem gala, da sala de recepção!
Palácio do Hidalcão!

As tábuas de sândalo chorarão monções
Nos maviosos móveis criminosos
Daqueles que as arrancaram,
As roubaram por despojos
Das suas ocultas ambições.
Palácio do Hidalcão!

Vazio, lúgubre e sombrio,
Testemunha de sofrimentos, choros e suores,
Talvez um dia longe, muito longe,
A luz do sol doire as entradas pobres
Por onde entrarão os teus senhores,
Palácio do Hidalcão!

Agora… o tempo que faz é outro,
E outra a vida diferente.
Fantasmas escorrem de tuas paredes
Pedindo aos céus, aos oceanos, às gaivotas,
Que levem saudades de outros tempos,
De outros senhores capitães-generais,
De outra gente…
Palácio do Hidalcão!
Chaga rasgada ao pé do coração!

Fonte: Livro "Não Posso Dizer Adeus Às Armas" de Amândio César, Págs. 81 e 82

sábado, 5 de janeiro de 2008

Tudo

Em surdina chegaste
E em surdina te vais:

— Oh felicidade que baste,
Que nunca bastas de mais!

E eu queria que ficasses,
De tal maneira ficada,
Que nunca mais me trocasses

— Por nada!

Fonte: Jornal de Poesia

Flor

Eu te sei pura, casta e meiga!

Eu te sei toda feita de pureza,
Branca como o leite fresco
Que se põe na mesa.

Eu te sei toda feita de castidade,
Num vago receio, perfume de alecrim,
Que se percebe quando não há claridade.

Eu te sei, terna e meiga,
Como as flores silvestres, naturais,
Que nascem nas margens duma veiga.
Eu te sei — isso tudo — para mim! ...

Fonte: Jornal de Poesia

Que Hora é Esta?

É em vão que o sol doura
As asperezas da terra:
Secou na seara loura
Toda a esperança que ela encerra.

Baldadas todas as horas,
Todos os passos sem fim.
Murchou de vez o alecrim,
Secaram roxas amoras.

É quente a água das fontes,
Escalda o sangue nas veias:
São de fogo os grãos de areias
E as pragas negras dos montes.

Para quê lutar ainda
Numa luta sem sentido?
Sofre-se por se ter sofrido
Esta angústia que não finda.

Angústia que sobe à boca
Que amarga como a amargura
— Existência mal segura,
Fazenda que mal dá roupa.

Cansaram-se assim de tudo,
Todos nos pesam demais
— Os poetas são jograis
E o seu cantar quase mudo.

Fonte: Jornal de Poesia

Caminhada

Irmãos!
Não estive nas câmaras de gás,
Nem vi o arame dos campos de concentração.
Fui talvez o último que cheguei,
Mas cheguei.

Não vim para banquetes,
Pois nesta hora desfraldada
Só há choros e lutos,
E esperanças, ainda esperanças,
Numa futura caminhada.
Irmãos!
Nós somos talvez dum mundo novo
E teremos de construir o mundo novo.
Eu sou talvez o último que cheguei
Para os dias do futuro.

Fonte: Jornal de Poesia

Par ou Pernão

Lançaram-se os dados
no par ou pernão
e uns foram
outros não.

E houve saudades nos que foram
e revolta nos que não:
os que foram não voltaram
os que ficaram cá estão...

Jogaram-se vidas,
como se jogam dados:
olhos sem luz,
membros amputados
e uns foram outros não...

Vida?... Amor?...
Lançaram-se os dados: Par ou Pernão?

Fonte: Jornal de Poesia

Natal

Nasceu!
Numa garagem abandonada, coberta de chapa de zinco,
E num caixote velho de latas de óleo,
Entre desperdícios sujos e usados.

Nossa Senhora e S. José tinham vindo pela estrada
Os pés no asfalto negro, onde circulavam carros de luxo:
Pedir boléia, pediram, mas ninguém os viu ou quis ver,
Ou escutar o gesto...
Iam todos apressados para a ceia da noite,
Desbragada como um conta-quilômetros

E cheia de neblina e de promessas.
Nasceu!
Num caixote velho de latas de óleo,
Entre desperdícios sujos e usados.

O clarão dos holofotes chamou lã os vadios de todas as noites:
Os quarda-noturnos, os polícias de giro,
Os que não têm cama para dormir,
Os poetas e os fugidos à lei — todos! —
Todos os que naquela e nas outras noites
Não têm para onde ir, nem têm onde comer.
Foi, porém, o clarão dos holofotes gastos que os levou lá:
E viram, sobre os desperdícios sujos, num caixote velho,
O Redentor do mundo,
Aquecido pelos dez cavalos-vapor de um velho "Ford T"
Que, trabalhando, acordava a vida no arrabalde longínquo.

S. José e Nossa Senhora choravam:

Todos pediam no mundo a ressurreição do Cristo!
E Ele viera, Ele encarnara de novo
Através do ventre puríssimo da Virgem,
Sob a custódia lirial do descendente de David.

Os donos de carros de luxo cortavam o nevoeiro
Comprometidos pelas amantes caras que ficavam para trás;
As camionetas de transporte temeram a polícia das estradas
E os outros todos também não quiseram dar boléia
Ao Filho de Deus. (... )

Fonte: Jornal de Poesia

sábado, 1 de dezembro de 2007

ARCO DOS VICE-REIS

[ao General Fernando Santos Costa]

Senhor Dom Vasco da Gama!
Pelo arco de granito onde tu estás
Passei reverente e abismado
Olhando o futuro do passado!

Lembrei-me do Poeta que te adivinhou
E não te viu,
Mas que te pressentiu
Em mármore talhado.

Júlio Simão te desenhou
E fez.
Ontem e hoje,
Abandonado,
E triste
No descampado,
És o Arco do Triunfo português.

[Não posso dizer adeus às armas]

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

CAMISA VELHA

Mãe! Vesti uma camisa nova
da velha camisa que vestiu meu Pai
Dizem que a luta é ali na rua.
- Vou ou não vou?!
- Filho, vai!

Dizem para eu ter cautela,
que o inimigo é feroz e desumano
e que foi ele que matou meu Pai.
- Vou ou não vou?!
- Filho, vai!

Ameaçam de punhos fechados
ou empunham foices e martelos
e ai daquele que nas mãos lhes cai.
- Vou ou não vou?!
- Filho, vai!

Vai! Com a camisa velha
que antes de ti a vestiu teu Pai
e com ela vestida, se foi a combater
vai! Que as últimas palavras,
camisa vestida, foram para ti:
- Diz ao nosso filho que saiba morrer!

Partiu. Partiu e nunca mais voltou
Para estar presente na alvorada que nascia:
morreu por aquilo que lutou,
por que nascesse um novo dia!

O novo dia em que tu vestiste
a camisa nova que foi de teu Pai.
- Não tenhas medo.
A teu lado vai
a presença do exemplo
que te deu teu Pai:
-Meu filho! Veste essa camisa
e vai!

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