domingo, 30 de março de 2008

Sentado na minha cadeira

A PROPÓSITO DE UMA FOTOGRAFIA NO MATO CÃO

Sentado na minha cadeira,
Cerveja na mão,
Fito os olhos no longe,
Tão longe
Que vai para além do horizonte.
O Sol começa a descer
Lá ao fundo
Para os lados do Enxalé,
E os seus raios de luz
Tocam a terra de sangue
E pintam o ambiente de vermelho.
O momento é mágico
Porque não há nada mais bonito
Que o Pôr do Sol na Guiné.
Na bolanha
Junto ao Geba,
(Que se ouve a murmurar),
Passa um pequeno tornado.
Quase que o podia agarrar!
Ao meu lado
O Furriel Bonito.
Deve estar a meditar
No que é que eu estarei...
A pensar!
Estou para aqui isolado
Vivendo como uma toupeira
Debaixo de terra,
Cercado de arame farpado.
A letargia da rotina diária
Toma conta de mim
E tanto me faz
Que o dia nasça
Como chegue ao fim.
Fecho os olhos por um momento.
Estou em Monte Real!
É fim de tarde
Hora de banho
E vestir a preceito
Que o meu pai não deixa
Que se jante no Hotel
Sem uma roupa de jeito.
Já lá vem o chefe de mesa
Que tem muito que contar
Fala-me da carne e do peixe
Tenho a boca a salivar.
Tocam-me no ombro!
Esfumou-se o meu sonho!
É o Mamadu que me diz,
Com o seu sorriso:
«Alfero,
O comer está pronto.»
O que lhe falta
Em smoking de profissão,
Excede em alegria
E dedicação.
Levanto-me,
Olho em redor.
Nas pequenas tabancas
A luz das fogueiras
Ilumina a escuridão
Da falta de luz.
Abano a cabeça
Para afastar o torpor
E grito bem alto
Com a minha voz forte,
A afastar o temor:
«Pessoal,
vamos morfar,
que nunca se sabe,
quando isto vai acabar!»


Monte Real, 29 de Março de 2008


Fonte: Blogue "Luis Graça & Camaradas da Guiné" - post de 29Mar2008




sábado, 29 de março de 2008

Asa no espaço, vai pensamento

Asa no espaço, vai pensamento!
Na noite azul, minha alma flutua!
Quero voar nos braços do vento
Quero vogar nos barcos da Lua!

Vai minha alma, branco veleiro
Vai sem destino, a bússola tonta
Por oceanos de nevoeiro
Corre o impossível, de ponta a ponta

Quebra a gaiola, pássaro louco
Não mais fronteiras, foge de mim
Que a terra é curta, que o mar é pouco
Que tudo é perto, princípio e fim.

Castelos fluidos, jardins de espuma
Ilhas de gelo, névoas, cristais
Palácios de ondas, terras de bruma
Asa, mais alta, mais alta mais

Fonte: Blogue "Estado Sentido" - post de Cristina Ribeiro de 28Mar08

Cigano

Transporto as tralhas da vida
na caravana que sou,
e não sei para onde vou
e nem sei o que me chama;
mas sou da raça andarilha
e tenho pinta cigana.

Mais que desejo é viver
este contínuo mudar
que o fastio de ficar
logo me vence ao chegar

Não me dou a um local
nem refaço o chão que gasto.
Eu sou da serra e do vale
e toda a terra é meu pasto.

Fui roubar a cor ao sol
e a genica aos vendavais,
andei na rota do vento
e descansei no luar.
Sou cigano como o tempo
que não pára nem regressa
porque a vida leva pressa.

Fonte: Blogue "Um Portuga em Apuros nos Trópicos" - post de Capitão-Mor de 19Abril2008

quarta-feira, 26 de março de 2008

Procurei...

Procurei...
Nos caminhos onde andaste
Nas paradas onde formaste
Nas avenidas onde desfilaste
Também andei, formei e desfilei...

Nas casernas onde moraste
Nas camas onde deitaste
Nos objectos onde tocaste
Também morei, deitei e toquei...

