domingo, 18 de julho de 2010
Sinos de Goa
Ruínas
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Arco dos vice-reis
Palácio do Hidalcão!
sábado, 5 de janeiro de 2008
Tudo
Em surdina chegaste
E em surdina te vais:
— Oh felicidade que baste,
Que nunca bastas de mais!
E eu queria que ficasses,
De tal maneira ficada,
Que nunca mais me trocasses
— Por nada!
Fonte: Jornal de Poesia
Flor
Eu te sei pura, casta e meiga!
Eu te sei toda feita de pureza,
Branca como o leite fresco
Que se põe na mesa.
Eu te sei toda feita de castidade,
Num vago receio, perfume de alecrim,
Que se percebe quando não há claridade.
Eu te sei, terna e meiga,
Como as flores silvestres, naturais,
Que nascem nas margens duma veiga.
Eu te sei — isso tudo — para mim! ...
Fonte: Jornal de Poesia
Que Hora é Esta?
É em vão que o sol doura
As asperezas da terra:
Secou na seara loura
Toda a esperança que ela encerra.
Baldadas todas as horas,
Todos os passos sem fim.
Murchou de vez o alecrim,
Secaram roxas amoras.
É quente a água das fontes,
Escalda o sangue nas veias:
São de fogo os grãos de areias
E as pragas negras dos montes.
Para quê lutar ainda
Numa luta sem sentido?
Sofre-se por se ter sofrido
Esta angústia que não finda.
Angústia que sobe à boca
Que amarga como a amargura
— Existência mal segura,
Fazenda que mal dá roupa.
Cansaram-se assim de tudo,
Todos nos pesam demais
— Os poetas são jograis
E o seu cantar quase mudo.
Fonte: Jornal de Poesia
Caminhada
Irmãos!
Não estive nas câmaras de gás,
Nem vi o arame dos campos de concentração.
Fui talvez o último que cheguei,
Mas cheguei.
Não vim para banquetes,
Pois nesta hora desfraldada
Só há choros e lutos,
E esperanças, ainda esperanças,
Numa futura caminhada.
Irmãos!
Nós somos talvez dum mundo novo
E teremos de construir o mundo novo.
Eu sou talvez o último que cheguei
Para os dias do futuro.
Fonte: Jornal de Poesia
Par ou Pernão
Lançaram-se os dados
no par ou pernão
e uns foram
outros não.
E houve saudades nos que foram
e revolta nos que não:
os que foram não voltaram
os que ficaram cá estão...
Jogaram-se vidas,
como se jogam dados:
olhos sem luz,
membros amputados
e uns foram outros não...
Vida?... Amor?...
Lançaram-se os dados: Par ou Pernão?
Fonte: Jornal de Poesia
Natal
Nasceu!
Numa garagem abandonada, coberta de chapa de zinco,
E num caixote velho de latas de óleo,
Entre desperdícios sujos e usados.
Nossa Senhora e S. José tinham vindo pela estrada
Os pés no asfalto negro, onde circulavam carros de luxo:
Pedir boléia, pediram, mas ninguém os viu ou quis ver,
Ou escutar o gesto...
Iam todos apressados para a ceia da noite,
Desbragada como um conta-quilômetros
E cheia de neblina e de promessas.
Nasceu!
Num caixote velho de latas de óleo,
Entre desperdícios sujos e usados.
O clarão dos holofotes chamou lã os vadios de todas as noites:
Os quarda-noturnos, os polícias de giro,
Os que não têm cama para dormir,
Os poetas e os fugidos à lei — todos! —
Todos os que naquela e nas outras noites
Não têm para onde ir, nem têm onde comer.
Foi, porém, o clarão dos holofotes gastos que os levou lá:
E viram, sobre os desperdícios sujos, num caixote velho,
O Redentor do mundo,
Aquecido pelos dez cavalos-vapor de um velho "Ford T"
Que, trabalhando, acordava a vida no arrabalde longínquo.
S. José e Nossa Senhora choravam:
Todos pediam no mundo a ressurreição do Cristo!
E Ele viera, Ele encarnara de novo
Através do ventre puríssimo da Virgem,
Sob a custódia lirial do descendente de David.
Os donos de carros de luxo cortavam o nevoeiro
Comprometidos pelas amantes caras que ficavam para trás;
As camionetas de transporte temeram a polícia das estradas
E os outros todos também não quiseram dar boléia
Ao Filho de Deus. (... )
Fonte: Jornal de Poesia
sábado, 1 de dezembro de 2007
ARCO DOS VICE-REIS
[ao General Fernando Santos Costa]
Senhor Dom Vasco da Gama!
Pelo arco de granito onde tu estás
Passei reverente e abismado
Olhando o futuro do passado!
Lembrei-me do Poeta que te adivinhou
E não te viu,
Mas que te pressentiu
Em mármore talhado.
Júlio Simão te desenhou
E fez.
Ontem e hoje,
Abandonado,
E triste
No descampado,
És o Arco do Triunfo português.
[Não posso dizer adeus às armas]
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
CAMISA VELHA
da velha camisa que vestiu meu Pai
Dizem que a luta é ali na rua.
- Vou ou não vou?!
- Filho, vai!
Dizem para eu ter cautela,
que o inimigo é feroz e desumano
e que foi ele que matou meu Pai.
- Vou ou não vou?!
- Filho, vai!
Ameaçam de punhos fechados
ou empunham foices e martelos
e ai daquele que nas mãos lhes cai.
- Vou ou não vou?!
- Filho, vai!
Vai! Com a camisa velha
que antes de ti a vestiu teu Pai
e com ela vestida, se foi a combater
vai! Que as últimas palavras,
camisa vestida, foram para ti:
- Diz ao nosso filho que saiba morrer!
Partiu. Partiu e nunca mais voltou
Para estar presente na alvorada que nascia:
morreu por aquilo que lutou,
por que nascesse um novo dia!
O novo dia em que tu vestiste
a camisa nova que foi de teu Pai.
- Não tenhas medo.
A teu lado vai
a presença do exemplo
que te deu teu Pai:
-Meu filho! Veste essa camisa
e vai!