Nos sítios onde pisaste
Nos bancos onde sentaste
Nas árvores onde descansaste
Também pisei, sentei e descansei...

Naquelas paragens eu fui...
Andei, formei, desfilei
Morei, deitei, toquei
Pisei, sentei, descansei

Procurei... procurei... procurei...
Naquelas paragens eu fui
Atrás de ti, para te buscar...
Sinais de ti, eu descobri
Mas a ti, já não consegui encontrar...

Fonte: Blogue "Luis Graça & Camaradas da Guiné" - Post de 17Mar2008

terça-feira, 25 de março de 2008

Quero um mundo melhor

Quando eu for grande
Já for homem e for valente
Vou avisar toda a gente
Façam um mundo melhor!

Quando eu for grande
Vou ser um homem exigente
Vou querer um mundo diferente
Com mais justiça e amor!

Quando eu for grande
Tenham isso bem presente
Vou exigir fortemente
O mundo humano maior!

OBS: dedicado ao meu nento e a todos os netos
Fonte: Jornal Destak de 25Mar08, pág 19.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Lisboa à noite

Lisboa adormeceu, já se acenderam
Mil velas nos altares das colinas
Guitarras pouco a pouco emudeceram
Cerraram-se as janelas pequeninas

Lisboa forme um sono repousado
Nos braços voluptuosos do seu Tejo
Cobriu-a a colcha azul do céu estrelado
E a brisa veio, a medo, dar-lhe um beijo

Lisboa

Nota: Música adaptada â "Marcha de Cangamba" de Ilda Ramos
Fonte: http://letras.terra.com.br/tony-de-matos/503012/

Lisboa à noite - Instrumental


Lisboa à noite - Cantada pela Milu

sábado, 22 de março de 2008

NE DECHIRE PAS

Ne déchire pas
Il faut publier
Tu peux publier
Tu en as le droit
Publier même sans
Editeur tordu
Leurs sous-entendus
Et leurs boniments
Publier fait peur
Quand on ne sait pas
Qu'il suffit crois-moi
D'un bon imprimeur
Ne déchire pas (4)

Moi je les lirai
Tes perles de nuit
Venues de sursis
Où tu ne dors pas
Je crirai tes vers
Sur la scène d'Alfort
Et même d'Astaffort
Devant Dieu le père
Je boug'rai des dolmens
Pour qu'on parle de toi
De cette nouvelle voie
Que les gens comprennent
Ne déchire pas (4)

Ne déchire pas
Qui retrouverait
Ces mots condensés
Que tu écris là
Je te parlerai
De ces savants-là
Qui ont eu cent fois
Des œuvres refusées
J'te f'rai rencontrer
C'lui par hasard roi
Quand Gallimard pas-
Sa sans le signer
Ne déchire pas (4)

On a vu souvent
Destinés au feu
Des feuillets maintenant
Qu'on dit fabuleux
Il est paraît-il
Des vers brûlés
Qui feraient trembler
Plus d'une jeune fille
Après l'purgatoire
Où personne n'y croit
Le rouge et le noir
Ne s'impose-t-il pas
Ne déchire pas (4)

Ne déchire pas
Tu ne vas plus douter
Tu ne vas plus compter
Sur tout leur tralala
Tu vas t'éditer
C'est ça l'avenir
Tu vas leur montrer
Qu'on peut s'en sortir
Et même réussir
A sortir de l'ombre
L'ombre de ces nains
L'ombre de ces requins
Ne déchire pas (4)

Titre de l'oeuvre originale : NE ME QUITTE PAS
Pour le PROGRAMME DES OEUVRES DIFFUSEES destiné à la SACEM (formulaire jaune) :
Notez simplement : NE DECHIRE PAS (Jean-Luc PETIT TERNOISE)

quinta-feira, 20 de março de 2008

Los enemigos

Los enemigos
Ellos aquí trajeron los fusiles repletos
de pólvora, ellos mandaron el acerbo
exterminio,
ellos aquí encontraron un pueblo que cantaba,
un pueblo por deber y por amor reunido,
y la delgada niña cayó con su bandera,
y el joven sonriente rodó a su lado herido,
y el estupor del pueblo vio caer a los muertos
con furia y con dolor.
Entonces, en el sitio
donde cayeron los asesinados,
bajaron las banderas a empaparse de sangre
para alzarse de nuevo frente a los asesinos.

Por esos muertos, nuestros muertos,
pido castigo.

Para los que de sangre salpicaron la patria,
pido castigo.

Para el verdugo que mandó esta muerte,
pido castigo.

Para el traidor que ascendió sobre el crimen,
pido castigo.

Para el que dio la orden de agonía,
pido castigo.

Para los que defendieron este crimen,
pido castigo.

No quiero que me den la mano
empapada con nuestra sangre.
Pido castigo.
No los quiero de embajadores,
tampoco en su casa tranquilos,
los quiero ver aquí juzgados
en esta plaza, en este sitio.

Quiero castigo.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Exposição ao Exmo. Senhor Ministro da Agricultura

Ao Exmo. Senhor Ministro da Agricultura

Exposição

Porque julgamos digna de registo
a nossa exposição, senhor Ministro,
erguemos até vós, humildemente,
uma toada uníssona e plangente
em que evitámos o menor deslize
e em que damos razão da nossa crise.

Senhor: Em vão, esta província inteira,
desmoita, lavra, atalha a sementeira,
suando até à fralda da camisa.

Mas Falta a matéria orgânica precisa
na terra, que é delgada e sempre fraca!
- A matéria, em questão, chama-se caca.

Precisamos de merda, senhor Soisa!…
E nunca precisámos de outra coisa.

Se os membros desse ilustre ministério
querem tomar o nosso caso a sério,
se é nobre o sentimento que os anima,
mandem cagar-nos toda a gente em cima
dos maninhos torrões de cada herdade.

E mijem-nos, também, por caridade!

O senhor Oliveira Salazar
quando tiver vontade de cagar
venha até nós!
Solícito, calado,
busque um terreno que estiver lavrado,
deite as calças abaixo com sossego,
ajeite o cú bem apontado ao rego,
e… como Presidente do Conselho,
queira espremer-se até ficar vermelho!

A Nação confiou-lhe os seus destinos?…
Então, comprima, aperte os intestinos;
E se lhe escapar um traque, não se importe,
… quem sabe se o cheirá-lo nos dá sorte?

Quantos porão as suas esperanças
n’um traque do Ministro das Finanças?…
E quem vier aflito, sem recursos,
Já não distingue os traques dos discursos.
Não precisa falar! Tenha a certeza
que a nossa maior fonte de riqueza,
desde as grandes herdades às courelas,
provém da merda que juntarmos n’elas.

Precisamos de merda, senhor Soisa!…
E nunca precisámos de outra coisa.

Adubos de potassa?… Cal?… Azote?…
Tragam-nos merda pura, do bispote!

E todos os penicos portugueses
durante, pelo menos uns seis meses,
sobre o montado, sobre a terra campa,
continuamente nos despejem trampa!

Terras alentejanas, terras nuas;
desespero de arados e charruas,
quem as compra ou arrenda ou quem as herda
sente a paixão nostálgica da merda…

Precisamos de merda, senhor Soisa!…
E nunca precisámos de outra coisa.

Ah!… Merda grossa e fina! Merda boa
das inúteis retretes de Lisboa!…
Como é triste saber que todos vós
Andais cagando sem pensar em nós!

Se querem fomentar a agricultura
mandem vir muita gente com soltura.
Nós daremos o trigo em larga escala,
pois até nos faz conta a merda rala.

Venham todas as merdas à vontade,
não faremos questão da qualidade.
Formas normais ou formas esquisitas!
E, desde o cagalhão às caganitas,
desde a pequena poia à grande bosta,
de tudo o que vier, a gente gosta.

Precisamos de merda, senhor Soisa!…
E nunca precisámos de outra coisa.

Carnaval de 1934

Fonte: Os Veencidos da Vida - post de 19Jan2008

Recado para uma ida à Guiné,

Vai, Luís,
Para essa terra quente
Que viveu dor e sofrimento
Para se fazer País.
Vai e leva o meu abraço
Porque num dia,
Num momento,
Também aí fui feliz.
Passa por Mansoa
E sobe para Mansabá
E ao carreiro da morte
Pára e contempla
Das árvores do Morés
O seu porte.
Deixa uma lágrima
E um voto
Por todos os que aí ficaram.
Depois desce a Jugudul
E segue a estrada nova
Que tanto sacrifício me deu.
Passa por Portogole
E mais à frente um bocado
Sobe ao Mato Cão,
E fica ali sentado
Com uma cerveja na mão
A assistir ao Pôr-do-Sol.
Agora que vês Bambadinca
Depois de parares um pouco
Segue em frente
Pela estrada do meu suor
A caminho do Mansambo,
Que fica à tua direita.
Na Ponte dos Fulas
Vai a pé,
Ali para a tua esquerda,
Sim dentro da mata,
Vá, anda,
Porque vais encontrar,
Se agora não me engano,
Uma mata de caju
Onde o macaco cão
Faz barulho que ensurdece.
Volta à estrada
Para o Xitole
E, quando lá chegares,
Senta-te naquela varanda,
Mesmo que destruída,
(reconheci-a entre mil),
E bebe por mim um uísque
Em memória do Jamil.
Segue para o Saltinho,
Banha-te naquelas águas
E não pares,
Arranja um barco
E sobe o Corubal.
Quando chegares ao Xime,
Desembarca na lama preta
E sobe por um bocado,
Apenas para ver a vista.
Regressa ao Geba.
Lá está a Nau Catrineta
Que tem muito que contar,
Embarca agora nela,
Deixa a maré te levar,
Porque assim à noite
Estarás em Bissau, a varar.
Já é tarde,
Estás cansado,
No físico, no coração,
Então senta-te no Pelicano,
E come…
Um ninho de camarão.
Vai, Luís,
Leva-me contigo,
Mata feridas, mata mágoas,
Mata saudades até,
E abraça por mim
A Guiné…

Monte Real, 27 de Fevereiro de 2008
Fonte: Luis Graça & Camaradas da Guiné, post de 13Mar2008

terça-feira, 11 de março de 2008

Heróis portugueses - Os Flechas, Gurkhas lusitanos?

OS FLECHAS

QUE EM PERIGOS MAIS QUE QUANTOS
GRANDE TU ÉS FLECHA COMBATENTE
VIDA E BENS DEFENDES DE TANTOS
E CUMPRES CORASOJAMENTE

QUE TENS NA MEMÓRIA SOMENTE
TER A SATISFAÇÃO CUMPRIDO
SABES COM VALOR SEGUIR EM FRENTE
SEM VERES AQUILO QUE TENS SOFRIDO

MAS SEM PENSARES EM RECOMPENSA
QUE OS OUTROS SE MOSTRAM ESQUECIDOS
TENS A GLÓRIA DA PARECENÇA
DOS GRANDES IMORTAIS EXISTIDOS

QUE DOS TEUS ACTOS AGUERRIDOS
DITARÁ A HISTORIA A SENTENÇA
ABAFAR SAIBAS TEUS GEMIDOS
POIS NUNCA TENHAS A DETENÇA

PARA TI CONTA APENAS O IDEAL
FAZERES UM GRANDE PORTUGAL
MESMO SEM SERES COMPREENDIDO
PÁTRIA FORTE, PLURIRACIAL
NÃO É MAIS QUE UM DESEJO AFINAL
DE TODOS, GRANDES QUE TEMOS TIDO

PARA TI, POUCO É O PASSADO
SEMPRE FAZES POR ESQUECER
DORES, INJUSTIÇAS SOFRESTE

POR HERÓICOS ACTOS VENCESTE
ASSIM JOGA A CERTEZA DE VER
NO FUTURO SERÁS ADMIRADO.


Autor: Rui Moio, 17Maio73


***************

via Portas do Cerco - Macau, 25 de Agosto de 1849 de Vitório Rosário Cardoso em 10/03/08
"Pag.183 - Pouco ou nada significarão para a maior parte dos portugueses estas palavras, que contudo englobam no seu significado cometimentos que encheriam páginas e páginas descrevendo actos heróicos de fidelidade absoluta e dedicação a uma Pátria. Pátria que tendo sido sua, os ignorou, os esqueceu, lançando-os nas mãos daqueles que combatiam não só por ideologia, mas na esperança de os fazer

Fome no Ceará

I
Lançai o olhar em torno;
Arde a terra abrasada
Debaixo da candente abóbada dum forno.
Já não chora sobre ela orvalho a madrugada;
Secaram-se de todo as lágrimas das fontes;
E na fulva aridez aspérrima dos montes,
Entre as cintilações narcóticas da luz,
As árvores antigas
Levantam para o ar – atléticas mendigas,
Fantasmas espectrais, os grandes braços nus.

Na deserta amplidão dos campos luminosos
Mugem sinistramente os grandes bois sequiosos.
As aves caem já, sem se suster nas asas.
E, exaurindo-lhe a força enorme que ela encerra,
O Sol aplica à Terra
Um cáustico de brasas.

O incêndio destruidor a galopar com fúria,
Como um Átila, arrasta a túnica purpúrea
Nos bosques seculares;
E, Lacoontes senis, os troncos viridentes
Torcem-se, crepitando entre as rubras serpentes
Com as caudas de fogo em convulsões nos ares.

O Sol bebeu dum trago as límpidas correntes;
E os seus leitos sem água e sem ervagens frescas,
Co'as bordas solitárias,
Têm o aspecto cruel de valas gigantescas
Onde podem caber muitos milhões de párias.
E entre todo este horror existe um povo exangue,
Filho do nosso sangue,
Um povo nosso irmão,
Que nas ânsias da fome, em contorções hediondas,
Nos estende através das súplicas das ondas
Com o último grito a descarnada mão.

E por sobre esta imensa, atroz calamidade,
Sobre a fome, o extermínio, a viuvez, a orfandade,
Sobre os filhos sem mãe e os berços sem amor,
Pairam sinistramente em bandos agoireiros
Os abutres, que são as covas e os coveiros
Dos que nem terra têm para dormir, Senhor!

E sabei – monstruoso, horrível pesadelo! –
Sabei que aí – meu Deus, confranjo-me ao dizê-lo! –
Vêem-se os mortos nus lambidos pelos cães,
E os abutres cruéis com as garras de lanças,
Rasgando, devorando os corpos das crianças
Nas entranhas das mães!

II
Quando inda há pouco o vendaval batia
Dos grandes montes nos robustos flancos;
E as nuvens, como enormes ursos brancos,
Em tropel pela abóbada sombria
Dos canhões dos titãs, aos solavancos,
Arrastavam a rouca artilharia;

Quando os rios, indômitos, escuros,
Iam como ladrões saltando os muros,
Para roubar ao camponês o pão;
E, cruzando-se, os raios flamejantes
Abriam como esplêndidas montanhas
De meio a meio a funda escuridão;
Quando os ventos aspérrimos, frenéticos
Como ciclopes doidos, epilépticos,
Com raivas convulsivas
Perseguiam, bramindo, às chicotadas,
Das retumbantes ondas explosivas
As trôpegas manadas;

Quando entre os gritos roucos da procela,
A fome – a loba – escancarava a goela
Uivando às nossas portas;
E andavam sobre as águas desumanas
Com os despojos tristes das choupanas
Berços vazios de crianças mortas;

Oh! nesse instante, ao ver o povo exânime,
Pulsou da pátria o coração unânime,
Um coração de mãe piedosa e boa...
E das imensas lágrimas choradas
Muitíssimas então foram guardadas
Entre as jóias da c'roa.
Mas é certo também que além dos mares
Alguém ouviu, alguém, cortando os ares
Essa terrível dor;
E esse alguém é quem hoje, é quem agora
Morto de fome a soluçar implora
Mais do que o nosso auxílio – o nosso amor.
Vamos! Abri os corações, abri-os!
Transborde a caridade como os rios
Transbordaram dos leitos em Janeiro!
Nem pode haver decerto mão avara,
Que a esmola negue a quem lh'a deu primeiro.

A miséria é um horrível sorvedoiro;
Vamos! enchei-o com punhados d'oiro,
Mostrando assim aos olhos das nações
Que é impossível já hoje (isto consola)
Morrer de fome alguém, pedindo esmola
Na mesma língua em que a pediu Camões!

Nota - Poema extraído do livro A Musa em Férias, da 2ª edição de OBRAS de Guerra Junqueiro (Poesia), Organização e introdução de Amorim de Carvalho. Porto: Lello & Irmãos - Editores, 1974, pp. 744-747. Este poema é de 1877, justamente quando se inicia a terrível seca de 1877-1879 no Nordeste e que no Ceará foi até o ano de 1880. Afirma Rodolpho Theophilo, que a estudou demoradamente, que o obituário de Fortaleza no período elevou-se a 65.163 pessoas. Fortaleza possuía então por volta de 20 mil almas, que foram acrescidas subitamente de cerca de 110 mil migrantes da seca. Herbert Smith, jornalista inglês que percorria o Brasil àquela época, foi testemunha ocular dessa seca e afirma com algum exagero que “durante 1877 e 1878, a mortandade no Ceará foi provavelmente perto de 500 mil, ou mais da metade da população”. [Brazil: The Amazons and Coast. New York: Charles Scriber’s Sons, 1879, p. 416]. No poema, Guerra Junqueiro faz alusão à célebre frase que Dom Pedro II teria pronunciado acerca das jóias de sua coroa... ( Fortaleza, 1º de Janeiro de 1998, Eduardo Diatahy B. de Menezes)

Fonte: http://www.revista.agulha.nom.br/gjunqueiro02p.html

segunda-feira, 10 de março de 2008

Entrevista a Agostinho da Silva por Alice Cruz



Agostinho da Silva
CD1
Entrevista de Alice Cruz
Solidão, Tolerância, Trabalho e… Poesia

“A solidão é uma ocasião extraordinária de diálogo consigo próprio.”
“Se a pessoa não fez consigo tudo o que achava necessário para se esquecer de si mesmo, está errada.”
“A pessoa deve encontrar-se a si própria e fazer todo o possível para que não haja uma discórdia consigo mesma.”
“Tolerar é já marcar uma superioridade.”
“Aceitar os outros como eles são é outra coisa. Aceitar vem da palavra capturar, aceitar é tomar para si e tolerar não, é dar licença, com desprezo que o Outro seja assim.”
Alice Cruz: “O que é isso de trabalhar por solidariedade?”
“é quando uma pessoa faz algo que não gostaria de fazer e vai fazer.”
“o Elogio da Preguiça de Fernando Pessoa é totalmente contraditório em si mesmo. Provávelmente deu-lhe bastante trabalho a escrever…”
“tenho tido a grande sorte de só fazer coisas. Tive sempre a grande sorte de sorte de só fazer as coisas que tenho gozado.”
“A poesia não é coisa que dê grande importância. (…) quando tem que sair, sair e depois durante muito tempo, não sai mais nenhuma.”

sábado, 8 de março de 2008

20 poemas de amor y una canción desesperada - Poema 1

Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos,
te pareces al mundo en tu actitud de entrega.
Mi cuerpo de labriego salvaje te socava
y hace saltar el hijo del fondo de la tierra.

Fui solo como un túnel. De mí huían los pájaros
y en mí la noche entraba su invasión poderosa.
Para sobrevivirme te forjé como un arma,
como una flecha en mi arco, como una piedra en mi honda.

Pero cae la hora de la venganza, y te amo.
Cuerpo de piel, de musgo, de leche ávida y firme.
Ah los vasos del pecho! Ah los ojos de ausencia!
Ah las rosas del pubis! Ah tu voz lenta y triste!

Cuerpo de mujer mía, persistiré en tu gracia.
Mi sed, mi ansia sin límite, mi camino indeciso!
Oscuros cauces donde la sed eterna sigue,
y la fatiga sigue, y el dolor infinito.

Estrela da Manhã

Numa qualquer manhã, um qualquer ser,
vindo de qualquer pai,
acorda e vai.
Vai.
Como se cumprisse um dever.

Nas incógnitas mãos transporta os nossos gestos;
nas inquietas pupilas fermenta o nosso olhar.
E em seu impessoal desejo latejam todos os restos
de quantos desejos ficaram antes por desejar.

Abre os olhos e vai.

Vai descobrir as velas dos moinhos
e as rodas que os eixos movem,
o tear que tece os linhos,
a espuma roxa dos vinhos,
incêndio na face jovem.

Cego, vê, de olhos abertos.
Sozinho, a multidão vai com ele.
Bagas de instintos despertos
ressumam-lhe à flor da pele.

Vai, belo monstro.
Arranca
as florestas com os teus dentes.
Imprime na areia branca
teus voluntariosos pés incandescentes.

Vai.

Segue o teu meridiano, esse,
o que divide ao meio teus hemisférios cerebrais;
o plano de barro que nunca endurece,
onde a memória da espécie
grava os sonos imortais.

Vai.

Lábios húmidos do amor da manhã,
polpas de cereja.
Desdobra-te e beija
em ti mesmo a carne sã.

Vai.

À tua cega passagem
a convulsão da folhagem
diz aos ecos
«tem que ser»;
o mar que rola e se agita,
toda a música infinita,
tudo grita
«tem que ser».

Cerra os dentes, alma aflita.
Tudo grita
«Tem que ser».

in Movimento Perpétuo (António Gedeão)
http://www.poemas-del-alma.com/poema-1.htm

Si Dios fuera una mujer

¿Y si Dios fuera mujer?
pregunta Juan sin inmutarse,
vaya, vaya si Dios fuera mujer
es posible que agnósticos y ateos
no dijéramos no con la cabeza
y dijéramos sí con las entrañas.

Tal vez nos acercáramos a su divina desnudez
para besar sus pies no de bronce,
su pubis no de piedra,
sus pechos no de mármol,
sus labios no de yeso.

Si Dios fuera mujer la abrazaríamos
para arrancarla de su lontananza
y no habría que jurar
hasta que la muerte nos separe
ya que sería inmortal por antonomasia
y en vez de transmitirnos SIDA o pánico
nos contagiaría su inmortalidad.

Si Dios fuera mujer no se instalaría
lejana en el reino de los cielos,
sino que nos aguardaría en el zaguán del infierno,
con sus brazos no cerrados,
su rosa no de plástico
y su amor no de ángeles.

Ay Dios mío, Dios mío
si hasta siempre y desde siempre
fueras una mujer
qué lindo escándalo sería,
qué venturosa, espléndida, imposible,
prodigiosa blasfemia.

Quiero ir con aquel a quien amo

Quiero ir con aquel a quien amo.
No quiero calcular lo que cuesta.
No quiero averiguar si es bueno.
No quiero saber si me ama.
Quiero ir con aquél a quien amo.

Dame la mano

Dame la mano y danzaremos;
dame la mano y me amarás.
Como una sola flor seremos,
como una flor, y nada más...

El mismo verso cantaremos,
al mismo paso bailarás.
Como una espiga ondularemos,
como una espiga, y nada más.

Te llamas Rosa y yo Esperanza;
pero tu nombre olvidarás,
porque seremos una danza
en la colina y nada más...

El río

Una gota de lluvia
cuando el vientre grávido
estremeció la tierra.
A través de viejos
Sedimentos, rocas
Ignoradas, oro
Carbón, fierro y mármol
Un río cristalino
Lejano milenios
Partió frágil
Sediento de espacio

En busca de luz.
Un río nació.

Traducción: Carmen Gloria Rodríguez y Vania Torres

El regreso de la mujer morena

Amigos míos, hermanos míos, cegad a la mujer morena
Que los ojos de la mujer morena me están envolviendo
Y me están despertando de noche.
Amigos míos, hermanos míos, cortad los labios a la
mujer morena.

Que son maduros y húmedos e inquietos
Y saben hacer voluptuosa cualquier frigidez.
Amigos míos, hermanos míos, y vos que amáis la poesía
de mi alma
Cortad los pechos de la mujer morena
Que los pechos de la mujer morena ahogan mi sueño
Y traen colores tristes a mis ojos.
Joven campesina que atraes cuando paso en las tardes
Llévame al casto contacto de tus ropas
Sálvame de los brazos de la mujer morena
Que son lazos, y quedan extendidos inmóviles hacia
mi cuerpo
Son como raíces que huelen a resina fresca
Son como dos silencios que me paralizan.
Aventurera del Río de la Vida, cómprale mi cuerpo a
la mujer morena
Líbrame de su vientre que es campo matinal
Líbrame de su espalda que es como el agua deslizándose
fría.
Blanca abuelita de los caminos, reza para que se vaya
la mujer morena
Reza para que se sequen las piernas de la mujer morena
Reza para que la vejez roa por dentro a la mujer morena
Porque la mujer morena está doblando mis hombros
Le está trayendo una tos insana a mi pecho.
Amigos míos, hermanos míos, y todos vosotros que
aún guardáis mis últimos cantos
¡Dad muerte cruel a la mujer morena!

(Traducción: Alex Fleites y Manuel Rodríguez Ramos)

Mujer al sol

Una mujer al sol es todo mi deseo,
viene del mar, desnuda, con los brazos en cruz
y la flor de los labios abierta para el beso
y en la piel refulgente el polen de la luz.

Una hermosa mujer, los senos en reposo
y caliente de sol, nada más se precisa.
El vientre terso, el pelo húmedo y una sonrisa
en la flor de los labios, abierta para el gozo.

Una mujer al sol sobre quien yo me arroje
y a quien beba y me muerda y con quien me lamente,
y que al someterse se enfurezca y solloce,

e intente rechazarme, y que al sentirme ausente
me busque nuevamente y se quede a dormir
cuando yo, apaciguado, me disponga a partir.

Traducción: Mariano Ramos

Tengo un huésped...

Tengo un huésped muy inquieto
Del lado del corazón.?
¡Muy celoso, muy celoso!?
Dormir no sabe mi huésped: no.?

Como una sierpe se enrosca
Mas no como sierpe, no:?
Como hoguera que consume
El lado donde está mi corazón!?

Una mujer desnuda y en lo oscuro

Una mujer desnuda y en lo oscuro
tiene una claridad que nos alumbra
de modo que si ocurre un desconsuelo
un apagón o una noche sin luna
es conveniente y hasta imprescindible
tener a mano una mujer desnuda.

Una mujer desnuda y en lo oscuro
genera un resplandor que da confianza
entonces dominguea el almanaque
vibran en su rincón las telarañas
y los ojos felices y felinos
miran y de mirar nunca se cansan.

Una mujer desnuda y en lo oscuro
es una vocación para las manos
para los labios es casi un destino
y para el corazón un despilfarro
una mujer desnuda es un enigma
y siempre es una fiesta descifrarlo.

Una mujer desnuda y en lo oscuro
genera una luz propia y nos enciende
el cielo raso se convierte en cielo
y es una gloria no ser inocente
una mujer querida o vislumbrada
desbarata por una vez la muerte.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Arte Poética

Mirar el río hecho de tiempo y agua
y recordar que el tiempo es otro río,
saber que nos perdemos como el río
y que los rostros pasan como el agua.

Sentir que la vigilia es otro sueño
que sueña no soñar y que la muerte
que teme nuestra carne es esa muerte
de cada noche, que se llama sueño.

Ver en el día o en el año un símbolo
de los días del hombre y de sus años,
convertir el ultraje de los años
en una música, un rumor y un símbolo.

Ver en la muerte el sueño, en el ocaso
un triste oro, tal es la poesía
que es inmortal y pobre. La poesía
vuelve como la aurora y el ocaso.

A veces en las tardes una cara
nos mira desde el fondo de un espejo;
el arte debe ser como ese espejo
que nos revela nuestra propia cara.

Cuentan que Ulises, harto de prodigios,
lloró de amor al divisar Ítaca
verde y humilde. El arte es esa Ítaca
de verde eternidad, no de prodigios.

También es como el río interminable
que pasa y queda y es cristal de un mismo
Heráclito inconstante, que es el mismo
y es otro, como el río interminable.

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